Por que, passadas duas décadas de políticas e programas, a educação brasileira ainda não alcançou a qualidade que o país precisa.
Enquanto se discutem reformas e se celebram indicadores superficiais, a realidade da escola pública brasileira permanece inalterada. Diagnósticos se sucedem, relatórios se acumulam, mas o ensino continua distante das necessidades reais de professores e estudantes. Este ensaio busca analisar os fatores estruturais que travam a evolução da educação nacional, destacando a centralidade do professor, a urgência da equidade e a necessidade de um projeto educacional capaz de transformar, de fato, a sociedade.
Todas as iniciativas do Ministério da Educação em favor do aprimoramento do ensino nacional são dignas de reconhecimento. No entanto, ainda permanecem aquém do essencial. Aparentam corrigir falhas pontuais, mas não tocam o âmago da questão. Medidas de efeito rápido e forte apelo popular produzem manchetes e simpatias, mas pouco alteram a substância do problema. A educação, para se transformar de fato, exige um projeto de longo fôlego, ancorado em duas frentes inadiáveis: a construção de uma educação socialmente referenciada e a formação rigorosa, intelectual e ética de seus professores. Sem isso, toda política educacional continuará orbitando em torno do mesmo vazio — o de uma educação que promete muito, mas entrega pouco.
Estamos a concluindo o primeiro quarto do século XXI e, apesar dos discursos otimistas, pouco ou nada avançamos nos indicadores internacionais de qualidade educacional. A avaliação aplicada pela OCDE continua a revelar um quadro preocupante. No relatório de 2000, elaborado pelo próprio Ministério da Educação, já se constatava que o desempenho dos estudantes brasileiros espelhava a precariedade do ensino de leitura e de produção de textos, bem como a persistência de uma escola afastada das “reais necessidades de uso social da linguagem” (PISA 2000 – Relatório Nacional).
Naquele momento, a Secretaria de Ensino Fundamental procurou reagir: criou um programa de apoio a escolas e professores, com o propósito de integrar as práticas pedagógicas às diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Organizaram-se cursos e oficinas voltados ao aperfeiçoamento dos projetos pedagógicos, tendo como eixo a atuação docente.
Passadas mais de duas décadas, o relatório de 2022 expõe a estagnação. A média geral do Brasil permanece estatisticamente inalterada desde 2009. Em Matemática, nossos estudantes se equiparam aos da Colômbia e da Argentina; em Leitura, aos da Costa Rica, Colômbia e Peru; e em Ciências, empatam com Peru e Argentina (Programa Internacional de Avaliação – PISA 2022). O tempo passou, as políticas se sucederam, mas a realidade essencial da escola brasileira segue quase intacta — como se estivéssemos condenados a repetir diagnósticos sem jamais alcançar o remédio.
O que explica tamanha estagnação não é o acaso, tampouco a falta de diagnósticos. O problema é estrutural e antigo e a nossa educação brasileira teima em reproduzir as desigualdades, não para superá-las. Desde suas origens, o sistema escolar esteve a serviço da seleção social e da legitimação de hierarquias, travestindo de mérito o que, na verdade, é privilégio. A vigente Lei de Diretrizes e Bases, assim como as políticas públicas — ainda que bem-intencionadas — tendem a operar apenas na superfície do problema, sem alterar as bases materiais e simbólicas que sustentam o fracasso. Os pífios objetivos da LDB nos dão a verdadeira dimensão do problema:
Art. 2o
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Se observamos bem, com os olhos bem abertos, nada mais se pretende além de qualificar os estudantes, futuros cidadãos, para o trabalho o qual, diga-se a bem da verdade, um trabalho com carteira assinada e baixa remuneração.
Quanto à formação docente, por exemplo, ela também permanece prisioneira de um modelo que pouco dialoga com a realidade da sala de aula. Cursos fragmentados, currículos engessados e uma prática de estágio meramente formal não preparam o professor para lidar com a complexidade do ensino contemporâneo. Soma-se a isso a desvalorização histórica da carreira, traduzida em baixos salários, sobrecarga de trabalho e ausência de reconhecimento social. Espera-se do professor um papel de protagonista, mas lhe negam o roteiro, os instrumentos e até o palco.
Também pesa sobre a escola o peso da desigualdade social, que se infiltra em cada aula, em cada avaliação, em cada expectativa frustrada. É impossível pensar em educação de qualidade sem pensar em equidade. Enquanto a fome, a falta de infraestrutura e o analfabetismo funcional persistirem como sombras do cotidiano, toda reforma educacional será apenas um adorno retórico sobre um terreno corroído.
A escola brasileira, em sua melhor expressão, resiste. Sobrevive pela dedicação silenciosa de milhares de professores e professoras que, mesmo exaustos, ainda acreditam no poder transformador do conhecimento. Mas a transformação verdadeira — aquela que toca o cerne — depende de um pacto nacional que coloque a educação acima dos cálculos eleitorais e das estatísticas de ocasião. Sem isso, continuaremos colecionando relatórios, enquanto o país envelhece sem aprender.
Chegamos, portanto, a um ponto de inflexão. O discurso sobre a importância da educação tornou-se um consenso retórico, mas não uma prática nacional. O país aprendeu a celebrar diagnósticos, não a enfrentá-los. Falta-nos coragem intelectual e política para reconhecer que a escola pública brasileira não precisa apenas de reformas — precisa de refundação.
Refundar significa devolver à educação o seu sentido civilizatório, concebendo-a como o espaço privilegiado da emancipação humana. Significa investir no professor não como executor de políticas, mas como sujeito pensante, criador e crítico. Significa, ainda, compreender que qualidade não se mede apenas por índices internacionais, mas pela capacidade de formar cidadãos conscientes, capazes de ler o mundo e transformá-lo.
Enquanto a educação for tratada como promessa de campanha e não como projeto de nação, permaneceremos reféns do atraso. A verdadeira revolução educacional não virá dos slogans nem das plataformas digitais, mas do reencontro entre o saber e o sentido — entre o ensino e a vida real das pessoas. Só então deixaremos de repetir as velhas estatísticas e poderemos, enfim, dizer que o Brasil começou a aprender.
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