1.5.16

A Ponte para o Futuro e a educação nacional: de volta ao passado


ZACARIAS GAMA



Nós todos saímos das lutas pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024 cheios de alegria, porque conseguimos fixar a meta de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação ao final do decênio. Ficamos ainda mais alegres com a destinação de 75% dos royalties do Pré-Sal para a educação. Mas, o desenrolar da nossa crise política a partir das eleições de 2014, o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff e as articulações golpistas do vice-presidente Michel Temer, matam a nossa alegria e nublam o horizonte com grossas nuvens negras.

O programa de governo de Temer, denominado de Uma Ponte para o Futuro, ameaça diretamente a educação nacional, de todos os níveis e modalidades. A sua primeira palavra de ordem quanto ao seu financiamento é desvincular da Constituição e da Lei Orçamentária os gastos com Educação:
É necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação, em razão do receio de que o Executivo pudesse contingenciar, ou mesmo cortar esses gastos em caso de necessidade, porque no Brasil o orçamento não é impositivo e o Poder Executivo pode ou não executar a despesa orçada .

O fim das vinculações constitucionais significa imediatamente que a educação pública, gratuita, universal e de qualidade social deverá ser financiada com a colaboração da sociedade. O Estado reduzirá o seu papel de provedor da educação pública, reservando para si a sua regulação e promoção, reconhecendo, todavia, a sua importância para o desenvolvimento econômico da sociedade. O papel de regulador significará o estabelecimento de metas, a delimitação de determinados parâmetros à atuação privada, a definição de currículos e conteúdos, assim como a configuração do sistema de avaliação. Como promotor deverá caber-lhe o papel de ser o seu controlador social e indutor da participação da sociedade.

Significa ainda mudar radicalmente o Art. 205 da Constituição de 1988, segundo o qual

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Com a mudança deste artigo será transferido às famílias o ônus da educação dos seus filhos. Em alguns estados brasileiros, como por exemplo Goiás, o processo privatista de transferência da gestão das escolas públicas para Organizações Sociais já ocorre de modo acelerado. Em dezembro de 2015, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), fez o primeiro chamamento público, para a seleção de OS (Organizações Sociais) para gerenciar, operacionalizar e administrar inicialmente vinte e três escolas.

É interessante notar que nenhuma linha, neste programa de um eventual governo Temer, foi escrita sobre o financiamento das universidades. Não obstante, o financiamento delas também correr risco. A Lei 13.243/16 que instituiu o Marco Regulatório de Ciência, Tecnologia e Inovação pode muito bem servir como prenúncio de um modelo de financiamento e gestão universitária em íntima associação com empresas, permitindo inclusive que pesquisadores em regime de dedicação exclusiva exerçam atividade de pesquisa também no setor privado, nos laboratórios corporativos com remuneração.

A educação básica, nomeadamente em sua modalidade profissionalizante, merece grande destaque. Indica-se o ensino fundamental e médio como prioridades e situa o foco na qualidade do aprendizado e na sala de aula. Para o ensino médio, que ainda denomina de 2º grau tal como na Lei 5692/71 de Diretrizes e Bases sancionada pelo regime ditatorial civil-militar, cogita uma reforma completa em termos de currículo, aproveitamento e terminalidade. A meta parece ser a de aproximar a opção pela educação profissional dos níveis europeus; lá 50% dos alunos optam pela educação profissionalizante, e aqui somente 8%. O PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego deverá ter continuidade e adquirir mais vigor, porém enfocando-se as necessidades imediatas dos mercados locais.

A diversificação de oferecimento do ensino médio, conforme as vocações e interesses, é também uma promessa, ainda que seja uma verdadeira volta ao passado, mais exatamente à vigência da Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Naquele tempo o ensino colegial era oferecido com diversas configurações: científico, clássico, normal, agrícola, industrial, comercial, contábil etc. Permitia-se a quem não gostasse de Matemática, por exemplo, dedicar-se integralmente aos clássicos da Literatura, História etc.

Esta ideia de especialização dos estudantes, no entanto, sempre foi contestada pelas limitações que impõe à formação do adolescente e pelo açodamento na formação de mão de obra qualificada. Os estudos a respeito sempre evidenciam as perdas que representa, ainda que os seus defensores, os mesmos que defendem a Teoria do Capital Humano, insistam em formar trabalhadores precocemente. O pragmatismo formativo leva-os a insistir numa formação referenciada a competências e habilidades esperadas pelo mercado de trabalho. Nos ambientes povoados por pesquisadores e cientistas da Educação são muitas as críticas às propostas educacionais contidas no programa Uma Ponte para o Futuro. Regra geral, elas têm essências economicistas e tecnicistas para realizar a educação de crianças e jovens, garantindo-se a constância dos fluxos idade-séries, baixa evasão escolar, controle dos gastos e ótimas relações custo-benefício.

Particularmente considero uma pena que políticas educacionais propostas para a formação de crianças e jovens no alvorecer de um novo século, ainda preservem ranços que já deveriam estar há muito tempo superados. A história da educação brasileira, em especial, tem acúmulo de críticas a eles, assim como exaustivos estudos acerca dos seus efeitos. Assim, penso que somente teremos a educação de qualidade que todos educadores almejam quando chamarmos a sociedade para o debate e envolve-la no desenvolvimento de nosso sistema educacional, definindo muito claramente qual educação?

Os nossos policymakers educacionais são indivíduos a serviço da realização do capital, eles pouco entendem de como educar as crianças e jovens para outras finalidades para além do capital. Quando entenderem que o trabalho é para o homem, mas que o homem não é para o trabalho, possivelmente caminharemos melhor.

Muito obviamente os seres humanos têm finalidades superiores. Eles têm o direito natural de fruir os bens terrenos colocados à sua disposição e desenvolver a sua própria humanidade.

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