Em uma postagem que fiz no
Facebook, responsabilizei a aprovação automática na educação básica pela
formação de cidadãos acríticos, incapazes de compreender as implicações
políticas de atos como estender a bandeira dos Estados Unidos em uma
manifestação pró-Bolsonaro — justamente no dia em que se celebra a
independência do Brasil de Portugal. Meu argumento é que a baixa exigência
escolar gera ignorância política e, consequentemente, abre espaço para
manipulação ideológica.
Uma amiga me rebateu, acusando-me
de simplificar injustamente o problema. Para ela, o bolsonarismo tem raízes
também — ou até principalmente — na classe média, que muitas vezes não passou
pela escola pública nem foi beneficiada pela aprovação automática. Observou
ainda que a maior parte das escolas privadas, na prática, também recorre à
aprovação automática para não perder alunos e, assim, receita. Além disso,
destacou corretamente que nossas crianças estão há décadas imersas em um
processo de americanização cultural — músicas, filmes, moda, comidas, símbolos
e heróis que reforçam a ideia de que o “modelo norte-americano” é superior ao
brasileiro. Para ela, o problema central não reside na aprovação automática em
si, mas no conteúdo e na intencionalidade da educação — o que ensinamos, para
quê e com qual horizonte ético. Inclusive universitários, que passaram por
numerosas provas e etapas seletivas, podem exibir o mesmo grau de alienação
política.
De fato, nossas posições não são
excludentes, mas complementares. O que minha amiga chama de americanização
cultural e de falha curricular, vejo reforçado pela lógica perversa da
aprovação automática. Se, de um lado, a escola propõe conteúdos ricos e um horizonte
ético elevado, de outro, esse esforço perde efeito quando o aluno aprende que
não precisa se dedicar, pois sua promoção está garantida. A aprovação
automática, nesse sentido, desvaloriza o próprio conteúdo educacional,
transmitindo a mensagem de que esforço e aprendizado não são necessários para
avançar.
Esse mecanismo contribui não apenas para o desastre
educacional brasileiro, mas também mina qualquer tentativa de formar sujeitos
críticos. A escola pode ensinar bem, mas se o aluno sabe de antemão que não
precisa aprender, todo o processo se enfraquece. A aprovação automática
enfraquece a autoridade pedagógica dos professores, nos termos em que Pierre
Bourdieu a situa, desmotivando alunos e reforçando a lei do menor esforço, com
implicações até no ambiente disciplinar da escola. A falta de exigência e rigor
acadêmico, portanto, contribui decisivamente para que seja sofrível a qualidade
da educação da educação brasileira. E não apenas isto: este mesmo processo de
baixa qualidade também escolariza indivíduos economicamente prejudiciais ao
país. Conforme afirmação do Banco Mundial, o nosso PIB poderia ser 66% maior se
tivéssemos uma educação de qualidade (Banco
Mundial, 2022).
Se quisermos uma educação que forme cidadãos críticos e criativos, precisamos resgatar o valor do esforço, do rigor intelectual e da exigência ética. Não basta oferecer conteúdos: é preciso cultivar o sentido de responsabilidade pelo aprendizado e pelo mundo que se constrói a partir dele. Caso contrário, continuaremos a produzir não sujeitos autônomos, mas consumidores de ideologias alheias — e sempre de olhos voltados para fora, sem perceber a riqueza e os desafios do que temos dentro de casa.
3 comentários:
Publiquei algo semelhante no Facebook, afirmando com todas as letras que o Ensino Médio no RJ é uma enorme farsa. Alunos são aprovados sem sequer saber o nome do professor ou professora.
Não e à tia somos o penúltimo no ranking da educação pública.
Publiquei texto com ideias semelhantes chamando de desastre educacional. Quando foi formulada eu defendi frente a hecatombe de reprovações que havia e hoje não há mais. Reprovar dá mais trabalho hoje em dia...é tudo artificial...o fato é que no ensino médio não aprendem nem o nome dos professores....
A sociedade deveria discutir a educação brasileira com profundidade
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