FD - Como
funciona a participação do capital estrangeiro na educação? Essa participação é
positiva?
ZG – Nos últimos anos tem sido grande a entrada de capital
estrangeiro para gerir escolas de ensino básico e ensino superior. Já está
ficando longe o tempo no qual as escolas privadas eram fundadas por indivíduos
ou grupos familiares que pensavam a educação com um bem social. Hoje tende a
haver determinados grupos econômicos, pessoas jurídicas, com denominações
brasileiras, com uma composição de capital que engloba pessoas e fundos
estrangeiros de ações comprando e fundando novas escolas onde há mercado
educacional com alto potencial de lucro. Como sociedades abertas captam
recursos nas bolsas de valores de São Paulo, Nova Iorque e de outras praças .
Um destes grupos que atua no Brasil, praticamente sem controle, tem receitas
geradas por 325.599 estudantes de graduação (305.378) e pós-graduação (20.221).
Sua meta para 2012.2 é de aumentar em 20% este total. Na educação básica, o
mesmo grupo tem receitas provenientes dos pagamentos de mensalidades de 289 mil
alunos e de gastos com educação de três municípios. Nestes municípios ele controla
todo o ensino fundamental, incluindo recursos pedagógicos e didáticos. Obviamente
os secretários de educação são homens/mulheres de confiança do grupo.
Assim, sem dúvida é muito positivo para os acionistas do grupo.
A rentabilidade que o grupo apresenta permite-lhe emitir debêntures num
montante de $ 550 milhões de reais com vencimento em sete anos.
Empresarialmente falando o que interessa primordialmente aos seus acionistas é
a capacidade do grupo de gerar lucro, ganhos de capital. Os seus grandes,
médios e pequenos acionistas estão pouco interessados no tipo de cidadão que se
está formando, para qual sociedade.
A negatividade mais visível da entrada descontrolada de capital
no setor educacional brasileiro está ai. Como podemos pensar um projeto de
sociedade para o Brasil, com base em nossos valores e em nossa cultura se os
futuros cidadãos estão sendo formados com base na lucratividade que são capazes
de gerar para os fundos de ações? Qual o caráter do futuro cidadão brasileiro
que os acionistas anônimos pretendem formar? Por acaso teriam alguma
preocupação com a formação de nossa cidadania?
A sequência desta linha de raciocínio nos leva a pensar em nossa
própria segurança nacional. Que homens/mulheres cuidarão da nossa própria segurança?
Que possibilidade temos de garantir a nossa soberania não apenas em termos territoriais,
mas também em termos de produção independente de conhecimentos indispensáveis à
nossa indústria alimentar, farmacêutica, aeroespacial, medicinal, habitacional
etc.?
FD - Essa participação pode contribuir para melhorar o trabalho das instituições brasileiras de ensino?
ZG - É difícil
acreditar que esta participação possa estar interessada na melhoria das
instituições brasileiras de ensino em todas as suas dimensões. Há razões
históricas para esta descrença. Se tomarmos como exemplo o que já acorreu no
setor automobilístico ou mesmo no da informática, podemos ver que a entrada de
capital estrangeiro matou no berço a indústria nacional de automóveis e de
computadores. Não desenvolvemos o automóvel brasileiro, nem foi adiante o
Projeto COBRA que prometia o nosso computador. Sequer fomos capazes de garantir
reservas de mercado para ambos os produtos nacionais. A finalidade dos capitais
que se realizam aqui é a de se concentrarem nos seus locais de origem.
FD. No
setor público existe muita reclamação da falta de recursos, esse capital seria
uma saída para esta situação?
ZG. Este capital
somente poderia ser compreendido como saída para a falta de recursos no setor
público se viesse a contribuir para a formação de um fundo público de melhoria
da qualidade das escolas e cobertura nacional do atendimento à educação de
qualidade referenciada socialmente. O governo poderia taxar progressivamente
estes grupos e fortunas ligadas à educação para constituir esse fundo. Em minha
opinião, deve sempre prevalecer a consideração de que a educação é um direito
social a ser garantido pelo Estado, em sua integralidade.
FD. É
hora de o Brasil abrir mais ou menos espaço para esse capital? Por quê?
ZG. Volto a dizer: a
sociedade precisa insistir que a educação é um direito social a ser garantido
pelo Estado. Enquanto não se constitui um grande fundo público com este capital
para a melhoria da Educação e atendimento de toda a população, sua entrada e os
seus movimentos no âmbito da educação, de todos os níveis e modalidades,
precisam ser intensamente regulados com muita seriedade. No âmbito da educação
a distância e das pós-graduações latu senso, por exemplo, é preciso que se
criem formas de regulação com muita rapidez porque estão praticamente abertas
às mais variadas formas de oferecimento, facilitando largamente a rentabilidade
dos investimentos e configurando um autêntico derrame de diplomas com pouco ou
nenhum valor agregado.
FD. Os
investimentos de grupos estrangeiros na educação podem afetar os interesses do
país?
ZG. Claro que sim. Se o
que está sendo chamado de Sociedade do Conhecimento se materializar, haverá em
consequência uma Economia do Conhecimento e, desde já, devemos nos perguntar
como e qual será a inserção do Brasil em ambas. Será produtor e vendedor de
conhecimentos ou um grande comprador? Se for como comprador deverá ser a
galinha dos ovos de ouro do capital, isto é, um eficiente transferidor da
riqueza que se realiza aqui para outros lugares, para fruição de quem não a
produz.
FD. A área de Educação, por ser estratégica, deveria ser blindada ao capital de grupos internacionais?
ZG. O atendimento aos direitos sociais –
saúde, educação, transporte, habitação, saneamento, segurança etc., deveria ser
de exclusividade do Estado. Hoje estamos na contramão desta possível realidade.
Mas embora seja contrário a esta privatização não advogo uma blindagem radical
à entrada do capital estrangeiro no campo educacional, o que advogo é sua regulamentação,
bem como de todo o seu processo de
reprodução e acumulação. Penso ser preciso comprometer o capital com o social,
com a sua promoção, e não o contrário. Quando a sociedade está a serviço da
realização do capital ele a submete selvagemente aos seus objetivos de
reprodução e acumulação. Por que então não criar regras rigorosas que levem o
setor educacional privado a transferir parte dos seus lucros para o
desenvolvimento qualitativo do setor educacional público sem, no entanto, lhe impor
formas de subordinação? Por que não regulá-lo de forma a favorecer o
desenvolvimento de projetos estratégicos para a sociedade brasileira e o que
está inscrito em nossa Constituição: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político e religioso?
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