30.5.08

Agressão a professores continua

O professor Valério Mariano dos Santos foi agredido, na quinta-feira (29), por um ex-aluno dentro da escola onde trabalha, na Ceilândia, cidade próxima a Brasília, segundo informações do G1 Globo.com. É lamentável, mas não é surpreendente. São crescentes os índices de agressão a professores pelo Brasil a fora. O mesmo occore quanto ao volume de estudos a respeito.
As causas para tal fenômeno são muitas e têm relação com a corrosão do caráter e dos valores na sociedade flexibilizada em que vivemos. Não vou porém discutí-las. Interessa-me agora tão somente chamar a atenção para a importância de uma figura importante na estrutura escolar, que os governantes sequer levam em consideração. Na cidade do Rio de Janeiro não se faz concurso para esta importante função há mais de 35 anos. Trata-se do inspetor de alunos, tido ainda como indispensável nas instituições particulares.
E por que atribuir tanta importância a ele?
No cotidiano escolar são eles que cuidam diretamente da disciplina nos espaços externos à sala de aula (pátios, quadras etc). Também eles impedem que os conflitos ocorram com violência nas salas de aula, sempre que são solicitados. Além disto são importantes sujeitos em todo processo pedagógico. Regra geral, são eles e os Professores de Educação Física aqueles que mais conhecem os alunos em espaços abertos onde a adrenalina está à flor da pele.
Eles são, portanto, sujeitos que atuam intermediariamente entre os professores e alunos impedindo que os conflitos ultrapassem as formas civilizadas de sociabilidade. Sem eles os professores e diretores são forçados intervir e a se exporem mais ainda às agressões físicas.

A orientação do Delegado de Ceilândia é que, sempre que um professor ou funcionário veja alguém suspeito na escola, ligue imediatamente para a polícia. O delegado erra em sua orientação ao igualar a escola aos botequins. Ex-alunos não são elementos suspeitos. Além disso têm motivos para voltar à escola, como por exemplo para solicitar algum documento, declaração etc. A orientação apenas serve para qualquer outro estabelecimento que não tenha funções educativas.

A sociedade não pode endossar tal orientação. Cabe-lhe, isto sim, com urgência e intensidade exigir das autoridades educacionais a presença já de inspetores de alunos nas escolas, e que não sejam terceirizados. Precisam ser estatutários (funcionários públicos) para que a sociedade tenha controle das suas ações disciplinares e educativas.
Os professores pedem socorro.

17.5.08

A retórica do Senhor Ioschpe

O Senhor Gustavo Ioschpe, colunista da Revista Veja, formado magna cum laude pela University of Pennsylvania, Mestre em Desenvolvimento Econômico e Economia Internacional pela Yale University, consultor de projeto do Banco Mundial/PNUD para o MEC desde 2005, tem uma retórica deveras lancinante. Na edição da Revista Veja, do dia 14 de maio de 2008, usou-a para desancar alguns verborrágicos "pesquisadores” (aspeado por ele), tais como Emir Sader, Lucyelle Cristina Pasqualotto e Amelia Hamze, acusando-os de “associar o nosso fracasso educacional com as maquinações do sistema capitalista/neoliberal”.

Não me cabe aqui a defesa dos citados, até porque são capazes de defenderem-se melhor e por si mesmos. Tampouco pretendo bater boca com quem tem sobrenome de banco de investimentos e pode ser um belo rebento de portentosa família de sangue nobre. Muito modestamente pretendo tão somente chamar a atenção de meus poucos leitores, outros bloggers com certeza, para alguns pontos que precisam ser abordados a bem da verdade. E começo pelo sentido do termo “retórica”.

Gustavo de Britto Freire Pacheco, em seu artigo Retórica e Nova Retórica: A Tradição Grega e a Teoria da Argumentação de Chaim Perelman (disponível no site: http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito), ao comparar as diferentes definições do termo coloca em evidência os seus traços comuns desde a antiguidade grega e será de grande valia para nossos objetivos. O que primeiramente nos mostra é o caráter de persuasão da retórica por meio de discurso, sem recorrer a dados empíricos ou à violência; apenas usando a habilidade argumentativa. Em seguida vem a despreocupação e o descompromisso da retórica e, portanto, dos retóricos com a verdade. E para não cansar os meus próprios leitores, vale trazer à luz o último dos traços levantados por Pacheco:

A retórica não se limita a transmitir noções neutras e assépticas, mas tem sempre em vista um determinado comportamento concreto resultante da persuasão por ela exercida, já que se propõe a modificar não só as convicções, mas também as atitudes.

A mais simples consideração do termo retórica já delimita o espaço que o Senhor Ioschpe ocupa no debate sobre as mazelas da educação no Brasil. É um lugar distante das observações empíricas, aonde sequer parece haver fotografias de uma das muitas salas de aula brasileiras, daquelas que constituem nosso padrão de qualidade. Se houvesse ao menos uma, o Sr. Ioschpe veria o contraste com a sala de aula coreana estampada. Dados publicados em 1994, por seu colega Cláudio Moura Castro, igualmente consultor do Banco Mundial desde 1992 e colunista da mesma revista, poderiam levá-lo a descer de seu palanque retórico e talvez a aceitar que a “verborragia” de alguns pesquisadores está ao lado da justiça, igualdade, democracia e outros valores de igual importância. Não fazem eles o simples jogo de contraposição das reflexões marxistas a elementos do processo sociometabólico do capital. Eles antes são honestos e demonstram os seus compromissos com as classes populares e oprimidas e com o tipo de sociedade que queremos.

Eis algumas contribuições de Moura Castro (Educação Brasileira: consertos e remendos, Rocco, 1994):

27% das nossas escolas não têm água corrente, nem poço e nem nascente (48% no Nordeste) apenas metade das escolas tem banheiro dentro do prédio e um quarto não tem de espécie alguma. Metade tem luz elétrica e apenas 27% tem bom estado de conservação. Em um quarto das escolas, sequer há uma mesa para a professora (34% no Nordeste). 35% das cadeiras estão em mal estado (o que vem a ser uma escola onde a maioria sequer tem bancos e mesas?). Das salas de aulas visitadas, 75% não tinham um mapa pendurado na parede. 72% não tinham nenhum equipamento pedagógico além do quadro de giz.

Vamos frisar bem: nada do que está transcrito acima foi retirado de um livro de qualquer pesquisador marxista ou inscrito em qualquer partido de esquerda. Todas as letras foram escritas por Moura Castro, embasadas em observações de campo com indiscutível comprovação quantitativa. Ele, como o seu colega da Revista Veja, é graduado em Economia, também tem Mestrado pela Universidade de Yale, e é doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt. Durante anos ensinou na PUC/Rio, Fundação Getúlio Vargas, Universidade de Chicago, Universidade de Brasília, Universidade de Genebra e Universidade da Borgonha. É, portanto, um autor que não “se confunde com qualquer operação matemática ou estatística que requeira sofisticação maior do que calcular o troco do táxi” e tem coragem de encerrar seu livro atribuindo aos falastrões o desastre da educação brasileira.

E quem são estes falastrões? Eu particularmente penso que são aqueles que falam de educação sem dominar o assunto, sem conhecer o estado real de nosso sistema educacional, da educação infantil à educação superior. São arautos de determinados grupos ou grupelhos muito interessados na rentabilidade das bolsas, no ganho do capital especulativo, no alinhamento do país aos centros hegemônicos do capital sem medir as conseqüências para a maioria da população brasileira.

Mas, para não citar apenas Moura Castro, eis alguns problemas que a PNAD 2005 do IBGE nos mostra: falta de energia elétrica, de biblioteca, de quadra de esporte e até de sala de aula para acomodar alunos de séries diferentes. É o mesmo IBGE que nos mostra a indigência dos nossos alunos e escolas, não apenas por nossa causa - os seus professores. As causas devem ser antes ser buscadas nas estruturas reprodutoras dos grupos financistas, clientelistas, patrimonialistas, eleitoreiros, demagógicos e outros de igual índole, todos porém comprometidos com o sistema de capital.
Lamentável é que diante do quadro desolador de nosso sistema escolar, em muito aspecto comparável ao dos países mais pobres da África, América Latina e do Oriente, nossas políticas públicas para a educação desprezam o real, são feitas em gabinetes refrigerados e, quase geralmente, vêm de cima para baixo. O MEC, por exemplo, em recente declaração de seu Ministro, ao invés de atender primeiro as necessidades mais básicas, vem deleteriamente, com arroubos que beneficiam de imediato o mercado de produtos informáticos, propor ações de instalação de laboratórios de informática nas escolas públicas de 5ª a 8ª séries, num primeiro momento, e depois de 1ª a 4ª. Segundo o MEC governo planeja ainda levar computadores com acesso a internet para as escolas da área rural (Agência Brasil. Disponível no site www.agenciabrasil.gov.br/ Última modificação em 7 de Abril de 2007 - 16h02). Não importa se as escolas tenham luz ou não.

Mas voltemos à retórica do Senhor Ioschpe para definitivamente ressaltar o desserviço que ela presta à educação brasileira, inclusive porque sequer aponta caminhos de superação da “anotomia do desastre” feita pelo próprio Moura Castro. Ideologicamente ela se presta a pregar a cizânia talvez esperando que os mais incautos abandonem as prédicas daqueles que estão comprometidos com a distribuição da riqueza nacional, igualdade de direitos e condições, equidade etc. Alinha-se o Senhor Ioschpe aos falastrões mais preocupados com o lustro comprado no estrangeiro, àqueles com posições na mídia para angariar clientelas desvairadas como trampolim para algum posto iluminado por spots da Daslu.

Senhor Ioschpe, faço-lhe um convite ao: quando quiser conhecer escolas e um pouco da realidade educacional brasileira, posso prazerosamente acompanhá-lo, e nem precisaremos sair da cidade do Rio de Janeiro, a capital cultural do Brasil.

11.5.08

Crianças são aprovadas em vestibular no Estado do Rio de Janeiro

O Fantástico do dia 04/05/2008 denunciou, em boa matéria, o que certas universidades particulares estão fazendo para ter alunos. Seus vestibulares são tão fáceis que até crianças de 09 a 11 anos são capazes de serem aprovados e obter boas classificações. Um pró-reitor e o presidente da ANUP, com a maior desfaçatez, acham que é isto mesmo: não interessa saber de ponto de corte e que o negócio é esse mesmo já que as universidades públicas ficam com o melhor alunado.
A matéria, contudo, pode gerar a necessidade de se questionar o vestibular de todas as universidades e criar falsas perspectivas. Reflitamos um pouco sobre isto.
1. O vestibular, como exame de seleção, portanto de discriminação de quem está ou não apto a entrar para as universidades, cumpre há mais de sessenta anos o seu papel. Os mais preparados de fato estão transpondo os elevados pontos de corte das universidades públicas, as mais disputadas, e sendo matriculados nos cursos de suas preferências.
2. Colocar em crise este modelo de seleção serve para tentar, no tapetão, virar a mesa fazendo convergir para as universidades privadas as melhores inteligências sem aumento de investimentos. Por que as universidades privadas, particularmente estas que estão nesta situação deplorável de péssimo desempenho medido por qualquer avaliação oficial, não investem em pesquisa, ensino e extensão? Por que não compõem os seus quadros com os melhores mestres e doutores?
3. Esta questão é séria e a sociedade precisa estar atenta: o derrame de diplomas que estas universidades e outras instituições de ensino superior promovem tem impactos sociais grandes; no mínimo forçam o barateamento dos salários de nível superior e colocam no mercado de trabalho profissionais mal preparados e com uma ética duvidosa.
4. A sociedade também precisa pressionar os responsáveis pelas políticas educacionais no sentido de ampliar a oferta e a qualidade do ensino básico. É ai que está o problema, o qual exerce pressões de baixo para cima e, portanto, o debate em torno do vestibular.
5. Por fim, a sociedade precisa pressionar também sobre a expansão das instituições de ensino superior de modo a regulá-la. O mercado de diplomas, do qual Bourdieu nos fala, precisa ser regulado por uma ética rigorosa, principalmente quando sabemos que a construção de uma sociedade democrática, justa, fraterna, com homens de compromisso, palavra e historicamente abalizados, depende de profissionais minimamente com estes valores, e não apenas interessados na utilização dos seus diplomas e currículos para fazer dinheiro fácil.
O debate está aberto e todos precisamos ter compromissos com ele.

Divagando

  A rigor a esquerda latino-americana é radicalmente contra o neoliberalismo. A produção acadêmica dos anos 1990 para cá é um belo exemplo d...