O Colégio Eleitoral brasileiro tem um número de eleitores (156.454.011) maior que a população de
países como a França, Inglaterra, Espanha, Alemanha e muitos outros. Os números
dos nossos indicadores, quase sem exceção, não apenas mostram a grandiosidade
do Brasil, mas coloca os habitantes daqueles países no modo perplexidade. E, de
fato, não é para menos. Nesta eleição, os eleitores do Presidente Lula
(60.345.999) equivalem a toda a população da Itália. Os de seu concorrente,
somaram mais de 58 milhões.
Em termos quantitativos é este o quadro que se desenhou
neste segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Contudo, o que preocupa
a todos, com um mínimo de sensatez, é a qualidade dos 58 milhões de votos que
definem o bolsonarismo. Eles avalizam a morte de milhares de vítimas por
incúria e perversidade do governante, as queimadas e destruição dos grandes
biomas brasileiros, a redução antipática e inumana das políticas sociais, a
volta avassaladora da fome, a liquidação de direitos trabalhistas e sociais, a
violência contra homoafetivos, mulheres, negros, indígenas e quilombolas e até
o isolamento do país no concerto das nações. Os eleitores de Bolsonaro, além
disso, dificilmente titubeariam para restabelecer a ditadura militar, a
tortura, a suspensão do habeas corpus... a violência e a intolerância passaram
a ser a marca registrada deles. Sérgio Buarque de Hollanda ficaria ruborizado e
envergonhado ao ver o seu homem cordial mostrando as entranhas que ele jamais
poderia imaginar que camuflam a violência que herdou das práticas escravistas; da
incrível capacidade de fraudar, extorquir, subornar; submeter as populações
mais vulneráveis às suas sanhas de riqueza, poder e prestígio. O que une todos
estes homens brancos “cordiais”, por mais díspares e de origens sociais
diferentes, é, nos dizeres de Thompson
(1977), o “modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e
segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do “conjunto
de suas relações sociais”, com a cultura e as expectativas a elas transmitidas
e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural”.
O que faz do bolsonarismo uma massa ignara e bastante uniforme é a defesa que
os mais pobres dos seus integrantes – pouco importa que sejam negros, pobres,
homossexuais e mulheres ameaçadas de feminicídio – fazem do modo de vida da
elite. Todos se acham como seus integrantes. Como o personagem Caco Antibes, do
hilariante “Toma lá, dá cá”, eles também têm horror aos pobres e os contemplam
de apartamentos mal enjambrados do Jambalaya Ocean Drive.
A despeito das muitas teorias que podem explicar tal
fenômeno, entre todas é preciso atribuir à educação brasileira um grande grau
de responsabilidade para a sua existência, dada a crônica incapacidade de “educar
para afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da
sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a
preservação da natureza” (Brasil/BNCC,
2013), e cumprimento da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU)
para a construção de um mundo sustentável sem pobreza e sem comprometer a
qualidade de vida das próximas gerações. De certo modo, tal onda bolsonarista,
e não é descabido afirmar, é o preço que a oferta de educação de baixa
qualidade vem cobrando da sociedade. Como se não bastassem os prejuízos
econômicos e os atrasos que impõe à nossa competitividade internacional, a sua
hegemonia durante os últimos quatro anos fizeram o país recuar, nos dizeres da
principal liderança desta massa à Rádio Jornal, de Barretos (SP), seu principal
objetivo é que o “Brasil volte a ser igual 40, 50 anos atrás”.
Os principais cientistas brasileiros há muito vêm
denunciando a precariedade da educação oferecida às nossas crianças e jovens e
o impacto negativo que promove em nosso desenvolvimento. A quantidade de
estudos é impressionante, a maioria é baseada em dados empíricos. A própria
OCDE (Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), que aplica
regularmente os exames do PISA (Leitura, Matemática e Ciências) em estudantes
com 15 anos de idade, desde o primeiro exame realizado no ano 2000, vem se
mostrando preocupada com o baixo desempenho dos estudantes brasileiros. Na
ocasião, o desempenho deles ocupou a última posição entre os participantes. Em
vinte e dois anos de aplicação dos testes do PISA, as melhorias conseguidas
pelos nossos brasileirinhos são quase imperceptíveis e tendem a permanecer
distantes e abaixo da média de desempenho dos seus colegas de outros países
participantes.
Ao longo das últimas décadas, com os manuais do
neoliberalismo em punho, o Estado jogou para o mercado a seleção dos melhores,
condenando os demais a garantir as suas sobrevivências da maneira informal que
conseguissem, bem como a dormir sob as incertezas do tempo próximo aos pontos
em que montavam as suas bancas de vender desde pequenos ralos para pias à
última novidade vinda do Oriente. Os fracassados, bombardeados pela ideologia
da meritocracia, foram deixados à própria sorte e a buscar ajuda divina junto a
igrejas e pregadores inescrupulosos. Com o Movimento Escola Sem Partido, os
conservadores em geral, e os bolsonaristas em particular, se dispuseram a
varrer das escolas as disciplinas de História, Geografia, Sociologia e
Filosofia admitindo o elitismo estrutural da sociedade que tanto nega a
qualificação do estudante para o trabalho improdutivo quanto o alargamento de
sua compreensão de mundo. A ideia é que as escolas somente sejam aparelhadas
para instruir para o trabalho imediato, de preferência organizada em bases
militares.
Estamos perdendo décadas no oferecimento de educação pública
de qualidade referenciada socialmente. Nos anos 1990 o IPEA chamou muito
atenção para o fato de termos perdido a década de 1980. De lá para cá, pouco ou
nada se fez com resultados robustos. Nestas duas décadas do século XXI o que se
vê é estarrecedor. É cada vez maior as retrações de verbas, ausência de
preocupações sérias com a formação de professores e ataques à liberdade de
ensinar. A despeito da vigência das Bases Nacionais Curriculares Comuns, BNCC (2018),
em sã consciência é impossível afirmar que os nossos estudantes passaram a ser
capazes de “entender e explicar a realidade, colaborar com a sociedade e
continuar a aprender; investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular
e resolver problemas e criar soluções; fruir e participar de práticas
diversificadas da produção artístico-cultural; expressar-se e partilhar
informações, sentimentos, ideias, experiências e produzir sentidos que levem ao
entendimento mútuo; comunicar-se, acessar e produzir informações e
conhecimento, resolver problemas e exercer protagonismo de autoria; entender o
mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas à cidadania e ao seu projeto de
vida com liberdade, autonomia, criticidade e responsabilidade; formular, negociar
e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns com base em direitos
humanos, consciência socioambiental, consumo responsável e ética; cuidar da
saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções e a dos outros, com
autocrítica e capacidade para lidar com elas; fazer-se respeitar e promover o
respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da
diversidade, sem preconceito de qualquer natureza; tomar decisões com
princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e democráticos” (Educação
online)
Quem já teve a oportunidade de debater alguma ideia com
algum adulto ou jovem identificados com o bolsonarismo, que chamam o presidente
de “mito”, pode comprovar com facilidade o quão longe estão da aquisição das
competências da BNCC ou dos princípios e objetivos que norteiam e justificam a
nossa Lei de Diretrizes e Bases (LDB).
A vitória do Presidente Luis Inácio Lula da Silva nestas
eleições presidenciais é o renascer da esperança. Caberá ao seu ministro da
educação empreender uma cruzada contra o obscurantismo que alimenta a massa de
58.206.354 votos e estancar a produção de novos indivíduos dispostos a negar os
avanços da ciência, a acreditar que a Terra é plana e a preferir a Bíblia à
Constituição. Será este ministro o líder de uma cruzada de amor contra o
bolsonarismo e o obscurantismo educacional.
Publicado no Brasil 247 - https://www.brasil247.com/blog/uma-cruzada-nacional-de-amor-contra-o-bolsonarismo-e-o-obscurantismo-educacional
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