22.2.13

Entrevista ao Jornalista Antonio Pita, para O Estado de São Paulo, em 21/02/2013.

1. O que poderia justificar, pedagogicamente, a distribuição desses jogos na rede municipal de ensino? Eles podem ser utilizados em sala de aula?

Zacarias Gama - A literatura diferencia o jogo pedagógico, didático ou educativo do material pedagógico. O jogo tem sempre um caráter lúdico e visa atingir determinados objetivos específicos, como por exemplo, a apreensão de conteúdos de difícil aprendizagem. Neste sentido é um mediador lúdico de aquisição de determinadas informações. Parece-me que no caso do “Banco Imobiliário Cidade Olímpica”, produzido por uma empresa fabricante de brinquedos e distribuído pelo prefeito Eduardo Paes, da cidade do Rio de Janeiro, sejam outras as suas finalidades e justificativas: primeira, fixar as obras do mesmo prefeito com nítido caráter de propaganda eleitoral para fins de sua própria reeleição; segundo, a formação de futuros e eficientes investidores imobiliários ou em negócios afins. Quanto ao uso de jogos lúdicos em sala de aula há controvérsias, dada a contradição entre prazer e estudo disciplinado, sistemático. O jogo, por mais educativo que possa ser, é livre, gratuito e dissociado de quaisquer constrangimentos.

2. O formato tradicional do jogo remete à lógica mercantil e de especulação imobiliária voltada à realidade da cidade. Caso o jogo seja utilizado em sala de aula ou em atividades extracurriculares na escola, isso pode ser considerado uma interferência no conteúdo e na formação dos estudantes? De que forma isso pode prejudicar ou não a formação dos alunos?

ZG - Se a ideia principal é utiliza-lo como material pedagógico é clara, então, a interferência que pretende ter na formação dos estudantes. A lógica mercantil não apenas entra na sala de aula, mas passa a pautar a formação do futuro cidadão, secundarizando outras lógicas ou valores indispensáveis. Por que não propor jogos diretamente destinados à ao aprimoramento leitura e às árduas tarefas didáticas nas áreas de Matemática, Ciências, Geografia, História etc.?

3. O sindicato de professores questiona a legalidade da distribuição, que considera o jogo uma ferramenta de propaganda política. O senhor vê conotação política no jogo e em sua distribuição nas escolas e entre os alunos? Essa conotação política também gera impacto sobre a formação do aluno?

ZG - A conotação de propaganda política é explícita. A fixação das obras do atual prefeito por mais de 500 mil estudantes, mesmo que sejam crianças matriculadas nas séries iniciais da Educação Básica, é uma grande jogada de marketing eleitoral, elas podem influenciar votos familiares. Esta conotação política presente em tal jogo, obviamente tem impacto na formação do estudante.

4. O sindicato também denunciou a existência de uma cartilha de Matemática em que são apresentados os resultados eleitorais do último pleito, citando nominalmente os candidatos a prefeito e vereador e suas votações como exercício de análise de gráficos (encaminho em anexo uma cópia – é uma informação que acreditamos ter com exclusividade). Os professores dizem que normalmente este tipo de conteúdo é utilizado sem a referência aos ocupantes dos cargos públicos. O senhor vê ingerência também neste material?

ZG - O Sindicato tem razão, a citação nominal de candidatos derrotados e os seus respectivos percentuais de votos tende privilegiar o vencedor. A apresentação dos resultados das eleições municipais de 2012 em gráfico de pizza é uma ingerência política na ação pedagógica das escolas, enquanto meio de direcionar, influenciar e educar os estudantes. Ideologicamente visa construir um determinado consenso em favor do nome situado no topo da lista, visa a reprodução do mandato do prefeito atual.

5. Para a obtenção dos jogos, a prefeitura gastou cerca de R$ 1 milhão. O senhor acredita que é uma verba alta demais para um projeto deste porte, sem um amparo pedagógico?

ZG - Isto é compreensível, porém inadmissível, quando a lógica mercadológica submete a função social da escola para formar eficiente mão de obra e futuros investidores, para transformá-la antieticamente em grande mercado de consumo de produtos “educativos”. Ela mais contribui para a lucratividade comercial do que para a educação das nossas crianças e jovens. A multiplicação de empresas com estas linhas de produtos tem cada vez mais pressionado as vendas e consequentemente a entrada destes produtos nas escolas, principalmente quando os políticos responsáveis pelos sistemas de educação estão desprovidos de outros valores ou, simplesmente, comprometidos com a lógica mercantil. Esta verba é, sem dúvida, alta demais, em especial quando sabemos das outras e urgentes necessidades das escolas públicas.

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