8.1.11

Parceria público-privada na educação: a serviço da acumulação capitalista ou da sociedade?


Neste jornal, Folha Dirigida, em sua edição de 7 a 13 de dezembro, seção Opinião, na matéria escrita pela jornalista Ana Paula Pinto, as parcerias público-privadas (PPP) dividiram opiniões. De um lado posicionaram-se os neoconservadores mais ou menos empedernidos que defendem a positividade de tais parcerias, ainda que reivindicando a “participação dos parceiros na definição das propostas pedagógicas”, e alertando para as “várias evidências de degradação” existentes na rede de escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro. Minha posição foi contrária a estes interesses, entre os quais os do atual Secretário de Educação, Wilson Risolia, porque argumento objetivamente que elas não podem “contribuir para a melhoria da qualidade da educação no setor” e, sobretudo, porque, concretamente “significam um saque nas verbas públicas para educação”.

Esta discussão, entretanto, não é simples e tampouco pode ser abordada em sua superficialidade e em espaço tão restrito. "Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia”, como diria Hamlet. Por esta razão precisa ser situada historicamente como tendência crescente nos limites do ajuste neoconservador do Estado e dos atuais processos de acumulação capitalista.

Assim, não por acaso, hoje em dia os processos educativos institucionalizados tendem a ser ferrenhamente disputados por uma “nova burguesia de serviços” – que se materializa por meio das grandes fundações, institutos e dos grandes grupos e redes de estabelecimentos privados de ensino – que os compreende como um tesouro intocado ou como um “tesouro a descobrir” conforme prefere Jacques Delors em seu relatório para a Unesco. O volume de capital que movimentam mundialmente é da ordem de milhões de dólares.

Atualmente as disposições de transferir verbas públicas para a iniciativa privada deixam esta burguesia excitada. Em primeiro lugar, porque se forjou no imaginário social a idéia de incompetência do Estado para gerir a coisa pública em meio à crise do modelo de acumulação capitalista evidenciada nos anos 1970-1980; em segundo, a partir de quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) criou condições para que os serviços, em especial os de inovação tecnológica e de educação, passassem das mãos do setor público para o setor privado, incluindo aí a probabilidade de que possam ser internacionalizados. Nossa “nova burguesia de serviços”, tão ávida, sequer se importa com a perspectiva real de expansão de multinacionais no setor de educação brasileira, ainda que isto possa ser pautado pelos valores culturais da sociedade onde tem sua matriz.

No Brasil, a Constituição Federal e diversas leis complementares (Leis nº 8.666/1993; nº 8.987/1995; nº 9.074/1995; e nº 11.079/ 2004) vêm instituindo as formas de objetivar estas disposições, isto é, de passar às mãos do setor privado os serviços que deveriam ser de exclusividade do Estado, excluindo apenas os de radiodifusão sonora e de sons e imagens. O artigo 175 da Constituição é claro a respeito: o Poder Público pode conceder ou permitir, por meio de licitação, que empresas privadas prestem serviços públicos. Todavia, é interessante observar que na formalização de uma PPP os contratos não podem ser inferiores a 20 milhões de reais.

A “nova burguesia de serviços”, então, refestela-se antecipadamente diante da possibilidade real de abocanhar opíparas fatias das verbas públicas destinadas à educação. Ideologicamente ergue altares ao “deus mercado”, ao mesmo tempo em que desconstrói a idéia de um Estado capaz de bem gerir a coisa pública e de estancar a virulência selvagem e imoral dos seus processos de acumulação capitalista.

Está porém enganada, assim como os seus intelectuais. Nos Estados Unidos a entrada da iniciativa privada no ramo da educação pública, aceleradamente a partir da era Bush, não vem se traduzindo em sucesso; em bom português: tem sido um fiasco preocupante. Dois fatos podem sustentar esta afirmação. O primeiro diz respeito ao desempenho dos estudantes americanos no PISA 2009 (Programme for International Student Assessment): eles apenas atingiram o 26º lugar entre 85 países avaliados, com a média 496, bem abaixo da China (Shangai) cuja média 577 garantiu-lhe o 1º lugar no ranking mundial. O segundo tem a ver com a expansão das “charter schools”, isto é, das escolas financiadas com dinheiro público e administradas por um grupo particular de pessoas que promete a melhoria significativa da qualidade educativa dentro de um período que vai de 3 a 5 anos. Para Diane Ravitch (pesquisadora em Ciências da Educação da New York University), em matéria publicada no jornal Le Monde Diplomatique Brasil, edição de 01/10/2010, estas escolas dão materialidade “ao velho sonho dos homens de negócios da educação e dos partidários do mercado total, que aspiram ao desmonte do sistema público” mas não se traduzem em êxito como era de esperar. Em sua avaliação “o nível dessas escolas é desigual; algumas são excelentes e outras são catastróficas. A maioria fica entre esses dois extremos”

A alternativa das parcerias público-privadas, tão encantadora àqueles que desenvolvem formas de dilapidar os fundos públicos para a educação pública, concretamente, não se constitui, entretanto, como sendo capaz de garantir a qualidade educacional que desejamos. Aliás, a rigor, não precisamos dela nos termos em que vem se estruturando. Mesmo sem a sua presença a educação brasileira já conseguiu evoluir 33 pontos entre os exames do Pisa de 2000 e 2009 e nossa rede federal de educação básica, no PISA 2009, chegou a atingir a média 528, situando-se acima de Singapura, Canadá, Novas Zelândia, Holanda, Noruega e Suíça.

A lição que o desempenho da rede federal de educação básica nos ensina contém dois itens importantes e indispensáveis à obtenção de bons desempenhos, sem que seja sequer preciso pensar na imediata federalização das redes públicas brasileiras. O primeiro item sobressalta a importância de um corpo docente de 40 horas com dedicação exclusiva, e o segundo, que educação levada a sério com bibliotecas atualizadas, laboratórios, salas especiais, pessoal técnico-administrativo, orientadores pedagógicos, inspetores de alunos etc. é capaz de nos garantir a qualidade pretendida sem transferir recursos para a iniciativa privada. Esta lição, no seu conjunto, demonstra que um caminho de sucesso pode ser por aí.

Assim, sempre que nossas reflexões ultrapassam o senso comum e buscamos examinar o fenômeno em sua essência, fica relativamente fácil flagrar a ideologização de que se revestem os interesses daqueles que defendem as parcerias público-privadas e as apresentam como remédios possantes e eficazes para a melhoria da qualidade da educação brasileira.

Isto, contudo, não quer dizer desprezar como totalmente negativa a vontade que os homens de negócio revelam de promover a qualidade da educação. Também eles são parte importante da solução do problema gigantesco que enfrentamos e é desaconselhável que sejam alijados de sua solvência. A coexistência dos homens de negócio ao lado de todos os educadores, com transparência e democracia, para a realização de um autêntico projeto nacional de educação, não é uma negatividade. Como Lukács nos ensina, há fecundas contradições dialéticas que nos permitem realizar grandes objetivos. O que precisamos imediatamente é, então, definir as bases sobre as quais tal coexistência será possível de existir de modo a que seja benéfica para a sociedade como um todo.

(Publicado no Jornal Folha Dirigida, Caderno Educação, Coluna Sem Censura, pág. 4, Edição de 25 a 31 de janeiro de 2011)


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