Vê-se que é uma vociferação apressada de um jovem economista, arauto da revista Veja e dos interesses da privataria em educação. Ele foi ligeiro no gatilho, sem prestar atenção à fala da diretora, que reproduzo na íntegra veiculada pelo JN:
Uma criança do 4° ano, aos 9 anos de idade, chega para a gente, infelizmente, não alfabetizado. A gente tem que fazer aquele preparo todinho de alfabetização e tentar colocá-lo no seu agrupamento o ideal para um aluno de 4° ano.
Uma outra análise desta fala da Diretora pode nos levar a outras reflexões que me parecem mais consistentes e que responsabilizam outros sujeitos. Vejamos. A Diretora diz que as crianças "chegam" sem alfabetização. Esta fala despercebida parece denunciar um perverso processo de entrada fora dos períodos regulamentares de matrículas ou, simplesmente, um processo de banimento de alunos de outras escolas em pleno ano letivo. Neste caso, a escola daquela Diretora, apesar de bem aparelhada, é levada a funcionar como um "depósito" de enjeitados.
Esta possibilidade, por mais absurda, não é descabida, eu mesmo já trabalhei numa escola que foi inaugurada somente com alunos e professores considerados "problemáticos" em outras escolas da mesma regional. Não é, portanto, incomum a existência "desligamentos" e transferências de alunos problemáticos e, como em idade escolar, por lei, não podem ficar perambulando pelas ruas, acabam indo parar numa escola que se vê obrigada a aceitar suas matrículas.
Ora, sendo assim torna-se necessário retirar o foco de responsabilização desta diretora e dos seus professores e deslocá-lo para as autoridades educacionais de Goiânia, questionando-as por que fazem vistas grossas a tal prática inaceitável de expurgo estudantil? A Diretora está fazendo o que pode, oferecendo aulas de reforço, fazendo "aquele preparo todinho de alfabetização" e tentando colocar os estudantes "no seu agrupamento ideal". Ela, há muito tempo, já deveria estar contando com a ajuda imediata da Secretaria de Educação local para elevar o IDEB da sua escola.
Com base na literatura mais recente que estuda o fracasso escolar (Arroyo e outros autores), a responsabilização por uma situação semelhante deve recair não sobre a Diretora ou os seus professores isoladamente, mas sobre os administradores educacionais do núcleo central. Ela, os seus professores, estudantes e famílias são grandes vítimas de descaso oficial, de políticas públicas inadequadas. É uma caso típico para o Ministério Público agir imediatamente, ainda mais quando há salas cheias e crianças em estado de indisciplina permanente.
O sr. Ioschpe "comeu mosca" em seus julgamentos a partir de observações muito superficiais e aligeiradas, possivelmente por não estar atualizado com a literatura educacional mais recente. Nos textos acadêmicos, até por volta de meados dos anos 1980, os alunos eram considerados os mais legítimos responsáveis pelos seus fracassos - havia, inclusive, as turmas para alunos AE (alunos excepcionais). Depois, entre os anos 1980 e 1990, as conclusões apontaram os professores como os grandes culpados pelo fracasso escolar. A frase característica deste tempo era esta: "os professores fingiam que ensinam e os alunos fingem que aprendem". Somente dos anos 1990 para cá é que a literatura começou a destacar crônicos problemas estruturais e o descaso das autoridades públicas com os sistemas educacionais das suas áreas de competências.
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