16.11.12

Certificação de docentes, gratificações e corrosão de caráter

A Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro segundo informações de O Globo, edição eletrônica do dia 13 de Novembro de 2012 propõe-se a bonificar o conhecimento dos professores da rede pública de escolas estaduais que sejam aprovados em exames elaborados por instituição externa. Os exames serão compostos de questões relativas aos conteúdos da disciplina, gestão escolar e análise de títulos, e serão escalonados por níveis. Aqueles que obtiverem a nota mínima no exame de nível 1 passam a receber um bônus mensal de R$ 500 a mil reais, de acordo com a sua carga horária. A certificação de nível 2 corresponderá a bônus de mil reais e R$ 2 mil mensais; e a de nível 3, a bônus mensais de R$ 2 mil e R$ 4 mil. A participação docente será voluntária; e quem porventura não conseguir a certificação de seu conhecimento “terá a oportunidade de frequentar um curso, de dez meses, com bolsa de R$ 300 mensais”, e tentar obtê-la novamente no próximo exame.

O Estado está disposto a desembolsar de R$ 100 a 400 milhões até 2015 e, mais generosamente ainda, se propõe a agregar aos proventos daqueles que se aposentarem a média das certificações obtidas.

Esta proposta, apesar da magnificência que espera transparecer, nada tem de simples e ainda trás importantes preocupações em termos de futuro para a carreira docente. Por esta razão precisamos nos deter com cuidado em sua análise, até porque muitos colegas se deixarão encantar com as possibilidades imediatas de engordar os seus magros salários.

Identificando-a no âmbito das teorias neoinstitucionalistas de administração pública onde adquire força e se torna hegemônica, a proposta da SEEDUC aparece impregnada ideologicamente de uma dada percepção do que sejam os trabalhadores em educação como categoria profissional. À partida admite que sejam egoístas remetidos aos seus interesses particulares e que se beneficiam de modo utilitarista das possibilidades oferecidas pela instituição para maximizar as suas preferências pessoais. Não por acaso duvida dos conhecimentos docentes, considerando-os não suficientes, inadequados e desatualizados. Daí é que retira da administração pública toda culpabilidade pelas mazelas do sistema educacional do Estado para fazê-la recair sobre a categoria. De certa forma aparece como a cereja do bolo da gestão de impacto do atual secretário, bolo este formado de outros mecanismos de gestão, disciplina e controle: GIDE – Gestão Integrada das Escolas, Controle dos Resultados – Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ), e Sistema de Bonificação por Resultados. Sua lógica é clara: é tamanho o egoísmo da categoria que ela somente se move a partir de gratificações, como crianças interesseiras e como se o magistério trabalhasse com esta mesma lógica que, sabidamente, corrói o caráter humano.

Imagino que somente os mais parvos podem se deixar iludir com esta proposta que é um autêntico ouro de tolo. Além de expor os voluntários aos exames a possíveis vexames públicos, acirrar a competição entre integrantes da categoria, liquidar definitivamente com a equidade e a isonomia salarial para funções iguais e com a mesma carga horária, deixa de prometer mais dignidade para quem se aposentar. Nem os bônus do Sistema de Bonificação por Resultados nem as gratificações obtidas por meios de certificações são agregadas aos proventos. Haverá de ser na inatividade que todos sentirão na carne o preço da avidez pelo imediato; todas as energias joviais serão gastas sem serem garantidoras de bons proventos na velhice.

A proposta divulgada, com muita desfaçatez vem involucrada de ineditismo acolhendo o pressuposto ideológico de vivermos numa “sociedade do conhecimento”, na qual é preciso valorizar os talentos. Ora, convenhamos, se há mesmo intenções de melhorar a qualidade de ensino e dos trabalhadores em educação por que então não lhes garantir um piso salarial efetivamente digno calculado pelo DIEESE, por exemplo, e ainda promover cursos de alto nível nas universidades públicas para atualizá-los? Ao invés de exames, e sem expor quem que seja a situações vexatórias, as certificações obtidas nos cursos oferecidos por estas universidades poderiam com mais elegância se traduzir em percentuais salariais distribuídos conforme as posições ocupadas no plano de progressão funcional da categoria. Ainda estariam banidas do âmbito educacional as formas de corrosão do caráter que certos administradores naturalizam e acreditam que revelam níveis de competitividade.

Vale ainda dizer que esta mesma proposta insiste teimosamente no estabelecimento da meritocracia como um valor primordial na rede estadual, quando é sabido que não temos, por exemplo, a mesma cultura dos norte-americanos. Nos EUA um star system pode como muita naturalidade adquirir consideráveis vantagens e receber elevados bônus conforme os lucros das empresas onde trabalham. Aqui no Brasil ainda discutimos acirradamente os contratos milionários, vantagens e bichos dos jogadores de futebol, principalmente quando deixam de entrar nas bolas divididas e demonstram desmotivação em jogos decisivos. Como seria tratado um star system escolar quando a sua escola deixasse de receber bônus por resultados em consequência maus índices de fluxo (IF) e de desempenho (ID)?

Por fim, duas questões: a primeira é uma preocupação de uma representante sindical baiana - Marilene Betroe - ouvida pelo jornal O Globo: o desempenho dos professores mais certificados teria reflexos na ponta, ou seja, nos alunos? Os estudantes universitários responderiam prontamente a esta questão: os seus professores mais titulados nem sempre são os mais didáticos, nem os que mais ensinam. A segunda: por que se insiste tanto na implementação de regimes meritocráticos no Brasil, quando se sabe que a nossa sociedade historicamente somente legitimou até o presente as promoções por concursos e as ascensões funcionais por tempo de serviço?

Que tal debatermos socialmente e com profundidade estas questões, antes de qualquer de implementar quaisquer práticas fortemente arrivistas para se chegar ao topo do IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica? Que tal evitarmos as corrosões de caráter que podem produzir como efeito colateral?

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