5.12.12

Dilemas da Universidade. Entrevista - Jornal O Globo

O GLOBO - O atual modelo da universidade brasileira é oriundo ainda da reforma universitária na Ditadura Militar. A própria universidade tem dificuldade em se discutir? Quais outros fatores precisam ser levados em conta para compreender a falta de inovação no que diz respeito a própria organização das instituições, currículos etc.?

ZG - Não diria que a Universidade tem dificuldade em se discutir. Sua dinamicidade impõe constantes discussões acerca de sua função social. A grande discussão atual é sobre o modelo de Universidade e para qual sociabilidade. Há uma grande tensão nesta discussão em função das pressões provenientes da sociedade pautada pelo mercado. Muitos aceitam esta pauta defendendo a universidade pragmática, inovadora, a serviço das demandas colocadas pelo mercado. Estes acreditam que a Universidade inovadora seja capaz de acelerar o crescimento nacional e aumentar os indicadores de inovação, ciência e tecnologia. Particularmente não acredito nisto. Penso que é o desenvolvimento que cria as condições para que ela seja inovadora, e para tanto é preciso disponibilizar-lhe recursos, sem, entretanto, prejudicar as suas atividades meio e fins voltadas para o social. Mais objetivamente: se a universidade brasileira é acusada de não ser inovadora, penso ser necessário verificar quanto de recursos ela dispõe para investir em inovação, ciência e tecnologia.

O GLOBO - A reforma universitária realizada na década de 1960 rompeu com o modelo de cátedras e introduziu a organização por departamentos. Houve algum avanço nesta mudança ou só há pontos negativos? Quais são os maiores problemas do modelo implantado na época e seguido até hoje com poucas modificações?

ZG - A reforma em questão subordinou definitivamente a universidade brasileira ao modelo de universidades anglo-saxônicas. As cátedras eram acusadas de personalistas etc. Positivamente os departamentos dão mais dinamicidade à vida universitária; eles democratizam-na. O problema, segundo minha perspectiva, não está na organização estrutural da universidade, muito embora ela sempre possa ser objeto de novas melhorias, de aperfeiçoamentos. Para mim o problema deve ser deslocado para a compreensão que os nossos governantes têm sobre a Universidade e o papel estratégico que ela pode ter no desenvolvimento da sociedade. As greves deste ano, nas federais e estaduais, demonstram que essa compreensão é estreita. Acredito que para muitos dos nossos governantes a Universidade é sinônimo de um grande colégio, aliás, bastante problemático e reivindicador.

O GLOBO - Na Europa, principalmente com o Tratado de Bologna, encurtou-se a duração dos cursos de graduação, entre outras medidas. As medidas foram tomadas num contexto em que o acesso ao ensino superior é muito mais fácil do que no Brasil, onde permanece excludente. Este modelo poderia ser aproveitado? Quais são os problemas trazidos por ele também?

ZG - O Processo de Bolonha que resulta deste Tratado realmente encurtou a duração dos cursos de graduação e pós-graduação. Ele estabeleceu a fórmula 3-2-3, isto é, 03 anos para a graduação, 02 para o mestrado e 03 para o doutoramento; isto sem dúvida representa o aligeiramento da formação universitária. São menos dois anos em relação ao Brasil. Todos os países da União Europeia estão se adaptando ao Processo. Mas as contestações já começaram a aparecer. São muitas as contestações que este modelo enfrenta perante o Movimento Estudantil e Docente, particularmente em um contexto de recessão econômica. Já houve grandes movimentos de rua na Inglaterra, Itália, Portugal, Espanha e Alemanha. Todos fazem grandes restrições ao Processo de Bolonha. Este Processo, de fato, por um lado cria este aligeiramento que barateia a manutenção das universidades para o Estado, e por outro despeja no mercado um enxame de diplomados que não encontra trabalho e emprego na União Europeia forçando a migração. A UE hoje em dia é exportadora de mão de obra altamente qualificada. Contam-se às centenas os emigrantes para outros países onde há oportunidade de trabalho e emprego. Em meu ponto de vista, não precisamos importar modelos, especialmente o de Bolonha para a reforma das nossas universidades. O que precisamos, insisto, é situar estrategicamente a universidade no centro de nosso projeto de desenvolvimento, com independência e sustentabilidade.

O GLOBO - No Brasil, as principais experiências de inovações curriculares e de organização da universidade se deram dentro do âmbito do projeto "Universidade Nova". Este é caracterizado, tanto na UFBA quanto na UFABC, por bacharelados interdisciplinares de cunho generalista. A especialização profissional seria realizada em uma etapa posterior, assim como a formação de licenciatura ou de pesquisador (mestrado e doutorado). Como senhor avalia essas iniciativas?

ZG - A ideia de ciclos básicos interdisciplinares é interessante, incluindo a interdisciplinarização dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado). Estou ligado a um Programa de Pós-graduação Interdisciplinar e a avaliação que fazemos é que há grandes vantagens para a produção de novos conhecimentos em contextos mais amplos. Contudo, é preciso que o desenho de cursos interdisciplinares não seja pautado pela redução de custos. Os processos de educação, de quaisquer níveis e modalidades, jamais devem ser compreendidos como gastos, mas sim como investimentos não apenas na formação profissional, como também na formação do cidadão.

O GLOBO - A universidade brasileira vive um momento de abertura para diferentes classes sociais, com a aprovação das ações afirmativas em todas as instituições federais. A universidade precisa se adaptar a essa nova realidade?

ZG - As ações afirmativas são praticadas nas universidades públicas, com as cotas sociais representando a correção parcial de injustiças sociais e históricas. Digo parcial, porque só elas não bastam. É preciso que o país corrija a sua distribuição de riquezas, restringindo os processos de concentração nas mãos de poucos. Considero uma pena que tais ações não sejam universalizadas para todo o sistema de ensino superior – público e privado, laico e religioso. Além disso, cabe perguntar: a adaptação da universidade aos cotistas significa o quê? Organizar-se como universidade para pobres, negros etc.? Dicotomizar o mundo universitário, com instituições diferenciadas para pobres e ricos? Isto não seria preconceituoso? Penso que se a universidade tiver centralidade para responder às necessidades criadas pela sociedade, com os investimentos necessários à carreira docente e ao ensino, pesquisa e extensão esta questão perde o peso que vem adquirindo em alguns setores elitistas da sociedade que ainda guardam ranços da sociedade senhorial. Nenhuma universidade, pública ou particular, precisa de qualquer adaptação para dar respostas às ações afirmativas. A riqueza delas está exatamente na sua composição plural e na pluralidade de conhecimentos que é capaz de produzir para o nosso desenvolvimento atual e futuro. O que é preciso é que a universidade pública seja compreendida em todas as suas dimensões e como importante instituição, gratuita e de qualidade para a formação do cidadão. A universidade laica, autônoma, gratuita e de qualidade mantida pelo Estado está historicamente comprometida com a autonomia do cidadão, titular de direitos e fonte do poder republicano.

(Esta entrevista não foi publicada na íntegra. Partes dela foram aproveitadas pelo jornalista Leonardo Cazes em matéria publica na edição do dia 29.09.2012 com o título Dilema da Universidade, no Caderno Prosa)

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