Em artigo publicado na revista Carta Capital, edição
de 05 de Setembro, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo,
nos dá uma importante lição em seu texto “Escola e cidadania”. Duas das suas contribuições
são imediatas. Primeiro marca bem as
diferenças entre duas estirpes de economistas brasileiros. Em seguida coloca em
evidência o que está sendo feito no campo da educação para a formação de nossas
crianças e jovens, futuros cidadãos. Sua importância, contudo, não se restringe
apenas a estas contribuições; leva-nos a refletir criticamente e a superar as
nossas próprias inculcações alienantes.
Quanto aos economistas, são estas as diferenças existentes. Um grande
grupo que pensa a educação como fator de “crescimento acelerado da produtividade
da mão de obra, aquisição de vantagens comparativas dinâmicas e melhor
distribuição de renda” e não se cansa de exaltar os resultados obtidos pelo
Japão, Coreia, Taiwan e China. Os seus componentes, porém, omitem as condições
em que são obtidos tais resultados. Deixam, por exemplo, de trazer à luz as
taxas de suicídio entre estudantes japoneses e coreanos, as condições de oferta
de ensino e os sacrifícios que as famílias destes países se impõem para que os seus
filhos honrem as suas tradições familiares. Há diversas famílias na China e no
Japão que gastam as suas economias com aulas de apoio, cursos extras e etc.
para que não seus filhos não sejam excluídos do sistema escolar.
À propósito
hoje, o jornal O Globo em sua edição online (6/9/2012) estampou as condições de
oferta de ensino na China com duas fotos produzidas pelo jornal The Sun. As
imagens são estarrecedoras e além de valer por mil palavras, revelam os “sentimentos
humanitários” dos economistas deste primeiro grupo.
Um porta-voz desta escola
chinesa, extremamente ideologizado por economistas desta mesma estirpe, diz que
as crianças não têm tempo de irem para casa e que falta espaço para um local adequado
de repouso. Com uma grande dose de cinismo afirma que “estão perfeitamente
confortáveis” e que “não tem como se atrasarem para a aula seguinte”.
Infelizmente entre os
nossos policies makers da área
educacional, parece predominar os economistas deste tipo de humanitarismo. Aqueles
que não se importam com condições de oferta de ensino semelhantes às da China para
as nossas crianças e jovens, desde que futuramente se tornem mão de obra mais
produtiva, produzam ganhos comparativos e contribuam para melhorar a
distribuição de renda. Eles são os que somente pensam nos fins e pouco se
importam com os meios.
O outro grupo de
economistas é de outra cepa, bem diferente, e é uma pena que esteja fora da
condução dos rumos de nosso sistema educacional, de todas as suas modalidades e
níveis. Para estes economistas, entre os quais Belluzzo se inscreve, a educação
das nossas crianças e jovens deve se situar no patamar iluminista-republicano,
no qual tem grande importância para a formação da cidadania, autonomia e capacidade
de compreensão do indivíduo como “titular de direitos e fonte do poder
republicano”. Outro modo de compreender a educação e os seus valores resultaria
em completo abastardamento.
Na aula que nos dá em seu artigo, Belluzzo ainda
nos demonstra também que a educação, sem negar-lhe a importância na
qualificação técnica da mão de obra, como propulsora de emprego e distribuição
de renda somente é capaz de oferecer sua contribuição num contexto de
prosperidade. Quando há processos de desindustrialização, reestruturação de
empresas gerando desemprego estrutural, crise fiscal e ineficiência dos gastos
públicos, a educação pouco tem a oferecer, ela “naufraga como força propulsora
do emprego e da distribuição de renda”. Os exemplos práticos que evoca são indiscutíveis.
De nada vale ser “empregável”, isto é ter currículo e perfil para dado posto de
trabalho, numa situação de crise econômica
como a que vivem a Europa e os Estados Unidos quando se liquidam e informatizam
postos de trabalho. Em outras palavras, não é a educação que gera empregos, mas
sim o desenvolvimento econômico. Na Inglaterra do século XVIII, foi a Revolução
Industrial que demandou a criação do sistema escolar para oferecer a educação
que a burguesia tinha necessidade. O Milagre Japonês, do período pós-Segunda
Guerra, com muito investimento americano, pode ser outro exemplo: ele ao mesmo
tempo compreende a reforma educacional e a rápida industrialização do país,
cabendo à educação atender às demandas mais imediatas da economia em acelerado
desenvolvimento.
Belluzzo responsabiliza a educação com matrizes oriundas
Teoria do Capital Humano e da doutrina neoliberal pela formação de “um exército
de subjetividades mutiladas, qualificadas sim, mas incapazes de compreender o
mundo em que vivem”. É uma educação referenciada a competências e habilidades
pauta pela razão técnica imediata que se presta eficientemente para “a
pauperização das mentalidades e o massacre da capacidade crítica”. Também culpa
a mídia pela “automação psíquica” dos indivíduos, que os tornam seres de “reações
imediatas, simplificadoras e simplistas”, incapazes de superar o falso conflito
entre o bem e o mal e as diversas formas de manipulação. Com igual ênfase termina
seu artigo denunciando o atual massacre educacional e midiático às formas de
pensar, contestar e desenvolver a razão crítica. Para ele, está em curso a produção de indivíduos
mutilados, homens massa, tipos ideais para as formas de exploração que o
capitalismo exige hoje em dia unicamente
para a sua própria realização.
O artigo “Escola e cidadania” é, portanto, imperdível
para todos aqueles que estão na luta por uma educação pública, gratuita, laica,
garantida e financiada pelo Estado, e de qualidade referenciada socialmente. E
não basta apenas lê-lo. É imprescindível a sua maior divulgação.
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