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25.2.10

Escolas de Tempo Integral - Entrevista ao Jornal Folha Dirigida

SENADOR QUER HORÁRIO INTEGRAL NAS ESCOLAS

Jornalista Alessandra Novaes. Edição da FD de 25 de fevereiro e 3 de março de 2010/Caderno Educação

"O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) pediu ao governo federal que assuma um papel central no processo de construção de um sistema educacional de qualidade. Ele considerou que estados e municípios já fazem mais do que efetivamente podem. Ele afirmou ainda que está mais do que provado que a educação integral é o caminho natural e insubstituível para a construção da cidadania e para alicerçar o desenvolvimento nacional.
Raupp, ao falar dos custos que isso geraria, também disse que "não há como utilizar os custos de um sistema educacional como desculpa". Ele lembrou que todos os países vitoriosos investiram em educação e que esse tipo de gasto trata-se de escolha política. Ele defendeu a necessidade de universalizar a educação "básica de qualidade imediatamente".
Para alcançar o objetivo, ele sugeriu "um pacto nacional". “Na prática, isso se traduziria por durante duas décadas, os três entes públicos (união, estado e município) assumissem tarefas, encargos e responsabilidades para que a educação dê o salto que precisa". Em aparte, o senador Adelmir Santana (DEM-DF) avaliou que a escola em tempo integral não é boa apenas para retirar as crianças da rua, mas também por oferecer ao aluno a oportunidade de ele rever conteúdos programáticos".
Fonte: Agência Senado.


AN - Você concorda com essa idéia do senador Raupp? Por que?

Zacarias Gama - A idéia de um “pacto nacional” pela educação de qualidade é importante e deve ser empreendido não só porque envolve toda a sociedade na busca de solução, mas sobretudo porque pode viabilizar a educação que queremos. Sua formulação no entanto precisa ser amplamente discutida com a sociedade. Os açodamentos contudo devem ser evitados porque podem situar a educação totalmente a reboque de interesses imediatistas ditados pelo mercado, totalmente contrários a uma escola pública, entendida como escola para o povo, que pode e deve existir para a promoção do ser humano, não apenas para escolarizar mediocremente ou simplesmente qualificar um futuro operário. Apenas escolarizar ou qualificar um operário significa fixar e cristalizar as pessoas nas condições sociais em que nasceram, restringindo cada vez mais as camadas sociais dirigentes e beneficiárias da riqueza produzida por todos.

AN- O horário integral é a melhor solução para a educação? Como este "tempo a mais" deveria ser empregado?

ZG - A escola de tempo integral é um passo importante, mas não basta apenas que sejam de tempo integral. Precisamos de uma escola única de tempo integral que seja de cultura geral, humanista e tenha o trabalho como principio formativo. Nossos alunos precisam desenvolver suas capacidades de trabalho intelectual e também de trabalho técnico e industrial.

AN - A "federalização" será uma boa saída em qualquer situação?

ZG - A federalização da educação nacional, como política de estado, é uma boa saída, mas não acredito que o seja em qualquer situação. Mas é fato que hoje, objetivamente falando, as escolas públicas federais de qualquer nível estão em melhor situação que as escolas administradas por outros entes da Federação, inclusive em relação às escolas particulares. A Federação tem dado demonstrações de que cuida melhor da educação pública que os Estados e Municípios.

AN - O prazo de duas décadas seria suficiente para alavancar a educação de qualidade?

ZG - Acredito que sim. Mas é possível que em uma década possa ser dado o salto de qualidade. A década seguinte poderia ser usada para consolidação e aperfeiçoamentos.

AN - Além de tirar as crianças das ruas, ao adotar o ensino em horário integral, que benefícios a medida traria? Há prejuízos envolvidos?

ZG - Essa idéia de escola como “depósito de crianças” deve ser banida de um projeto sério por uma escola de qualidade. O que deve nortear um pacto pela educação de qualidade deve ser a construção de uma escola única e pública dotada de condições concretas para eliminar de imediato os privilégios e o elitismo que ainda existem, do tipo escolas para pobres e escolas para ricos, para trabalhadores braçais e trabalhadores intelectuais. Não vejo prejuízos envolvidos na criação de um projeto de escola e educação que beneficie igualmente a todos os alunos, sem distinção de classe social.

AN - Considerando que o projeto fosse aprovado e implementado. Com relação à carreira do magistério, o que deveria ser modificado para que o compromisso de alcançar a tão sonhada educação de qualidade se tornasse uma realidade?

ZG - O magistério público estadual e municipal vive um descaso impressionante com elevados índices de exonerações, licença, absenteísmo, falta de perspectivas de futuro na carreira etc. que o situa muito inferiormente ao magistério público federal. Acredito que tal pacto deveria também incluir, como ponto de partida para a valorização do magistério, um regime único de plano de carreira e salários igual ao dos professores do sistema federal de ensino.

AN - A melhoria da educação depende apenas da mudança de gestão? Que outros fatores estariam envolvidos?

ZG - Nos últimos anos o que mais se fez foi mudança de gestão da escola pública, cada Governador ou Prefeito querendo inscrever sua concepção de escola e educação, chegando a formas de controle humilhantes e típicas do mundo empresarial que tanto liquidam a autonomia das escolas e docentes, como sobretudo engessam a subjetividade criativa dos professores. Não obstante todos os controles existentes, sobressaindo agora com programas informatizados, eles não têm melhorado a qualidade da educação nas bases pretendidas com seriedade. Penso que novas mudanças de gestão devem se voltar para a gestão pedagógica de modo a superar o espontaneismo e as diferenças produzidas pela sociedade de classes. Antes de serem simplesmente ativas, no sentido de muita atividade característica do ativismo reprodutor do status quo, nossas escolas devem primar pelos métodos de investigação e conhecimento que, necessariamente, não desembocam na produção de inovação e originalidade a qualquer custo.

AN - Do ponto de vista financeiro, você considera esta uma medida viável?

ZG - O financiamento da educação é viável e está previsto no Art. 212 da Constituição Federal: “a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. Observe-se que todo este montante destina-se ao desenvolvimento do ensino, e, no entanto, o ensino tem sido o primo pobre na hora da distribuição. Há muitas transferências inclusive para financiar a sobrevivência de escolas particulares, programas de bolsas de estudo que beneficiam outras instituições educacionais, maquiagens contábeis que desviam dinheiro da finalidade constitucional etc. Um pacto nacional pela educação precisa atentar para tudo isto e corrigir as distorções.

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