27.5.16

Escolas sem partido? O que a direita pretende?

O projeto de lei estadual denominado "Escola sem partido", se for aprovada pelo Congresso Nacional, será nefasto para a educação brasileira. Este projeto exige em seu Art. 2º que sejam "vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades de cunho religioso ou moral que possam estar em conflito com as convicções dos pais ou responsáveis pelos estudantes".

Seus proponentes acreditam que determinado conteúdo de História, por exemplo, pode ser dado assepticamente. Eles endossam a condenação de um professor que ao explicar o conceito de revolução ressalte a violência física e simbólica que existe em sua natureza.
Mas, como explicar qualquer revolução sem considerar a violência inerente ao ato revolucionário? A Revolução Americana por acaso foi desprovida de violência? Durante a Revolução de Crommwell, chamada de Gloriosa, não houve sequer o derramamento de uma gota de sangue? Ora, não há nenhuma revolução que tenha sido pacífica. Nem Ghandi conseguiu isto, ele próprio foi vítima de um radical.

Além disso, não há conteúdo curricular asséptico, desprovido de qualquer concepção de mundo. Eles são construídos por sujeitos históricos que defendem causas, se simpatizam com determinadas ideias, torcem a favor ou contra muitas coisas.

Tratar os conteúdos escolares como se fossem assépticos significa aceitar o modo como são apresentados nos livros escritos por determinados autores, isto é, como verdades incontestáveis. Nenhum autor, contudo, está isento de contaminações teóricas/ideológicas. O que expõe está conforme a sua concepção de mundo. Vejamos dois exemplos: o primeiro é caso de muitos historiadores da educação que, pelo fato de serem republicanos, minimizam e até omitem muitas boas ações educacionais promovidas durante o nosso período imperial. O segundo, é o dos historiadores militares que tendem sempre a ressaltar as guerras, comandantes e estratégias, praticamente despindo-as dos seus horrores.

Na prática corremos o risco de serem publicados apenas os livros de escritores favoráveis ao status quo. E os livros contrários previamente existentes? Teriam um fim semelhante ao que a Alemanha Nazista, na noite do dia 10 de maio de 1933, deu aos livros que pudessem contaminar a sociedade e a cultura alemã?

Objetivamente o que os defensores desta proposta de lei parecem querer é a conservação de determinada ordem. Que os seus integrantes tenham pensamento único. Bem na linha de diversas ditaduras contemporâneas, desde as que dominaram o poder na Espanha, Portugal, Itália, Alemanha, Chile, Peru, Argentina, Brasil... À propósito, todos os ditadores nestes países primaram pela mediocridade.

15.5.16

Grupo/Banco Kroton-Anhanguera de Educação: Jogada de Mestre


O golpe de Estado que impediu a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, de continuar à frente do governo, vem dando mostras de ser claramente pela privatização de direitos sociais e trabalhistas. O projeto do governo interino, chamado de Uma Ponte para o Futuro, não deixa quaisquer dúvidas a respeito. A desvinculação orçamentária dos recursos para Educação e Saúde, por exemplo, é a prova mais cabal e imediata de privatização da educação e de outros direitos sociais que deveriam ser garantidos pelo Estado.
Em menos de uma semana o governo golpista interino vai colocando em prática as suas intenções privatistas. O fim do Financiamento Estudantil (FIES) já está se concretizando e sua substituição pelo Parcelamento Estudantil Privado (PEP), que transfere para a iniciativa privada o financiamento público indispensável à formação universitária de estudantes de baixa renda, é uma questão de pouco tempo. O maior grupo privado de educação do país e do mundo, o Grupo Kroton-Anhanguera com mais de 1,5 milhão de matrículas, deverá passar a financiar em parcelas o curso superior de quantos estudantes desejarem contrair dívidas junto a ele; com isto se transformará em um banco de negócios, da mesma natureza que qualquer agência ou banco de financiamento privado. Para atrair clientes o Grupo/Banco Kronton-Anhanguera de Educação depressa promete processos simplificados e ágeis: os estudantes ficarão dispensados de apresentar uma nota mínima do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), de ter conta no Banco do Brasil e o seu crédito já está pré-aprovado.
É uma jogada de mestre. Aumentará o lucro líquido do Grupo/Banco Kronton-Anhanguera e, ao mesmo tempo, permitirá a sua consolidação em bases econômicas e financeiras. A contribuição do PEP para a melhoria da qualidade da educação superior, no entanto, será mínima. Grande será o derrame de diplomas que haverá de jorrar no mercado de trabalho, esvaziados de conteúdo e de qualidade referenciada socialmente. Não há nenhuma garantia de qualidade formativa, exceto aquela que for propalada por campanhas traiçoeiras de marketing.
A garantia de aprovação de qualquer estudante, além de um mínimo de frequência, será a portabilidade de um PEP. Nem precisará estudar com empenho. O compromisso institucional com a sua formação está na contratação do financiamento junto ao Grupo/Banco Kroton-Anhanguera. Tudo será feito para zerar as evasões e garantir o retorno do empréstimo. Se será um bom profissional, competente e minimamente ético, pouco importa ao financiador; isto são outros quinhentos. Os negócios bancários são assim: quaisquer meios se justificam desde que a rentabilidade seja aumentada. O pagamento em dia das prestações adiantadas pelo PEP depois de concluída a formação é o que interessa ao banco. Se as construções civis caírem, pacientes morrerem nas mesas de operações ou clientes de jovens advogados perderem sucessivas ações judiciais, não lhe dizem respeito, não são problemas do banco. As vítimas e familiares interessados que processem os maus profissionais e interditem os seus escritórios, consultórios e bancas.
É um negócio da China para este grupo empresarial de educação. E o será também para todas as instituições privadas de ensino superior do Brasil e até do estrangeiro. As instituições privadas de ensino superior que já são majoritárias no território brasileiro criam para si formas ideais de garantir boas clientelas com baixa ou nenhuma inadimplência. O PEP garante-lhes as receitas em dia. Muitas instituições estrangeiras, em consequência, deverão ser atraídas para se instalarem aqui. Não será surpresa se instituições universitárias dos Estados Unidos e de outros países se instalem por aqui com muita rapidez atraídas pela segurança que o PEP pode oferecer. É enorme o potencial da clientela em idade universitária, assim como a própria necessidade de resolverem as suas próprias crises de financiamento. Nos Estados Unidos é cada vez mais difícil às famílias garantir formação superior para os seus filhos; o endividamento familiar junto às universidades americanas é superior ao PIB de muitos países. As universidades, por sua vez, contam com recursos cada vez mais escassos para custear a manutenção de seus gigantescos campi que, além de ensino e pesquisa, oferecem hospedagens, instalações esportivas requintadas, espaços recreativos etc.
Para o sistema universitário brasileiro, público e gratuito, o horizonte se torna nebuloso, com previsões de pesados temporais. O governo interino já incluiu em seu programa - Ponte para o Futuro - a desvinculação do financiamento da educação do orçamento nacional e são fortes os sinais de que irá transferir o custeio da educação pública brasileira para as parcerias público-privadas e organizações sociais. O Brasil que ocupa o 8º lugar no ranking mundial de grandes mercados de educação deverá em breve tornar-se o paraíso dos investimentos privados em educação.
A rapidez com que isto acontece não é, no entanto, acompanhada de qualquer garantia de manutenção das nossas universidades públicas como centros de pesquisas, ensino e extensão de excelência e importância para o nosso desenvolvimento autossustentado e diminuição de nossa dependência econômica. Na prática, o nosso sistema de educação superior é colocado exposição como qualquer mercadoria em liquidação à espera de seus compradores.

13.5.16

ACABAR COM O SAERJ E SALVAR A PELE

O emérito professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Antonio Cunha, em sua obra clássica – Educação, Estado e Democracia no Brasil (1991) – trouxe à luz a teoria da administração ziguezague, segundo a qual a cada quatro anos os secretários estaduais e municipais de educação imprimem as suas características pessoais ao sistema educacional que administram. Podem propor novos planos de carreira, currículos, instrumentos internos e externos de avaliação da aprendizagem e das escolas, modelos arquitetônicos escolares etc. As suas motivações vão do eleitoreirismo à pressa de resolver problemas em curto espaço de tempo, passando pelos voluntarismos apressados que os levam a implementar experiências pautadas por suas convicções ideológicas.
As gestões administrativas anteriores são varridas para debaixo dos tapetes, nomeadamente porque estão ligadas a outros partidos políticos. Pouco se importam que elas tenham implementado medidas “sadias e apropriadas” ou que tenham contribuído para a melhoria da qualidade de ensino oferecido. Parece a história de Winston Smith, membro do partido externo, funcionário do Ministério da Verdade, na grandiosa obra de George Orwell, 1984. Sua função era adulterar dados de acordo com as determinações do Partido. Também há semelhança com a escrita de historiadores da educação brasileira que, por serem republicanos, menosprezam a educação durante o nosso período imperial.
Esta introdução é a propósito da que está acontecendo hoje no sistema de educação pública do Estado do Rio de Janeiro. O atual secretário, em uma canetada justificada pela crise de caixa, sem nenhuma avaliação de impacto positivo, determinou o fim do Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ) e sua substituição por “uma prova que funcione como um simulado para o ENEM” (Extra Online, 2016) , sem saber ainda se medirá ou não a evolução das escolas.
O SAERJ, implantado em 2008, era a avaliação externa comum a toda rede de escolas públicas estaduais, aplicada semestralmente com a finalidade de monitorar e analisar a evolução do desempenho estudantil do 5º e 9º ano do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio em Língua Portuguesa e Matemática. Bimestralmente eram aplicados outros instrumentos de avaliação diagnóstica, conhecidos como SAERJINHO, que complementavam as avaliações semestrais, também chamados de SAERJÃO. O SAERJ era isto: um programa de avaliação composto: continha o Programa de Avaliação Externa e o de Avaliação Diagnóstica do Desempenho.
Os resultados obtidos permitiam a construção de Indicadores de Desempenho (ID) que combinados com Indicadores de Fluxo (ID) admitiam a construção de outro indicador: o IDERJ – Indicador de Desempenho do Estado do Rio de Janeiro, similar ao IDEB (Indicador de Desempenho da Escola Básica), apurado nacionalmente pelo Ministério da Educação/INEP. O IDEB é o principal indicador de qualidade do ensino brasileiro e permite comparações com outros países. Na gestão anterior os cuidados com o SAERJ e sua aplicação regular até a presente data, permitiram que o desempenho escolar do Estado saísse do vexatório penúltimo lugar em 2009, atrás do Estado do Piauí, com 2,8, para a terceira posição no ranking brasileiro promovido pelo IDEB, com 3,66 pontos em 2014. Uma escalada de onze posições durante apenas a gestão de quatro anos do secretário anterior.
Pois bem, é este esforço positivo que o atual Secretário de Educação, senhor Antonio Vieira Neto está jogando para debaixo dos tapetes, como forma fácil de atender às reivindicações do movimento estudantil Ocupa Escolas. A atitude antidialogal do Secretário, denunciada publicamente pelos deputados integrantes da Comissão de Educação do Estado, sequer permitiu a abertura de um debate com as lideranças estudantis, professores e sociedade sobre a importância deste programa de avaliação externa. Ele simplesmente pegou o atalho mais fácil para a manutenção de um cargo ameaçado em função de suas características de homem de gabinete. À primeira pressão articulada e elogiada pela sociedade, negocia a desocupação de escolas que já durava quarenta dias.
Os ziguezagues, com isto, passam a incluir uma nova motivação: incompetência em época de crise. Os meios justificam os fins.

1.5.16

A Ponte para o Futuro e a educação nacional: de volta ao passado


ZACARIAS GAMA



Nós todos saímos das lutas pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024 cheios de alegria, porque conseguimos fixar a meta de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação ao final do decênio. Ficamos ainda mais alegres com a destinação de 75% dos royalties do Pré-Sal para a educação. Mas, o desenrolar da nossa crise política a partir das eleições de 2014, o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff e as articulações golpistas do vice-presidente Michel Temer, matam a nossa alegria e nublam o horizonte com grossas nuvens negras.

O programa de governo de Temer, denominado de Uma Ponte para o Futuro, ameaça diretamente a educação nacional, de todos os níveis e modalidades. A sua primeira palavra de ordem quanto ao seu financiamento é desvincular da Constituição e da Lei Orçamentária os gastos com Educação:
É necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação, em razão do receio de que o Executivo pudesse contingenciar, ou mesmo cortar esses gastos em caso de necessidade, porque no Brasil o orçamento não é impositivo e o Poder Executivo pode ou não executar a despesa orçada .

O fim das vinculações constitucionais significa imediatamente que a educação pública, gratuita, universal e de qualidade social deverá ser financiada com a colaboração da sociedade. O Estado reduzirá o seu papel de provedor da educação pública, reservando para si a sua regulação e promoção, reconhecendo, todavia, a sua importância para o desenvolvimento econômico da sociedade. O papel de regulador significará o estabelecimento de metas, a delimitação de determinados parâmetros à atuação privada, a definição de currículos e conteúdos, assim como a configuração do sistema de avaliação. Como promotor deverá caber-lhe o papel de ser o seu controlador social e indutor da participação da sociedade.

Significa ainda mudar radicalmente o Art. 205 da Constituição de 1988, segundo o qual

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Com a mudança deste artigo será transferido às famílias o ônus da educação dos seus filhos. Em alguns estados brasileiros, como por exemplo Goiás, o processo privatista de transferência da gestão das escolas públicas para Organizações Sociais já ocorre de modo acelerado. Em dezembro de 2015, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), fez o primeiro chamamento público, para a seleção de OS (Organizações Sociais) para gerenciar, operacionalizar e administrar inicialmente vinte e três escolas.

É interessante notar que nenhuma linha, neste programa de um eventual governo Temer, foi escrita sobre o financiamento das universidades. Não obstante, o financiamento delas também correr risco. A Lei 13.243/16 que instituiu o Marco Regulatório de Ciência, Tecnologia e Inovação pode muito bem servir como prenúncio de um modelo de financiamento e gestão universitária em íntima associação com empresas, permitindo inclusive que pesquisadores em regime de dedicação exclusiva exerçam atividade de pesquisa também no setor privado, nos laboratórios corporativos com remuneração.

A educação básica, nomeadamente em sua modalidade profissionalizante, merece grande destaque. Indica-se o ensino fundamental e médio como prioridades e situa o foco na qualidade do aprendizado e na sala de aula. Para o ensino médio, que ainda denomina de 2º grau tal como na Lei 5692/71 de Diretrizes e Bases sancionada pelo regime ditatorial civil-militar, cogita uma reforma completa em termos de currículo, aproveitamento e terminalidade. A meta parece ser a de aproximar a opção pela educação profissional dos níveis europeus; lá 50% dos alunos optam pela educação profissionalizante, e aqui somente 8%. O PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego deverá ter continuidade e adquirir mais vigor, porém enfocando-se as necessidades imediatas dos mercados locais.

A diversificação de oferecimento do ensino médio, conforme as vocações e interesses, é também uma promessa, ainda que seja uma verdadeira volta ao passado, mais exatamente à vigência da Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Naquele tempo o ensino colegial era oferecido com diversas configurações: científico, clássico, normal, agrícola, industrial, comercial, contábil etc. Permitia-se a quem não gostasse de Matemática, por exemplo, dedicar-se integralmente aos clássicos da Literatura, História etc.

Esta ideia de especialização dos estudantes, no entanto, sempre foi contestada pelas limitações que impõe à formação do adolescente e pelo açodamento na formação de mão de obra qualificada. Os estudos a respeito sempre evidenciam as perdas que representa, ainda que os seus defensores, os mesmos que defendem a Teoria do Capital Humano, insistam em formar trabalhadores precocemente. O pragmatismo formativo leva-os a insistir numa formação referenciada a competências e habilidades esperadas pelo mercado de trabalho. Nos ambientes povoados por pesquisadores e cientistas da Educação são muitas as críticas às propostas educacionais contidas no programa Uma Ponte para o Futuro. Regra geral, elas têm essências economicistas e tecnicistas para realizar a educação de crianças e jovens, garantindo-se a constância dos fluxos idade-séries, baixa evasão escolar, controle dos gastos e ótimas relações custo-benefício.

Particularmente considero uma pena que políticas educacionais propostas para a formação de crianças e jovens no alvorecer de um novo século, ainda preservem ranços que já deveriam estar há muito tempo superados. A história da educação brasileira, em especial, tem acúmulo de críticas a eles, assim como exaustivos estudos acerca dos seus efeitos. Assim, penso que somente teremos a educação de qualidade que todos educadores almejam quando chamarmos a sociedade para o debate e envolve-la no desenvolvimento de nosso sistema educacional, definindo muito claramente qual educação?

Os nossos policymakers educacionais são indivíduos a serviço da realização do capital, eles pouco entendem de como educar as crianças e jovens para outras finalidades para além do capital. Quando entenderem que o trabalho é para o homem, mas que o homem não é para o trabalho, possivelmente caminharemos melhor.

Muito obviamente os seres humanos têm finalidades superiores. Eles têm o direito natural de fruir os bens terrenos colocados à sua disposição e desenvolver a sua própria humanidade.

Divagando

  A rigor a esquerda latino-americana é radicalmente contra o neoliberalismo. A produção acadêmica dos anos 1990 para cá é um belo exemplo d...