19.5.11

A quem responsabilizar pelo fracasso escolar?

O "especialista em educação" do Jornal Nacional (edição de hoje, 19 de maio de 2011, não titubeou ao emitir seu julgamento, responsabilizando uma escola com 1.2 no IDEB, situada em Goiânia, pela "aceitação da cultura do fracasso e de empurrar com a barriga". Também foi taxativo ao sentenciar que "a escola não tem indignação, não está preocupada em resolver esse problema", e que a indisciplina reinante traduz o descompromisso dos pais.

Vê-se que é uma vociferação apressada de um jovem economista, arauto da revista Veja e dos interesses da privataria em educação. Ele foi ligeiro no gatilho, sem prestar atenção à fala da diretora, que reproduzo na íntegra veiculada pelo JN:

Uma criança do 4° ano, aos 9 anos de idade, chega para a gente, infelizmente, não alfabetizado. A gente tem que fazer aquele preparo todinho de alfabetização e tentar colocá-lo no seu agrupamento o ideal para um aluno de 4° ano.

Uma outra análise desta fala da Diretora pode nos levar a outras reflexões que me parecem mais consistentes e que responsabilizam outros sujeitos. Vejamos. A Diretora diz que as crianças "chegam" sem alfabetização. Esta fala despercebida parece denunciar um perverso processo de entrada fora dos períodos regulamentares de matrículas ou, simplesmente, um processo de banimento de alunos de outras escolas em pleno ano letivo. Neste caso, a escola daquela Diretora, apesar de bem aparelhada, é levada a funcionar como um "depósito" de enjeitados.
Esta possibilidade, por mais absurda, não é descabida, eu mesmo já trabalhei numa escola que foi inaugurada somente com alunos e professores considerados "problemáticos" em outras escolas da mesma regional. Não é, portanto, incomum a existência "desligamentos" e transferências de alunos problemáticos e, como em idade escolar, por lei, não podem ficar perambulando pelas ruas, acabam indo parar numa escola que se vê obrigada a aceitar suas matrículas.

Ora, sendo assim torna-se necessário retirar o foco de responsabilização desta diretora e dos seus professores e deslocá-lo para as autoridades educacionais de Goiânia, questionando-as por que fazem vistas grossas a tal prática inaceitável de expurgo estudantil? A Diretora está fazendo o que pode, oferecendo aulas de reforço, fazendo "aquele preparo todinho de alfabetização" e tentando colocar os estudantes "no seu agrupamento ideal". Ela, há muito tempo, já deveria estar contando com a ajuda imediata da Secretaria de Educação local para elevar o IDEB da sua escola.

Com base na literatura mais recente que estuda o fracasso escolar (Arroyo e outros autores), a responsabilização por uma situação semelhante deve recair não sobre a Diretora ou os seus professores isoladamente, mas sobre os administradores educacionais do núcleo central. Ela, os seus professores, estudantes e famílias são grandes vítimas de descaso oficial, de políticas públicas inadequadas. É uma caso típico para o Ministério Público agir imediatamente, ainda mais quando há salas cheias e crianças em estado de indisciplina permanente.

O sr. Ioschpe "comeu mosca" em seus julgamentos a partir de observações muito superficiais e aligeiradas, possivelmente por não estar atualizado com a literatura educacional mais recente. Nos textos acadêmicos, até por volta de meados dos anos 1980, os alunos eram considerados os mais legítimos responsáveis pelos seus fracassos - havia, inclusive, as turmas para alunos AE (alunos excepcionais). Depois, entre os anos 1980 e 1990, as conclusões apontaram os professores como os grandes culpados pelo fracasso escolar. A frase característica deste tempo era esta: "os professores fingiam que ensinam e os alunos fingem que aprendem". Somente dos anos 1990 para cá é que a literatura começou a destacar crônicos problemas estruturais e o descaso das autoridades públicas com os sistemas educacionais das suas áreas de competências.

18.5.11

A verdade que cala

Meus caros leitores

Vale a pena dar uma olhada neste video: http://www.youtube.com/watch?v=7iJ0NQziMrc.
É a fala verdadeira, incontestável e candente de uma professora do Rio Grande do Norte.

http://www.youtube.com/watch?v=7iJ0NQziMrc

17.5.11

Capes e bolsas - depois dos desacertos o acerto

A Capes comeu mosca no Ofício Circular nº 32/2011 em que suspendeu o pagamento de bolsas a pós-graduandos com vínculo empregatício. Felizmente corrigiu em tempo a besteira que ia cometendo. Os bolsistas podem continuar com as bolsas recebidas e a Capes esclarece o critério para as novas concessões: "podem receber bolsas com vínculos empregatícios anteriores à entrada nos programas de pós-graduação stricto sensu todos aqueles que são professores de educação básica, professor substituto, tutor da UAB e profissional de saúde pública continuam valendo".

Segundo o seu Presidente, sr. Jorge Almeida Guimarães, "As portarias que tratam dessa questão mencionam claramente que são áreas de interesse do Estado. Permitir que professores da escola pública façam mestrado – sobretudo mestrado profissional, mas também acadêmico – recebendo bolsa é o principal objetivo. Estes, repito, nós consideramos interesse do Estado. O acúmulo, então, é permitido e vai continuar sendo."

Esta afirmação do Presidente da Capes foi publicada na página da Capes nesta Terça feira, 17 de Maio de 2011 às 12:25. (http://www.capes.gov.br/)

Faço votos para que a Capes com a mesma presteza, revise também os seus novos conceitos de avaliação da pós-graduação, por exemplo ponderando o estabelecimento de QUALIS para livros... Muitos dos seus conceitos atuais estão impregnados de valores próprios dos homens de negócio do mercado empresarial. O Qualis livro só beneficia às editoras, consolida a máfia editorial e faz engordar os seus lobbies. Daqui há pouco vamos ter de pagar "luvas" para publicar nas editoras com qualquer nível qualis.

8.5.11

Educadores contestam artigo da "Veja"

http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/correio-caros-amigos/1604-que-bom-que-os-sindicatos-de-trabalhadores-da-educacao-preocupam-os-sacerdotes-da-privataria-e-seus-bracos-ideologicos

7.5.11

Para melhorar a educação pública

A matéria publicada n'O Globo online de hoje, 07 de maio de 2011, começa exatamente desta maneira: "Em um ano, praticamente não houve mudança no desempenho dos alunos submetidos à Prova Rio, uma avaliação dos conhecimentos de português e matemática dos estudantes do 3° e do 7° anos da rede municipal". E, sinceramente, não se pode acusar a Secretaria Municipal de Educação de não estar se esforçando. Assim, a questão é, então, a seguinte: onde estão os equívocos nas políticas implementadas?
Obviamente a resposta não é direta, nem tampouco tenho a pretensão de saber resolver a questão. Podemos, no entanto, reflexionar sobre ela a partir de algumas constatações.
1.
A escola ainda não está sendo respeitada como local privilegiado de educação das nossas crianças e jovens.
Fisicamente os prédios precisam estar bem cuidados, limpos, atraentes, bem mobiliados, ou seja, precisam oferecer todas as condições objetivas para o trabalho pedagógico. As pesquisas na área há muito já afirmaram que somente este cuidado básico com o locus educacional se traduz imediatamente em aumento dos índices de proficiência. E ainda diria mais: elevam a estima de professores e alunos, eles passam a ter, inclusive, mais cuidados com as próprias aparências físicas. A reforma da rodoviária Novo Rio comprova o que falamos. Sua reforma, mesmo que ainda não concluida, já mudou o visual dos usuários e também o das suas bagagens. As pessoas estão mais bem vestidas e as sacolas e caixas organizadas de qualquer jeito estão diminuindo. Até as conversas são mais baixas e a cordialidade entre os passageiros e usuários já se transformou para melhor.
2.
Os funcionários de escola precisam ter identidade de educadores.
Nesta linha de raciocínio vale considerar a precária situação do pessoal de apoio, isto é, a situação dos funcionários de escola - os não docentes, agentes, auxiliares, assistentes etc. Eles hoje ainda constituem uma categoria profissional sem identidade, qualquer um pode ser porteiro, auxiliar de disciplina etc. E esta questão é séria como a ratifica Tereza Leitão (2007), porquanto ela "mexe com valores, impulsiona a prática, direciona as relações da escola e cria sentimento de pertencimento". Esta categoria precisa urgentemente ser promovida à condição de educadores, para que os funcionários de educação se portem como tais e tenham a sua importância reconhecida socialmente. Como diz a mesma autora: "não é fácil não ser educador, não poder falar, não poder entrar nos ambientes pedagógicos", particularmente quando muitos ainda são semi-alfabetizados.
3.
Os investimentos pedagógicos não podem continuar chegando às escolas pelo alto, a partir de decisões de gabinete sem que os professores sejam sujeitos das escolhas e compreendidos como legítimas e únicas autoridades nas práticas educativas.
Enquanto os professores não forem envolvidos e comprometidos com a reinvenção da escola pública nada irá adiante, porque permanece a tensão entre o que a Secretaria determina e o que os professores fazem ou podem fazer objetivamente.
4.
È indispensável a valorização social do professor.
Não dá para o professorado continuar a ser motivo de piadas na sociedade e nos programas de televisão aparecerem sempre como coitadinhos, mal remunerados etc. Do modo como a categoria se apresenta e é vista socialmente, deixa de ser reconhecido como uma categoria composta de profissionais bem sucedidos pelos seus alunos, sobretudo. Qual aluno gosta de ter diante de si um profissional que a sociedade tem na conta de um perdedor, ou looser como diriam os americanos? A autoridade pedagógica que a sociedade lhe outorga precisa ser acompanhada de um aparato símbolico consistente, que possa traduzir ao primeiro olhar o seu grau de autoridade.
5.
As políticas educacionais precisam ser constituidas democraticamente como Políticas Estratégicas de Estado.
Penso que enquanto forem políticas de governo, o zigue-zague do qual nos fala Luis Antonio Cunha, haverá de compromenter todos os esforços para a melhoria da qualidade da educação pública, porque cada secretário ao querer deixar a sua marca pessoal desfaz os trabalhos dos antecessores, como se pudesse reinventar a roda a cada instante. Muito do não fazer nas escolas decorre deste zigue-zague: mal se começa a fazer um trabalho, vem outro secretário ou prefeito e desfaz tudo!
6.
Empresários, institutos e fundações particulares não entendem de educação
A educação é um trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social. Antes os empresários e estas fundações e institutos privados vêem a educação como um rico tesouro ainda inexplorado, e o campo educacional como um mercado com muitas possibilidades de acumular capitais. Também a vêem como força de reprodução e qualificação de mão de obra. Jamais vêem a educação pública como sendo apropriada para educar os seus filhos e netos, futuros empresários capitalistas. A qualidade de educação pela qual lutam (Movimento Todos pela Educação, Instituto Ayrton Senna, Fundação Itaú Cultural, Fundação Bradesco, Amigos da Escola etc.) é somente pautada pela Teoria do Capital Humano, pelas teorias de pacificação dos grupos dominados, pelas teorias de justiça distributiva que aplaca a fome mas que deixa de promover a dignidade humana que usufruem. A sociedade precisa reagir a este assalto, a esta estratégia de usar recursos públicos educacionais para preservarem suas posições e inflar seus depósitos nos paraísos fiscais.

Leitão, M. T. O chão da escola: construção e afirmação da identidade. Revista Retratos da Escola. ESFORCE. v.3, n.5, jul/dez.2009 - Brasília: CNTE, 2007.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2011/05/05/secretaria-divulga-resultados-da-prova-rio-2010-924392565.asp#ixzz1LhK4aWk1

Divagando

  A rigor a esquerda latino-americana é radicalmente contra o neoliberalismo. A produção acadêmica dos anos 1990 para cá é um belo exemplo d...