Autores marxistas como Louis Althusser e Antonio Gramsci,
embora com formulações distintas, convergem para uma compreensão semelhante: a
escola integra um conjunto de aparelhos ideológicos que moldam subjetividades e
reproduzem — ou contestam — as relações sociais de produção. Assim, a educação
não constitui um agente autônomo de transformação, mas um componente de um
sistema social mais amplo.
O objetivo desta postagem é examinar esses limites da escola
como instituição isolada e analisar por que a transformação social exige,
necessariamente, a articulação entre condições materiais, estruturas
produtivas, instituições políticas e processos culturais. Somente alguém em
estágio de absoluta ignorância ou sob efeito de alguma substância alucinógena poderia considerar a má qualidade educacional de dada sociedade um projeto político e intencional das elites.
Educar é um processo social ampliado
A noção de que a educação de uma criança é responsabilidade
coletiva não é metafórica. Ela reflete práticas concretas de cuidado
compartilhado, aprendizagem por observação, transmissão simbólica e divisão
comunitária de funções sociais. Antropologicamente, a educação sempre foi um
fenômeno distribuído entre diversos agentes sociais: família, pares, grupos
etários, atividades produtivas e, mais recentemente, instituições formais.
A partir da modernidade, a escolarização formalizou apenas
uma parte desse processo. Elementos como mídia, redes sociais, condições de
moradia, estabilidade econômica, alimentação, saúde pública e até a
materialidade urbana passaram a atuar como coautores na construção das
subjetividades e competências.
Dessa perspectiva, torna-se evidente que atribuir à escola a
responsabilidade exclusiva por transformar uma sociedade corresponde a uma
redução analítica e a um equívoco político.
A escola como aparelho ideológico: Althusser e Gramsci
A leitura de Louis Althusser sustenta que a escola é o
principal aparelho ideológico do Estado na sociedade capitalista. Ao socializar
indivíduos nos valores dominantes, ela contribui para a reprodução das relações
de produção ao formar trabalhadores dóceis, aptos e conformados ao modo de
produção vigente. Gramsci, por sua vez, diferente de Althusser, embora
reconheça a função reprodutora da escola, concebe-a escola um espaço dialético.
Ela pode servir à hegemonia burguesa, mas também pode nutrir projetos
contra-hegemônicos ao promover pensamento crítico e organização intelectual
coletiva. A instituição escolar, portanto, não é unívoca, mas campo de disputa.
Essa convergência entre tradições comunitárias africanas e
perspectivas marxistas põe em evidência que a educação, isolada, é
estruturalmente incapaz de alterar sozinha as bases materiais que sustentam
qualquer ordem social.
Educação e condições materiais de existência
A crença de que a educação pode, por si só, “salvar” uma
sociedade parte de uma lógica voluntarista desconectada das dinâmicas
materiais. Embora a educação produza qualificações, ela não cria empregos, pois
estes dependem da estrutura produtiva, dos investimentos e da capacidade
tecnológica de uma economia. Da mesma forma, a escola e a educação não alteram,
autonomamente, a distribuição de renda ou terra, processos que exigem ação
política, reforma institucional e disputa econômica.
Por mais qualificados que sejam os professores de uma escola,
a aprendizagem significativa torna-se impossível para crianças expostas à fome,
insegurança habitacional, doenças ou violência. A escola, portanto, é
diretamente condicionada por determinantes extrapedagógicos. Esses limites da
escola decorrem da interdependência entre os aparelhos ideológicos e os
aparelhos repressivos do Estado, bem como entre o sistema educacional e as
condições materiais mais amplas da vida social.
A Revolução Industrial e o mito do papel exclusivo da
educação
A análise histórica da Revolução Industrial europeia ilustra
de forma clara a insuficiência da educação como motor autônomo de
desenvolvimento. Inglaterra e Alemanha possuíam, já no período pré-industrial,
taxas de alfabetização entre 60% e 70%, motivadas em grande parte pela leitura
religiosa individualizada. O salto qualitativo do século XVIII e XIX resultou
não da escolarização isolada, mas de um conjunto de transformações articuladas:
- inovação
tecnológica e mecanização produtiva;
- aumento
da segurança alimentar;
- ampliação
do emprego industrial;
- crescimento
e redistribuição parcial da riqueza;
- melhorias
em saúde, saneamento e urbanização;
- fortalecimento
institucional e consolidação de mecanismos de controle social;
- expansão
de livros, jornais e revistas, com pluralidade de visões de mundo;
- relativa
estabilidade familiar e comunitária.
A educação formal participou desse processo, mas não o protagonizou isoladamente.
Conclusão
Esta postagem quer demonstrar que a escola, embora
necessária, é estruturalmente insuficiente para transformar uma sociedade por
si só. A emancipação social depende de uma configuração ampla de instituições,
condições materiais de existência, dinâmica produtiva, estabilidade econômica e
estruturas simbólicas. A educação escolar só adquire potencial transformador
quando integrada a processos históricos mais vastos, capazes de alterar tanto
as bases materiais quanto as formas ideológicas de reprodução social.
Dessa forma, não há fundamento empírico ou teórico para
atribuir à escola o papel de agente isolado de salvação social. A mudança
estrutural exige reformas econômicas, políticas, tecnológicas e culturais que
ultrapassam a esfera educacional.
Referências
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado.
Rio de Janeiro: Graal, 1985.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, vários volumes.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São
Paulo: Boitempo, 2008.
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 2011.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1982.
ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Petrópolis: Vozes, 1970.

Um comentário:
Luiz Sombra
A sociedade é muito mais forte do que a escola. Educa e forma muito mais do que as instituições escolares. Estamos perdendo de goleada. O improviso comanda a vida nas ruas e becos. A escola não consegue lutar contra isso, depois de décadas de desprestígio e achatamentos de todo o tipo. Salarial, principalmente.
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