8.9.25

Como a Aprovação Automática Sabota a Educação e a Cidadania

 



Imagem gerada por IA

Em uma postagem que fiz no Facebook, responsabilizei a aprovação automática na educação básica pela formação de cidadãos acríticos, incapazes de compreender as implicações políticas de atos como estender a bandeira dos Estados Unidos em uma manifestação pró-Bolsonaro — justamente no dia em que se celebra a independência do Brasil de Portugal. Meu argumento é que a baixa exigência escolar gera ignorância política e, consequentemente, abre espaço para manipulação ideológica.

Uma amiga me rebateu, acusando-me de simplificar injustamente o problema. Para ela, o bolsonarismo tem raízes também — ou até principalmente — na classe média, que muitas vezes não passou pela escola pública nem foi beneficiada pela aprovação automática. Observou ainda que a maior parte das escolas privadas, na prática, também recorre à aprovação automática para não perder alunos e, assim, receita. Além disso, destacou corretamente que nossas crianças estão há décadas imersas em um processo de americanização cultural — músicas, filmes, moda, comidas, símbolos e heróis que reforçam a ideia de que o “modelo norte-americano” é superior ao brasileiro. Para ela, o problema central não reside na aprovação automática em si, mas no conteúdo e na intencionalidade da educação — o que ensinamos, para quê e com qual horizonte ético. Inclusive universitários, que passaram por numerosas provas e etapas seletivas, podem exibir o mesmo grau de alienação política.

De fato, nossas posições não são excludentes, mas complementares. O que minha amiga chama de americanização cultural e de falha curricular, vejo reforçado pela lógica perversa da aprovação automática. Se, de um lado, a escola propõe conteúdos ricos e um horizonte ético elevado, de outro, esse esforço perde efeito quando o aluno aprende que não precisa se dedicar, pois sua promoção está garantida. A aprovação automática, nesse sentido, desvaloriza o próprio conteúdo educacional, transmitindo a mensagem de que esforço e aprendizado não são necessários para avançar.

Esse mecanismo contribui não apenas para o desastre educacional brasileiro, mas também mina qualquer tentativa de formar sujeitos críticos. A escola pode ensinar bem, mas se o aluno sabe de antemão que não precisa aprender, todo o processo se enfraquece. A aprovação automática enfraquece a autoridade pedagógica dos professores, nos termos em que Pierre Bourdieu a situa, desmotivando alunos e reforçando a lei do menor esforço, com implicações até no ambiente disciplinar da escola. A falta de exigência e rigor acadêmico, portanto, contribui decisivamente para que seja sofrível a qualidade da educação da educação brasileira. E não apenas isto: este mesmo processo de baixa qualidade também escolariza indivíduos economicamente prejudiciais ao país. Conforme afirmação do Banco Mundial, o nosso PIB poderia ser 66% maior se tivéssemos uma educação de qualidade (Banco Mundial, 2022).

 Finalizando devo acrescentar que a aprovação automática não é apenas um mecanismo burocrático; ela simboliza um pacto social perverso: fingimos que ensinamos, fingimos que aprendemos e seguimos adiante como se isso não tivesse consequências. Mas tem. Ao naturalizar a mediocridade escolar, condenamos gerações a uma cidadania de baixa intensidade, incapaz de reconhecer manipulações políticas ou de projetar um país mais justo e soberano.

Se quisermos uma educação que forme cidadãos críticos e criativos, precisamos resgatar o valor do esforço, do rigor intelectual e da exigência ética. Não basta oferecer conteúdos: é preciso cultivar o sentido de responsabilidade pelo aprendizado e pelo mundo que se constrói a partir dele. Caso contrário, continuaremos a produzir não sujeitos autônomos, mas consumidores de ideologias alheias — e sempre de olhos voltados para fora, sem perceber a riqueza e os desafios do que temos dentro de casa.

7.9.25

O MEC Avança, mas o Problema Central Continua Intocado




O Ministério da Educação do Brasil, sob a liderança de Camilo Santana, tem sido bastante ativo ao propor um conjunto de medidas voltadas à melhoria da qualidade da educação nacional. No campo da educação básica, ampliou a oferta de tempo integral, destinou mais de R$ 3 bilhões para a alfabetização de crianças com a meta de praticamente erradicar o analfabetismo, e criou o programa de incentivo financeiro-educacional que estabelece uma poupança para estudantes do ensino médio, buscando conter a evasão e elevar os indicadores de aprovação e qualidade.

No plano da infraestrutura, os investimentos se concentram na universalização do acesso à internet nas escolas públicas, na entrega de milhares de creches, pré-escolas e escolas de tempo integral, na ampliação do transporte escolar gratuito e na construção de novos campi dos Institutos Federais. Soma-se a isso o aumento de 17% no valor mínimo por aluno repassado, o que, na prática, significa mais recursos para estados e municípios.

Em relação à educação técnica e à valorização docente, os novos programas incluem a expansão de vagas em cursos técnicos de tempo integral e políticas de reconhecimento e incentivo ao magistério. Nesse contexto, destaca-se o programa Mais Professores para o Brasil, estruturado em cinco eixos estratégicos: Prova Nacional Docente (PND), Pé-de-Meia Licenciaturas, Bolsa Mais Professores, Portal Mais Professores e Carteira Nacional Docente.

Embora a educação superior também esteja contemplada nas ações do MEC, este texto não a abordará, dada sua ênfase na educação básica e na formação docente.

Todos os programas e iniciativas listados, é preciso reconhecer, são relevantes e tendem a produzir impactos positivos. No entanto, permanecem periféricos diante do problema central: a formação docente nas instituições de ensino superior. É aí que se encontra o núcleo das dificuldades que atravessam todo o sistema educacional. Alguns pontos são críticos:

  1. grande parte das licenciaturas é ofertada por instituições — públicas e privadas — de baixa qualidade, resultando em formação teórica insuficiente, práticas pedagógicas frágeis e pouca conexão com a realidade escolar (não é incomum encontrar professores universitários que, desde a conclusão do ensino médio, jamais retornaram ao cotidiano da educação básica);
  2. os índices de evasão em licenciaturas, presencial ou a distância, ultrapassam 50%, segundo dados oficiais;
  3. muitos egressos dos cursos de licenciatura e bacharelado apresentam baixa proficiência em leitura, escrita e matemática, além de domínio limitado dos conteúdos que precisam ensinar;
  4. o baixo status social e os salários pouco atraentes desestimulam a entrada e a permanência de estudantes com melhor desempenho acadêmico no ENEM.

Apesar dos avanços recentes, o MEC vem adiando o enfrentamento indispensável à questão central: a necessária revisão curricular nacional das licenciaturas, a fiscalização da Resolução CNE/CP nº 2/2019 e ao acompanhamento rigoroso das instituições — sobretudo particulares e de ensino a distância — que ofertam cursos de formação docente. É igualmente urgente reduzir a distância entre teoria e prática, fortalecer os estágios e residências pedagógicas e incentivar docentes universitários a manter vínculo efetivo com a escola básica, inclusive por meio de pesquisas empíricas.

Os problemas são conhecidos de todos desde longa data, mas por que, então, o governo evita atacar o cerne deles? Uma primeira resposta está, sem sombra de dúvida, no custo político: falta coragem para enfrentar grandes grupos privados, muitos com capital internacional, além disto, mudanças estruturais exigem longos prazos de implementação, frequentemente superiores a uma gestão, o que contraria a lógica imediatista das disputas eleitorais. Reformas profundas também tendem a gerar embates jurídicos e institucionais de grande intensidade.

Em um momento como o que vivemos hoje, quando o Brasil se projeta como importante player internacional e grande potência do Sul Global, tais reformas não podem ser adiadas indefinidamente. A escassez de professores em áreas estratégicas — como Física, Química, Matemática e Geografia — já é uma realidade e as projeções para 2030 indicam o agravamento do déficit docente desde as séries iniciais da educação básica. Ademais, o desenvolvimento científico tecnológico urge um quadro de cientistas em todos os campos que dê sustentabilidade a um projeto de grande potência mundial soberana e autossustentável.

 

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Como a Aprovação Automática Sabota a Educação e a Cidadania

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