26.11.08

Rio terá nova Secretária de Educação em janeiro-2009

O Prefeito recém eleito foi buscar em São Paulo a sua nova secretária de educação: é a professora-visitante Claudia Costin, do curso Estado e Globalização da Escola Nacional de Educação Pública, da Universidade de Quebec, no Canadá. Ela é graduada em Administração Pública, Mestre em Economia e Doutora em Administração Pública. Toda sua trajetória de formação acadêmica foi realizada na Fundação Getúlio Vargas.
Antes de ser indicada para secretária de educação do Rio, foi vice-presidente da Fundação Victor Civita; coordenadora de projetos da Fundação de Desenvolvimento Administrativo (Fundap); diretora de planejamento e avaliação empresarial do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro); secretária-adjunta de previdência complementar; ministra da administração federal e reforma do estado no governo FHC; gerente de políticas públicas do Banco Mundial e Chief Executive Officer da Promon Intelligens, do Grupo Promon que lida com projetos de infra-estrutura de energia elétrica, óleo, gás, indústria de processo, mineração, metalurgia, química, petroquímica e obras civis.
Seu currículo, como se vê, passa ao largo do pobre campo da educação brasileira. Mas o que pensa a futura secretária sobre a educação pública da cidade? Quais as suas críticas? Que ações se propõe a implementar?
Vejamos estas questões.
A futura secretária, em sua homepage (www.claudiacostin.com.br), afora as referências de teóricos estrangeiros, somente tem como seu inspirador para a educação o precocemente falecido Padre Paul-Eugène Charbonneau, CSC, professor de Ciências Religiosas, Teologia, Antropologia e Moral e vice-diretor do Colégio Santa Cruz em São Paulo. Assim, fica fácil perceber de onde vêm suas influências; todas são provenientes de economistas e empresários (maioria estrangeira) e dos relatórios internacionais e nacionais a que teve acesso. Não é, pois, difícil deduzir que pensa a educação do mesmo modo que todos eles. Em sua opinião a educação “é o pilar que sustenta em harmonia a sociedade organizada e o próprio direito de ir e vir”.
Com efeito, pouca diferença faz entre a instituição escolar e a empresa. A escola, em sua perspectiva, é produtora de capital social; assim quanto melhor, tanto maior será sua capacidade de produzir este capital. Para tanto precisa ter escolas estruturadas e em condições de receber seus alunos, e parâmetros curriculares capazes de garantir um nível mínimo de aprendizagem. Quanto aos professores é preciso que estejam em condições de lecionar, que haja cursos que os capacitem melhores e que tenham mais compromissos com seus ofícios, abandonando as práticas absenteístas.
Suas ações como secretária visam, portanto, superar as críticas que faz à escola-empresa atual a partir de três eixos: reestruturação das escolas, condições e incentivos de trabalho para os professores e independência intelectual dos alunos.
As condições de trabalho dos professores não pressupõem qualquer melhoria salarial, e sim premiações para melhores ações, projetos e ações individuais ou coletivas. Antes ela pensa ser necessário que as escolas estejam estruturadas a partir de uma cultura de gestão escolar com foco na melhoria da qualidade, de tal forma que gerenciem bem os seus recursos e possam assegurar nutrição e acompanhamento pedagógico adequados. Da mesma forma pensa ser preciso que os profissionais de educação estejam capacitados a se tornarem leitores habitués dos clássicos da literatura, intérpretes dos diagnósticos das deficiências dos alunos e propositores de novas ações pedagógicas. Se os professores se tornam profissionais de excelência podem, então, agregar valores e ganhos aos seus salários, proferindo palestras, realizando oficinas...
Uma educação de qualidade, com profissionais competentes, e acesso a bons livros produzem a independência intelectual que os alunos devem ter. A instituição de uma hora de leitura em sala de aula e o abandono do currículo obrigatório (que atualmente funciona como guia de conteúdos) são indispensáveis à formação do aluno com independência intelectual. Uma das ações que a nova secretária pretenderá realizar é a “educação para o ócio”, isto é, o uso construtivo do tempo livre dos alunos, levando-os a participar dos eventos culturais, esportivos e artísticos da cidade. Esta educação não somente é uma prevenção da violência, mas também atua sobre “a falta de opções e de esperança” das crianças e jovens das classes populares.
Estas ações são deduzidas dos escritos de Claudia Costin a partir de sua HP. Subjacente a elas e aos escritos estão idéias derivadas da teoria do capital social, recorrentes nos corredores da UNESCO, Banco Mundial, BID e Cepal. Assim, quando ela pensa na capacitação dos professores o faz de maneira mais ampla, não se restringindo a alguns cursos de curta ou longa duração. A maximização individual supõe precisas e eficientes normas de convivência e de condutas que deverão regular o professorado. Torná-lo um leitor assíduo é um comportamento esperado no processo de maximização não apenas para torná-lo melhor em seu oficio, mas para que possa incrementar benefícios para si mesmo advindos do espaço extra-escolar, de novas redes sociais em que se integra; melhora inclusive o seu posicionamento social.
De modo algum a futura secretária de educação da cidade do Rio de Janeiro pensa os professores ou os alunos descolados da obtenção de benefícios para a sociedade, isto é, para a ampliação da produtividade do capital. É um serviço de reorientação da gestão das escolas públicas segundo as determinações capitalistas. Estão longe as preocupações com os sujeitos, indivíduos concretos, envolvidos no ato de educar. Todos efetivamente são pensados de modo submisso a outras e externas lógicas de realização, nunca as suas próprias.

Fábrica de maus professores; e os gerentes, sumiram?

Em entrevista à revista Veja (Edição 2088 de 26 de novembro de 2008), a antropóloga Eunice Durham desanca as Faculdades de Pedagogia, responsabilizando-as pela má formação de professores, os quais, em sua opinião, são incapazes “de fazer o básico, entrar na sala de aula e ensinar a matéria”. Faz ainda uma tabula rasa destas faculdades e, sem procrastinações, considera os professores de sala de aulas como “limitados, incapazes de escrever sem cometer erros simples de ortografia e de expor conceitos científicos de média complexidade”.
Não nos surpreende a sua vociferação, porquanto integra metaforicamente o naipe de uma orquestra afinada e financiada pela iniciativa privada para escrachar principalmente as instituições públicas empenhadas na formação de professores para nossas escolas de ensino básico. Aliás, há anos, a antropóloga da USP vem procedendo desta maneira, seja como presidente da Capes, secretária da educação superior do MEC, membro do Conselho Nacional de Educação, seja como professora emérita e coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre o Ensino Superior (NUPES-USP). E, obviamente, ela não está só; suas parceiras de naipe, entre outros, são a Prof.ª Maria Helena Guimarães de Castro, atual secretária de educação de São Paulo e ex-presidente do INEP, e a administradora pública Claudia Costin, ex-ministra de administração do governo FHC e atualmente indicada para a secretaria de educação da cidade do Rio de Janeiro.
É como se o naipe delas tivesse a exclusiva finalidade de repetir os estrepitosos sons de uma sinfonia wagneriana, sem se importar com o conjunto sinfônico. Toda atenção está focada nas notas das partituras; deixam assim de atentar para o que se passa no interior das escolas que elas próprias dirigiram a partir de suas pastas.
Nossa antropóloga desafina de imediato, ao considerar todas as faculdades de pedagogia como responsáveis pela má qualificação dos professores no que diz respeito às suas atuações nas salas de aulas. Nenhuma se salva! Equivocadamente quer que todas dêem conta da formação de professores com eficiente prática de ensino. Mas, ao mesmo tempo, há questões cruciais insolvíveis para as próprias faculdades: como formar professores com tamanha eficiência para escolas rurais e urbanas, públicas e particulares, leigas e religiosas, católicas e judaicas? Poderá ela formar a partir das tecnologias educacionais de ponta, sabendo-se da penúria pedagógica de muitas escolas? Para que tipo de escolas deverá formar: para aquelas bem aparelhadas, para aquelas que nem luzes têm, ou para aquelas que funcionam à noite nos imóveis alugados e precariamente adaptados? Assim, face a tais questões, mais uma questão emerge: não estará a antropóloga pretendendo o primado do pragmatismo tecnicista e reducionista ao desconsiderar a diversidade do campo educacional?
As faculdades de pedagogia e as demais faculdades de formação de professores de fato vivem os dilemas que a diversidade social se lhes impõem. Torna-se bastante razoável que optem pelo ensino de concepções pedagógicas e de práticas educativas no sentido amplo dos termos; reflexões racionais e normativas que sustentem representações e orientações da atividade educativa. Elas ainda fornecem, por um lado, um arcabouço ideológico à profissão condizente com determinado projeto societário e, por outro lado, algumas formas de saber-fazer-ensinar e algumas técnicas. O sistemático sucateamento a que vem sendo submetidas pouco mais que isto permite.
Face a esta opção, surge mais outra questão importante: por que nossas autoridades educacionais, entre as quais a profª. Eunice Durham, deixam de transferir para os contratantes de mão obra a responsabilidade de adequação dos novos professores às suas demandas específicas? Os médicos fazem anos de residência em suas especialidades; as próprias empresas submetem os novos funcionários a longos períodos de experiências. Chega, portanto, a ser paradoxal querer o professor devidamente capacitado para trabalhar em qualquer escola, como se todas estivessem subordinadas ao mesmo habitus e às mesmas práticas educativas. Só para ilustrar: um professor que dê aulas de história em uma instituição católica abordaria seus conteúdos de igual forma numa instituição judaica? Outro que tenha grande sucesso junto a alunos de escolas urbanas, o terá em áreas rurais? As respostas parecem óbvias para quem vive a materialidade do cotidiano escolar; desconhecem-nas, porém, os “educadores de gabinete” que nunca entraram numa sala de aula do ensino básico como docentes em efetivo exercício.
Em nossas escolas públicas qualquer recém-concursado, entretanto, é considerado apto a assumir turmas imediatamente. As secretarias de educação, concretamente, não têm cuidados nem estratégias para inserir o jovem professor numa sala de aula. Em muitas escolas ele sequer pode contar com uma coordenação pedagógica para orientá-lo e colocar à sua disposição os relatórios das turmas, suas configurações e, menos ainda, um plano de aulas. Por que ao menos não podemos nos regozijar com os resultados dos projetos de educação continuada proporcionados pelas administrações educacionais? Hoje, feliz é o docente que consegue se licenciar para estudos aprofundados ou, simplesmente, participar de um congresso sem perda de vencimentos.
O fato é que, por um lado e nas condições atuais, as faculdades de formação de professores não têm como garantir aos seus egressos a atualização continua de saberes imprescindíveis às práticas educacionais destinadas aos alunos da escola básica e os seus egressos continuam a ser contigenciados a definir suas práticas em relação aos saberes que possuem e transmitem; por outro lado, e nem precisamos constatar tal fato em muitas escolas, as condições de trabalho existentes impedem-lhes acompanhar o extraordinário desenvolvimento qualitativo e quantitativo dos saberes sociais com meios próprios face à indigência de recursos educativos disponibilizados pelas administrações educacionais municipais, estaduais e federais. Nas escolas particulares, antes que se possa pensar o contrário, a situação não é muito diferente; salvo as costumeiras exceções constituídas pelas instituições de ponta.
Não poderíamos também deixar de tangenciar, pelo menos, a desqualificação que as administrações públicas educacionais impõem aos professores. Esta desqualificação abrange desde os baixos salários, perda de autonomia e controle sobre as suas práticas, objetivos e organização de seu plano de aulas. Eles se acham submetidos a regulamentações que determinam não só o que ensinar, mas o como ensinar, assim como às determinações provenientes dos livros-didáticos. Estes e muitos “kits pedagógicos”, às vezes cheios novas tecnologias e programas educativos muitas vezes comprados à sua revelia, também são criadores de novas especificações de conhecimentos a transmitir, seqüenciamentos, formas de transmissão e de organização.
Como se vê a fábrica de maus de professores não está necessariamente situada nas faculdades e nos institutos de formação. Os gerentes educacionais responsáveis pelas políticas educacionais é que parecem ter deixado os seus postos ou assumido a mais profunda negligência quanto às demandas de educação pública de qualidade. A antropóloga Eunice Durham talvez devesse localizá-los, bradar aos céus para sanar-lhes a incúria ou simplesmente direcionar suas pesquisas para os núcleos centrais da educação pública brasileira. Vale também lembrar-lhe que nas fábricas e empresas privadas quando os resultados não são os esperados, os gerentes é que são responsabilizados pela falta de liderança, de empenho e dedicação dos seus subordinados e, também por não lhes propiciar todas as condições ideais para o aumento da mais valia patronal.

23.11.08

O problema é de sustentabilidade, não é de formação

É elevada a taxa de repetência no 1º ano do ensino médio nas escolas do Rio de Janeiro segundo informações do INEP, repercutidas no jornal “O Globo Online” do dia 23 de novembro de 2008. Para a secretária de educação básica do MEC, Maria do Pilar, esta taxa se deve, entre outras coisas, ao período de “transformação pelo qual estão passando os alunos e ao modelo pedagógico das escolas”. Este modelo não está adequado aos jovens e é inviabilizador do diálogo com eles.
Outros professores, que participam da discussão, têm opiniões diferentes e que me parecem mais próximos do real. Um deles afirmou que a maior complexidade do ensino médio aparece como exigência de mais disposição para estudar e disciplina diante dos novos conteúdos. Para uma aluna a razão dos fracassos deve ser encontrada na metodologia de estudos: “a gente precisa estudar, mas nem sempre dá certo”.
As explicações mais psicologizadas parecem-me insuficientes para explicar o fenômeno; elas tendem a situar nas transformações psíquicas e biológicas dos estudantes de 14 e 15 anos as causas do problema, como se fossem fenômenos exclusivos destas idades. Também são grandes as dificuldades dos estudantes que entram na pré-adolescência.
Já as outras explicações – complexidade e metodologia de estudo – indicam-nos algumas pistas que facilitam a compreensão do fenômeno. Mas vejamos com mais detalhe uma e outra.
A idéia de que o ensino médio seja mais complexo que o ensino fundamental, por encerrar mais elementos, é verdadeira e compatível com a idade biopsíquica dos estudantes mais velhos e com uma escolaridade de nove anos já realizada. Supõe-se que a escolaridade básica proporcione os fundamentos indispensáveis a esta complexidade. Se porventura a capacidade para este entendimento deixa de existir, é na sua ausência ou na sua incompletude que devemos nos ater. Por que os alunos chegam sem esta base? Por que a preparação básica não está sendo adequada?
O entendimento de que a metodologia de estudo dos alunos de ensino fundamental não esteja compatível com as exigências do ensino médio é mais consistente e nos ajuda na compreensão do fenômeno. Senão vejamos.
Empiricamente começamos pela constatação de que os níveis de estudo pertencem a esferas administrativas diferentes; o ensino médio é da competência dos governos estaduais; e o fundamental encontra-se municipalizado já há algum tempo. Cada uma das esferas lhes dá o tratamento necessário conforme as constituições dos seus governos, com mais ou menos sustentabilidade em termos de recursos humanos, pedagógicos etc.
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro se somente consideramos o tempo de permanência dos secretários de educação em suas pastas, começamos a adentrar na compreensão do fenômeno; o entra-e-sai de secretários implica em falta de continuidade de uma política séria de educação e no conseqüente não-engajamento do professorado. O impacto imediato não podia ser diferente: o estabelecimento do primado da anomia em todo sistema escolar. Face às divergências e ou conflitos entre as normas e determinações efêmeras, os professores e as escolas tendem às ações desarticuladas e descontínuas. O diálogo fica intransitivado numa mesma unidade escolar e entre as demais; é mais intransitivo ainda entre os dois níveis de educação: o Estado não dialoga com as Prefeituras e vice-versa. A natural seqüência que deve existir entre os níveis de escolaridade é, portanto, inexistente; em termos metodológicos, então, nem se fala! Em um a reprovação é um terror; noutro foi extirpada com a chamada “progressão continuada” que, na prática, transforma-se em aprovação automática.
O ensino fundamental, estruturado e posto em funcionamento pela Prefeitura do Rio de Janeiro, também vai mal das pernas mesmo que não evidencie o baixo desempenho dos seus alunos traduzido em número de reprovados. Em compensação, na mídia, é constante haver notícias de pais e mães reclamando que seus filhos terminam a escolaridade fundamental sem saber ler, escrever e fazer contas. Neste âmbito administrativo as secretárias têm mais tempo de permanência em suas pastas, mas isto não se exprime em continuidade de uma política para a melhoria da qualidade. Só em 2008, de abril a setembro, a Secretaria de Educação alterou radicalmente os procedimentos pedagógicos por meio de três resoluções. Os professores ficaram tontos sem saber o que fazer; os pais protestaram veementes e o sindicato dos professores precisou se mobilizar com alarde.

Divagando

  A rigor a esquerda latino-americana é radicalmente contra o neoliberalismo. A produção acadêmica dos anos 1990 para cá é um belo exemplo d...