17.5.08

A retórica do Senhor Ioschpe

O Senhor Gustavo Ioschpe, colunista da Revista Veja, formado magna cum laude pela University of Pennsylvania, Mestre em Desenvolvimento Econômico e Economia Internacional pela Yale University, consultor de projeto do Banco Mundial/PNUD para o MEC desde 2005, tem uma retórica deveras lancinante. Na edição da Revista Veja, do dia 14 de maio de 2008, usou-a para desancar alguns verborrágicos "pesquisadores” (aspeado por ele), tais como Emir Sader, Lucyelle Cristina Pasqualotto e Amelia Hamze, acusando-os de “associar o nosso fracasso educacional com as maquinações do sistema capitalista/neoliberal”.

Não me cabe aqui a defesa dos citados, até porque são capazes de defenderem-se melhor e por si mesmos. Tampouco pretendo bater boca com quem tem sobrenome de banco de investimentos e pode ser um belo rebento de portentosa família de sangue nobre. Muito modestamente pretendo tão somente chamar a atenção de meus poucos leitores, outros bloggers com certeza, para alguns pontos que precisam ser abordados a bem da verdade. E começo pelo sentido do termo “retórica”.

Gustavo de Britto Freire Pacheco, em seu artigo Retórica e Nova Retórica: A Tradição Grega e a Teoria da Argumentação de Chaim Perelman (disponível no site: http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito), ao comparar as diferentes definições do termo coloca em evidência os seus traços comuns desde a antiguidade grega e será de grande valia para nossos objetivos. O que primeiramente nos mostra é o caráter de persuasão da retórica por meio de discurso, sem recorrer a dados empíricos ou à violência; apenas usando a habilidade argumentativa. Em seguida vem a despreocupação e o descompromisso da retórica e, portanto, dos retóricos com a verdade. E para não cansar os meus próprios leitores, vale trazer à luz o último dos traços levantados por Pacheco:

A retórica não se limita a transmitir noções neutras e assépticas, mas tem sempre em vista um determinado comportamento concreto resultante da persuasão por ela exercida, já que se propõe a modificar não só as convicções, mas também as atitudes.

A mais simples consideração do termo retórica já delimita o espaço que o Senhor Ioschpe ocupa no debate sobre as mazelas da educação no Brasil. É um lugar distante das observações empíricas, aonde sequer parece haver fotografias de uma das muitas salas de aula brasileiras, daquelas que constituem nosso padrão de qualidade. Se houvesse ao menos uma, o Sr. Ioschpe veria o contraste com a sala de aula coreana estampada. Dados publicados em 1994, por seu colega Cláudio Moura Castro, igualmente consultor do Banco Mundial desde 1992 e colunista da mesma revista, poderiam levá-lo a descer de seu palanque retórico e talvez a aceitar que a “verborragia” de alguns pesquisadores está ao lado da justiça, igualdade, democracia e outros valores de igual importância. Não fazem eles o simples jogo de contraposição das reflexões marxistas a elementos do processo sociometabólico do capital. Eles antes são honestos e demonstram os seus compromissos com as classes populares e oprimidas e com o tipo de sociedade que queremos.

Eis algumas contribuições de Moura Castro (Educação Brasileira: consertos e remendos, Rocco, 1994):

27% das nossas escolas não têm água corrente, nem poço e nem nascente (48% no Nordeste) apenas metade das escolas tem banheiro dentro do prédio e um quarto não tem de espécie alguma. Metade tem luz elétrica e apenas 27% tem bom estado de conservação. Em um quarto das escolas, sequer há uma mesa para a professora (34% no Nordeste). 35% das cadeiras estão em mal estado (o que vem a ser uma escola onde a maioria sequer tem bancos e mesas?). Das salas de aulas visitadas, 75% não tinham um mapa pendurado na parede. 72% não tinham nenhum equipamento pedagógico além do quadro de giz.

Vamos frisar bem: nada do que está transcrito acima foi retirado de um livro de qualquer pesquisador marxista ou inscrito em qualquer partido de esquerda. Todas as letras foram escritas por Moura Castro, embasadas em observações de campo com indiscutível comprovação quantitativa. Ele, como o seu colega da Revista Veja, é graduado em Economia, também tem Mestrado pela Universidade de Yale, e é doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt. Durante anos ensinou na PUC/Rio, Fundação Getúlio Vargas, Universidade de Chicago, Universidade de Brasília, Universidade de Genebra e Universidade da Borgonha. É, portanto, um autor que não “se confunde com qualquer operação matemática ou estatística que requeira sofisticação maior do que calcular o troco do táxi” e tem coragem de encerrar seu livro atribuindo aos falastrões o desastre da educação brasileira.

E quem são estes falastrões? Eu particularmente penso que são aqueles que falam de educação sem dominar o assunto, sem conhecer o estado real de nosso sistema educacional, da educação infantil à educação superior. São arautos de determinados grupos ou grupelhos muito interessados na rentabilidade das bolsas, no ganho do capital especulativo, no alinhamento do país aos centros hegemônicos do capital sem medir as conseqüências para a maioria da população brasileira.

Mas, para não citar apenas Moura Castro, eis alguns problemas que a PNAD 2005 do IBGE nos mostra: falta de energia elétrica, de biblioteca, de quadra de esporte e até de sala de aula para acomodar alunos de séries diferentes. É o mesmo IBGE que nos mostra a indigência dos nossos alunos e escolas, não apenas por nossa causa - os seus professores. As causas devem ser antes ser buscadas nas estruturas reprodutoras dos grupos financistas, clientelistas, patrimonialistas, eleitoreiros, demagógicos e outros de igual índole, todos porém comprometidos com o sistema de capital.
Lamentável é que diante do quadro desolador de nosso sistema escolar, em muito aspecto comparável ao dos países mais pobres da África, América Latina e do Oriente, nossas políticas públicas para a educação desprezam o real, são feitas em gabinetes refrigerados e, quase geralmente, vêm de cima para baixo. O MEC, por exemplo, em recente declaração de seu Ministro, ao invés de atender primeiro as necessidades mais básicas, vem deleteriamente, com arroubos que beneficiam de imediato o mercado de produtos informáticos, propor ações de instalação de laboratórios de informática nas escolas públicas de 5ª a 8ª séries, num primeiro momento, e depois de 1ª a 4ª. Segundo o MEC governo planeja ainda levar computadores com acesso a internet para as escolas da área rural (Agência Brasil. Disponível no site www.agenciabrasil.gov.br/ Última modificação em 7 de Abril de 2007 - 16h02). Não importa se as escolas tenham luz ou não.

Mas voltemos à retórica do Senhor Ioschpe para definitivamente ressaltar o desserviço que ela presta à educação brasileira, inclusive porque sequer aponta caminhos de superação da “anotomia do desastre” feita pelo próprio Moura Castro. Ideologicamente ela se presta a pregar a cizânia talvez esperando que os mais incautos abandonem as prédicas daqueles que estão comprometidos com a distribuição da riqueza nacional, igualdade de direitos e condições, equidade etc. Alinha-se o Senhor Ioschpe aos falastrões mais preocupados com o lustro comprado no estrangeiro, àqueles com posições na mídia para angariar clientelas desvairadas como trampolim para algum posto iluminado por spots da Daslu.

Senhor Ioschpe, faço-lhe um convite ao: quando quiser conhecer escolas e um pouco da realidade educacional brasileira, posso prazerosamente acompanhá-lo, e nem precisaremos sair da cidade do Rio de Janeiro, a capital cultural do Brasil.

Um comentário:

Filho da Paz disse...

Fala Zacarias! O meu primeiro sentimento em relação a este texto é de extrema indignação. O sr Ioschpe não estudou no Brasil e quer ditar a reflexão academica dentro de nossos espaços...Outro ponto é que está tudo muito bem para quem já nasceu em "berço de ouro" a história se mostra diferente para milhões de brasileiros que precisam sobreviver neste mundo globalizado de alta competitividade. Sua retorica foi de extrema cordialidade! Abrs...

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