André Malina[1]
Zacarias Gama[2]
(Publicado no Jornal Folha Dirigida, Caderno Educação, Coluna Sem Censura, edição de 24 a 30 de Julho de 2012 - Rio de Janeiro).
(Publicado no Jornal Folha Dirigida, Caderno Educação, Coluna Sem Censura, edição de 24 a 30 de Julho de 2012 - Rio de Janeiro).
Os professores de
universidades federais e estaduais e institutos federais de educação estão em
greve, mas por que estão em greve? Quais as características desta atual greve?
Qual análise pode-se fazer das macropolíticas nas quais se insere este
movimento dos trabalhadores/professores?
Nesse sentido,
objetivamos pontuar alguns aspectos da fundamentação do processo histórico
atual e a importância dessa greve para o conjunto da classe trabalhadora.
A fundamentação mais remota, ou mais geral, desta
greve é o conjunto de reformas educacionais que está em curso no mundo e vem
sendo pautada pela racionalidade neoliberal. O caso mais impactante talvez seja
o da Europa. Ali, firmou-se a Declaração de Bolonha que, desde 1999 e até os
dias atuais, busca estabelecer a criação de um espaço europeu de ensino
superior. Com isso, pretende-se unificar os sistemas de ensino superior em toda
a União Europeia, tornando-os mais competitivos em uma sociedade do
conhecimento e capazes de maior acumulação capitalista com a venda de
conhecimentos com alto valor agregado em uma economia do conhecimento[3].
No Brasil, sucessivos governos vêm implementando a
reforma do Estado e também da Educação igualmente inspiradas pelo ideário
neoliberal, e com resultados desastrosos para o conjunto dos trabalhadores da
educação, em especial para os professores. Após o governo FHC (1995-2002), por
exemplo, consolidou-se a sequência de incremento no financiamento da educação,
culminando no governo Lula (2003-2010) com a ampliação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e
sua transformação em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), abrangendo desde os
níveis da Educação Infantil, o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Na
Educação Superior, atualmente, temos já finalizada a primeira parte da reforma universitária
com a instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(SINAES), Programa de Reestruturação e Expansão Universitária (REUNI) e Programa Universidade para
Todos (PROUNI). Já no governo Dilma projeta-se a segunda fase do REUNI.
Uma linha de continuidade entre os três governos é a implementação da lógica
produtivista na gestão das universidades e na produção docente, intensificando
um processo de radicalização da eficiência, ou seja, uma busca análoga às leis de
incremento da mais-valia relativa imposta ao proletariado pela burguesia.
Dessa forma, a ampliação do olhar sobre o que
acontece no campo da Educação, e em particular sobre esta greve, vê-se que não
está descolada desta historicidade. Tampouco podemos isolar a Educação da
economia política ou dos vários acordos supranacionais e tentativas de livre
trânsito e comércio de produtos e serviços (entre eles os serviços
educacionais), como foi o caso do Mercosul e da Alca, e também da Eurozona, esta
última vivendo atualmente a maior crise da história em função da crise estrutural
do capitalismo e da crise de submissão dos Estados nacionais às determinações
do Parlamento de Bruxelas. Desse processo político-econômico, decorrem as
iniciativas concretas de:
a-
integração econômica e regulamentação
comercial de produtos e serviços;
b-
transnacionalização de empresas e
indústrias, e portanto do capital já em sua mais nova forma imperialista
(capital-imperialismo[4]).
c-
padronização de atendimento e oferta de
serviços,
d- criação de monopólios, oligopólios e
poliopólios de produtos e serviços.
De forma geral, há a
internacionalização das aplicações financeiras na dinâmica improdutiva do
capitalismo contemporâneo conforme a avidez de maior lucro dos grandes
capitalistas (em especial os grandes grupos e holdings, e corporações
financeiras). Isso ocorre a partir de um processo histórico relativamente
recente, acelerado desde os anos 1980 e, no caso brasileiro de forma
contundente a partir dos anos 1990 e 2000 com o beneplácito dos respectivos
governos. À transformação da natureza e consequente complexificação da produção
e comercialização de todos os bens e serviços na forma de mercadorias, incorporaram-se
novos arranjos de consumo e comércio de bens culturais e educacionais; a
educação aparece como fetiche do desenvolvimento nacional e, individualmente, como
trampolim para os confortos da vida pequeno-burguesa ou da empregabilidade.
O desenvolvimento do setor de
serviços afetou a maneira como compreendemos o movimento no interior do sistema
capitalista. Dessa forma, podemos supor que há uma padronização, uma lógica de
produção e oferta de serviços, desde os alimentos até a educação estandardizada.
Grande número de escolas de todos os níveis adota um padrão e funcionam como fast
foods[5].
O processo está generalizado: globalmente predomina a estandardização. No
espaço europeu de educação superior já se admite que independe estudar em uma
universidade de Paris, Roma, Lisboa ou Atenas: os produtos oferecidos e
avaliados conforme determinados critérios são os mesmos e valem os mesmos
créditos. No Brasil, os intelectuais orgânicos do capital esforçam-se para que
nossas instituições de ensino funcionem da mesma maneira. Quando estão no MEC e
na Capes se esmeram para consolidar o nosso “complexo de vira-lata”[6]
por meio das Prova Brasil, SAEB, ENEM e DATACAPES.
Por
outro lado, e de forma processual, o capitalismo na atualidade está
centralizado no desenvolvimento das forças produtivas atreladas à globalização ou,
como Chesnais[7]
nos mostra, atreladas à mundialização do capital. É nesse processo de condução
do capitalismo contemporâneo, nos quais ocorre a chamada globalização[8] e
se desenvolve o capital-imperialismo, que inserimos o estado atual da educação
e a insurgência constante de greves de trabalhadores em educação. Além disso, os
indicativos relativos ao desenvolvimento da educação no Brasil, que pressionam
os trabalhadores e precarizam as condições de trabalho, podem ser vistos também
como subserviência às determinações mundiais para o desenvolvimento do país,
colocando-o no patamar de “país desenvolvido” economicamente e socialmente.
Noutra perspectiva, compreendemos
a educação de forma crítica ao quadro descrito, e do entendimento da
necessidade de sua universalização como serviço prioritário do Estado. No caso
do Ensino Superior, nós, professores do movimento grevista, defendemos, a
materialização da universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e
socialmente referenciada, mantida integralmente pelo Estado. Também defendemos
uma Universidade Necessária à sustentabilidade do atual e futuro desenvolvimento
brasileiro, da nossa Segurança Nacional (ver a invasão estrangeira na
Amazônia), da nossa produção científica e tecnológica com alto valor agregado.
A greve dos
trabalhadores docentes e funcionários técnico-administrativos das universidades
públicas, não apenas exige melhores salários e condições de trabalho; antes ela
exige que o Brasil seja independente e soberano no concerto das nações.
[1] Professor da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e membro do Comando Estadual Unificado de
Greve.
[2] Professor da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Programa de Pós-graduação em Políticas
Públicas e Formação Humana (PPFH)
[3] Sobre uma crítica à noção de
sociedade do conhecimento e a questão do mundo do trabalho, ver LESSA, Sérgio.
Trabalho e luta de classes na “sociedade do conhecimento. In: Jimenez, S.; Oliveira, J. L.; Santos, D. (Orgs) Marxismo,
Educação e Luta de Classes. UECE/IMO/SINTSEF, Fortaleza, 2008. Localizado em
[4] Sobre o conceito de
capital-imperialismo ver FONTES, Virginia. O Brasil e o capital-imperialismo:
teoria e história. Rio de Janeiro: EPSHV/Editora UFRJ, 2010. Em especial, ver o
Capítulo I: “Para pensar o capital-imperialismo contemporâneo de recursos
sociais de produção e expropriações”.
[5] Esse modelo não
é novo, e pode ser visualizado em GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação:
manual do usuário. In: SILVA, Tomaz Tadeu; GENTILI, Pablo (Orgs.). Escola S. A.: quem ganha e quem perde no
mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996.
[6]
Expressão usada pelo
Presidente Luis Inácio Lula da Silva para designar um possível complexo de inferioridade
brasileira diante da sociedade do Primeiro Mundo.
[7] CHESNAIS,
François. A Mundialização do Capital.
São Paulo: Xamã, 1996.
[8] Sobre a questão
da globalização e o conceito de capitalismo contemporâneo, ver COSTA, Edmilson.
A Globalização e o Capitalismo
Contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
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