22.1.08

Uma derrota educacional anunciada

Em matéria assinada por Josie Jerônimo, veiculada na edição do dia 21/1/2008, do Jornal “O Dia Online”, ficamos sabendo que os docentes aprovados em concurso realizado ontem, dia 20 de janeiro, estarão assumindo turmas no dia 18 de fevereiro. O resultado do concurso sai no 13 e cinco dias depois já serão regentes de turma!

O Secretário Estadual de Educação quer contar com estes professores no dia 18, mesmo sem terem sido submetidos a exames médicos, diz-nos a jornalista.

À primeira vista, é louvável o empenho do Sr. Secretário. Face ao déficit existente, sua atitude é, de fato, de se elogiar. Mas, se nos detemos um pouco que seja, começamos a entender que é o mesmo que mandar uma tropa para o Haiti, Iraque ou para a Faixa de Gaza tão logo os recrutas estejam engajados. Se há disposição para se engajar, supõe-se que uma vez fardados saibam o que fazer no campo de batalha.

Não há treinamento prévio, nada. Talvez nem saibam atirar ou identificar seus objetivos. Continuando com a metáfora bélica, nossos “soldados” da educação estão indo enfrentar as tensões existentes nos campi escolares sem sequer conhecer os cinco fatores fundamentais para a vitória, enunciados pelo Mestre Sun Tzu no seu clássico manual, “A Arte da Guerra”, publicado há 25 séculos atrás.

E quais são estes fatores?

O primeiro fator é a influência moral, isto é a harmonia que deve existir entre povo (professores recém-concursados) e dirigentes. Se os professores não são tratados com benevolência, retidão e confiança, é impossível que trabalhem unidos, satisfeitos e obedientes aos seus líderes.

O segundo fator é o clima, aqui entendido como ambiente escolar. As ações educativas que os futuros docentes desempenharão a partir do dia 18 de fevereiro estão em conformidade os climas das diferentes escolares da rede pública?

O terceiro fator é o terreno, ou seja, as distâncias, as facilidades e dificuldades de acesso, se a comunidade é violenta ou não etc. O próprio Secretário já anunciou que a maioria será alocada em São Gonçalo e na Baixada Fluminense, sem se importar se o docente conhece o seu futuro local de trabalho, que relação vai estabelecer com a cultura local etc. É como se cada professor fosse um “soldado universal”, destes de filmes americanos que podem lutar em quaisquer lugares deste planeta e de outros.

O quarto fator tem a ver com os atributos do general/secretário quanto à sua sabedoria, sinceridade, humanidade, coragem e exigência. E quanto a este fator há diversos problemas imediatos relacionados com sinceridade, humanidade e exigência. De imediato, não parece haver boa fé nesta ação apressada de suprir o déficit de professores no Estado do Rio de Janeiro e o seu resultado deverá ser a descrença docente nas promessas, recompensas e até nos castigos. O mesmo também parece acontecer em relação à humanidade do Sr. Secretário para com os outros. É provável que não goste dos professores, não saiba apreciar-lhes o engenho e esforço. Mas, felizmente os professores não são bobos e logo terão certeza da furada em que se meteram por escassos R$ 562,28, sem vales transporte, refeição etc; seus dirigentes, explicitamente, parecem não lhes ter amor ou respeito. E daí vem o seguinte problema: como exigir disciplina, deferência e obediência destes professores lançados à própria sorte nos diferentes confins onde foram alocados?

O quinto fator é a doutrina, quer dizer a organização pedagógica destes professores, o controle dos seus afazeres, o posicionamento correto deles nas escolas (será que todos já podem assumir turmas?), o provimento de instruções e treinamento, e o fornecimento de materiais pedagógicos e demais equipamentos necessários. Cada professor, coitado, vai como pode, lutar com as "armas" que tem!

O Mestre Sun Tzu, diz-nos que os generais que não dominam estes cinco temas são os perdedores, porque são incapazes de elaborar um plano. Seus oficiais no campo de batalha ficam despreparados, preocupados, hesitantes e indisciplinados. O general sequer sabe que o verdadeiro objetivo da guerra é a paz. No nosso caso, é a educação de qualidade, com alunos que aprendem os saberes construídos historicamente e os repassam com novas mediações para as gerações futuras.

Ora, assim nem é preciso ter dons de píton; é possível a qualquer humilde mortal prever para breve muitas exonerações, transferências, licenças de saúde e simples abandono de trabalho. É uma derrota anunciada... não obstante a coragem e a bravura dos nossos queridos colegas professores.

Um comentário:

Anônimo disse...

Zacarias, muito bom o paralelo entre a Arte da Guerra e o encaminhamento para as salas de aula. Infelizmente raros são os secretáerios que algum dia foram professres. Já ouvi falar de um que passou tão rápido pelos bancos escolares que mal conseguia ler e entender um processo.
Hugo Pinheiro

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