19.2.25

Verão, bermuda e imagem pública do professor

 






Claro que o calor está insuportável. Mas será que isso justifica dar aulas de bermuda? Vou assumir, talvez com certo conservadorismo, uma posição contrária. Basta pensar: por que o advogado não entra de bermuda no tribunal? Por que o médico não atende de bermuda? Por que o engenheiro, mesmo debaixo do sol no canteiro de obras, usa calça comprida?

Não é apenas questão de estética. É também de simbolismo. Essas profissões, de grande valorização social, entendem que a imagem fala tanto quanto as palavras — e que a autoridade se constrói também pelo modo como nos apresentamos.

Lembro-me de um texto que li anos atrás. O autor dizia que os professores ajudavam a cavar a própria desvalorização ao abandonar o “pedagogês” e, ao mesmo tempo, descuidar da aparência. Nos anos 70 e 80, não eram raros os professores de chinelo de pneu, cabelo desgrenhado, roupas surradas e bolsas de lã de lhama a tiracolo. Aquele ar alternativo, longe de inspirar respeito, transmitia descompromisso. Qual criança ou adolescente teria vontade de ver num professor assim um modelo a seguir?

A tese continua atual. O professor que aparece diante de sua turma com aparência relaxada reforça uma contradição evidente: exige seriedade, dedicação e futuro promissor dos alunos, mas não projeta esses mesmos valores em si mesmo. É verdade que a docência sofre com salários baixos e reconhecimento insuficiente, mas justamente por isso a construção simbólica de sua imagem deveria ser tratada com mais zelo, não menos.

Nada tenho contra a bermuda. O que me preocupa é a esculhambação da imagem pública do magistério. Uma profissão que já carrega tanto peso não pode dar ao mundo sinais de que também desistiu de se levar a sério.

Cazuza e a escola do medo: da crítica literária ao desafio atual




Ontem publiquei na minha página do Facebook uma lembrança de leitura da infância: o livro Cazuza, de Viriato Correia, que devorei lá pelos doze, treze anos. A recepção dos amigos foi ótima, quase entusiasmada.

Para quem não conhece, a obra conta a história de um menino do interior do Maranhão e sua trajetória pelas escolas do lugarejo natal, depois em uma vila maior e, por fim, em São Luís, a capital do estado. Li com o mesmo prazer que tive mais tarde com O Ateneu, de Raul Pompeia. Histórias passadas em ambientes escolares sempre me fascinaram — pena que sejam raras na literatura brasileira.

Na época, ao ler Cazuza, eu não tinha condições de perceber a crítica embutida àquela escola autoritária, marcada pelo que Paulo Freire mais tarde chamaria de “pedagogia bancária”. Viriato Correia pinta com tintas fortes a figura do professor João Ricardo, que conduzia sua classe multisseriada com mão de ferro e palmatória em riste. A escola funcionava em dois turnos: pela manhã, crianças de seis e sete anos; à tarde, os mais velhos, de nove e dez. Realidade comum no meio rural, onde a escassez de professores e a ausência de formação adequada eram regra.

Essa descrição me remete à minha própria infância em Martins Soares, antigo distrito de Manhumirim - MG. Também estudei em uma dessas escolas: um prédio simples, dividido entre uma sala cheia de carteiras duplas de ferro e a casa da diretora, dona Alzira Miranda, esposa de seu Quito. Entre os dois espaços, um pátio coberto servia de respiro para crianças inquietas como eu.

Mas voltemos a Cazuza
Logo no primeiro dia, o menino descobre que a escola estava longe de ser o lugar alegre que imaginara. A palmatória reinava soberana. Os bolos ecoavam nas mãos dos colegas, deixando marcas e inchaços que denunciavam a dor. A alegria murchava; ir para a escola era como subir um cadafalso.

João Ricardo parecia menos um professor e mais um capataz com um relho de três pontas. Educava pela submissão, quebrando vontades, silenciando a espontaneidade, o amor-próprio e a alegria. Sua pedagogia era a do medo — típica da escola tradicional, que ainda resiste em alguns cantos do Brasil. É verdade que os castigos físicos foram abolidos e até criminalizados, mas em muitos lugares e escolas persiste a violência simbólica, igualmente embotadora e sem graça.

A crítica a esse modelo não tardou. No Brasil, Paulo Freire foi uma das vozes mais contundente, denunciando em sua Pedagogia do Oprimido a escola como espaço de dominação e instrumento da aristocracia para manter o povo sob controle. Fora daqui, obras como A Reprodução, de Bourdieu e Passeron, também desvelaram as engrenagens de uma pedagogia violenta voltada a perpetuar desigualdades.

Contudo, a vara continua empenada, como diria Lênin, mesmo após ter sido virada para o lado oposto. A crítica não liquidou a deformação que ainda persiste: de uma escola autoritária passamos a outra incapaz de garantir competências básicas para enfrentar os desafios da vida. Continuamos longe de uma educação democrática, universal e de qualidade socialmente referenciada.

Hoje, as políticas educacionais seguem atendendo muito mais aos interesses dos grandes empregadores e do capital do que ao direito de emancipação dos estudantes. Formam-se trabalhadores dóceis, prontos a servir, mas raramente cidadãos críticos.

O sonho de uma escola libertadora, que faça florescer sujeitos plenos, ainda é promessa. Cabe a nós, como sociedade, não apenas repeti-lo, mas lutar para torná-lo realidade.

Como a Aprovação Automática Sabota a Educação e a Cidadania

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