28.10.18

O “mito” Bolsonaro e a proposta de EAD para crianças e jovens.



A proposta de Educação à Distância (EAD) até para a alfabetização de crianças da educação infantil e fundamental está longe de ser um ato tresloucado do candidato ex-capitão Jair Messias Bolsonaro. Supõe cobertura universal com baixo custo, além de diminuir a quantidade de defensores e propagadores da ideologia de gênero, das ideias evolucionistas de Darwin e reprodutores das ideias de igualdade, fraternidade e democracia. 

A necessidade de merecer algumas reflexões é imperativa, a começar pelo fato de a eletricidade de qualidade e o sinal de banda larga estarem longe de ser universalizados no território brasileiro. Em muitas localidades a luz elétrica é precária: são muitos os picos e interrupções que liquidam os computadores, e o sinal de Internet é de desesperar os usuários, além de serem caros. Pretender, portanto, estender a EAD sem resolver a infraestrutura necessária é o primeiro sintoma de insanidade mental.

O Brasil está próximo de universalizar a educação básica presencial, apenas 2,8 milhões de crianças e jovens, entre 4 e 17 anos, ainda deixam de estar matriculados e frequentando às aulas. As razões dessa infrequência são muitas e têm início na situação de pobreza em que vivem e nas dificuldades de acesso. Grande quantidade vive em meio rural e áreas muito interiorizadas, às vezes somente com acesso fluvial e sem fornecimento de energia elétrica. Oferecer a essa nossa gente uma modalidade de educação fundada em novas tecnologias de informação é, no mínimo, zombar da paciência alheia e atestar para si e publicamente o próprio grau de cegueira em questões educacionais.

O que o país precisa com urgência, como imperativo categórico, é de professores de qualidade e em regime de dedicação exclusiva para enfrentar os desafios concretos do cotidiano educacional. É um contrassenso absurdo demonstrar a intenção de realizar cortes na folha de pagamentos da educação, quando se precisa de mais e melhores professores bem remunerados.

Também ainda estamos longe de abrir mão da presença física das crianças e jovens nas escolas e nas salas de aulas. Ao contrário do que alguns “entendidos” possam considerar impedir o acesso e a permanência de crianças e jovens nas escolas, isso significa negar-lhes viver coletivamente os melhores anos de suas vidas, as trocas materiais e simbólicas que podem fazer no ambiente escolar e o desenvolvimento cognitivo potencial em interações com seus iguais e membros do corpo pedagógico. Fixá-las em suas casas e imediações, sob a atenção das mães ou cuidadoras, tornam-nos atávicos, presos aos seus locais de pertencimento e incapazes de se tornarem senhores do mundo criado divinamente para as suas delícias. O mesmo vale para colocar em perspectiva os impactos da educação familiar, também chamada de homeschooling, com muitos adeptos no Brasil, mas que, em boa hora, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

Como se ainda não bastassem os aspectos negativos mais evidentes, a proposta do candidato Jair Bolsonaro de estender a EAD à educação básica, como sói ocorrer a personalidades semelhantes, tem, ademais, importantes sinais de machismo, misoginia e patriarcalismo. De pronto recusa a ideia de igualdade dos direitos entre homens e mulheres, ao segregar as mães em seus lares e lhes imputar as responsabilidades da educação domiciliar e o acompanhamento das aulas à distância dos seus filhos pelo computador, rádio, televisão ou qualquer outro meio. Transparece-se com intensidade em tal proposta a repulsa ao contato com as mulheres em ambientes públicos, longe das dependências privadas da casa. Aviva-se – por fim, mas não por último - o velho e reacionário saudosismo das sociedades patriarcais perdidas no tempo histórico, quando as mulheres sequer tinham o direito de votar conforme as suas escolhas ou ausentar-se de sua casa sem o consentimento dos patres famílias. 

Somente ganham com a concretização dessa proposta os grandes grupos privados que oferecem essa modalidade de educação, incluindo os empresários vendedores de softs, hardwares e manutenção de máquinas. Ganham também as fundações e institutos culturais e educacionais que já atuam no ramo, do tipo Fundação Roberto Marinho, Instituto Ayrton Senna, Fundação Victor Civita e tantas outras.

O grande perdedor é a sociedade, nomeadamente as classes sociais mais pobres, já situadas perifericamente ao acesso à educação de qualidade referenciada socialmente, pública, laica e gratuita. São essas classes as que mais perdem, embora, paradoxalmente sejam aquelas que teimam em dar sustentação ao candidato ex-capitão.  

15.10.18

Cadê a Sociedade Educadora?


Desde sempre é difícil ser professor em qualquer nível ou modalidade de educação, nunca foi fácil. Sempre estivemos pressionados pelos saberes que os estudantes adquirem fora da escola. Nestes dias sombrios de ameaças físicas e simbólicas as nossas dificuldades aumentam e nos levam a muitas indagações, a começar por aquelas que nascem diante da massa de homens massa de ultradireita e esquerda que ameaça a nossa frágil democracia. A maioria passou por nossas classes escolares e hoje nos ameaça com a escola sem partido, com a militarização das escolas, banimento de livros contrários às suas ideias e até nos agridem fisicamente. Trata-nos a todos como subversivos como se isto fosse verdade e nos acusam de querermos pintar de vermelho a nossa bandeira, transformar o Brasil numa nova Cuba ou Venezuela. 

 Vivemos tempos de uma irracionalidade cruel que sequer percebe a contradição das suas afirmações: sempre acusou a escola de ser reprodutora do modo de viver, pensar e ser da classe dominante e agora vem a público nos acusar de ideologizadores do comunismo e da crise de valores que a sociedade atravessa. Teríamos nos libertado das estruturas autoritárias do sistema escolar que impõe os currículos, conteúdos, livros, procedimentos didáticos e controles pedagógicos e administrativos? Que poder é esse que atribuem a nós professores? Fizemos uma revolução sem nos darmos conta dela?

 Não, não somos os professores os responsáveis exclusivos pela libertação dessa massa de homens ignaros que picham igrejas, tatuam suásticas a canivete, perseguem negros e homossexuais, matam indígenas, hostilizam imigrantes, espancam, assassinam mulheres e agridem os seus opositores políticos. É preciso que a sociedade volte os seus olhos críticos para as demais agências educativas: famílias; igrejas; quarteis e hospitais; jornais e televisão; sindicatos, movimentos e organizações sociais; empresas públicas e privadas e se pergunte que tipo de educação têm oferecido. 
Apenas responsabilizar os professores é fácil e se manter cego à totalidade do problema é de uma miopia sem tamanho. 

A sociedade é que não está sendo educadora como deveria. É ela que não consolida e aprofunda os saberes adquiridos nas escolas, que não exige mediações importantes diante da realidade concreta. É ela que mercantiliza e empobrece a música, o cinema, as colunas de jornais, o teatro, os cultos religiosos, a ordem unida, as assembleias, as reuniões corporativas, as conversas familiares, os simples saraus e tertúlias nas praças.


Nós, os professores, não temos tamanha capacidade e abrangência.

2.10.18

De onde nascem os fascistas


Tenho por hipótese que os fascistas de qualquer idade nascem de uma existência individual espiritualmente pobre, pouco importando se têm ou não alta escolaridade, pautada por experiências próprias que formam os seus juízos de valor. Um fascista não faz mediações tendo como objeto a realidade, quando muito faz meditações como se fosse um monge, descoladas da realidade concreta e que acabam por produzir uma outra realidade que não é verdadeira, é mistificada.

Eles podem ter cursos de mestrado e doutorado, terem estudado nas melhores universidades, e não superarem a categoria de homens-massa. São homens e mulheres que não atuam por si mesmos; são dirigidos, influenciados e, com frequência, membros de clubes de serviços e organizações similares.

Regra geral se dizem neutros e indiferentes à política e a todas as questões sociais, a despeito de serem mulheres e homens, jovens e velhos. É comum à maioria a grande dificuldade de refutar argumentos bem elaborados porque nunca se envolvem em embates de ideias. Com facilidade aceitam como verdade o que lhes é dito pelo noticiário da TV, jornais e revistas informativas. Tendem a ser pródigos em clamores pelo controle militar da ordem social dadas as suas dificuldade de compreender a complexidade e a liberdade dos regimes democráticos.  

Os fascistas desde que nascem veem a pobreza e até se condoem com ela, mas a atribuem aos indivíduos, tidos por eles como preguiçosos e indolentes, sem se darem conta dos processos históricos que promovem a concentração de riquezas nas mãos de poucos. Em termos educacionais lhes é fácil dizer que a educação brasileira é péssima, mesmo que sequer saibam definir o que é uma educação de qualidade. Eles são rápidos em críticas e condenações ao sistema escolar e não se importam com as causas estruturais que lhes dão origem; poucos sabem que a maioria das escolas de ensino infantil e fundamental é da competência de municípios pobres; que 75% destes apenas contribuem economicamente com 0,6% para a composição do PIB; que 25% dos municípios contribuem com 0,1%; e que a maioria está sob o cabresto curto de políticos repassadores de emendas parlamentares, já que vivem sem verbas próprias para o oferecimento de serviços públicos de qualidade.

Os fascistas têm propensão de nascer em sociedades mais despolitizadas, nas quais as razões tendem a desaparecer e a ceder espaço ao domínio da irracionalidade – atualmente difundida e valorizada pelos intelectuais da pós-modernidade que insistem no extermínio dos tribunais da filosofia, história, sociologia, ética etc. como é o caso, por exemplo, do filósofo pós-moderno Richard Rorty. Nessa mesma sociedade, as famílias, os partidos e associações de classe, a mídia e as igrejas, o direito, os quarteis e demais agentes soem se eximir de suas responsabilidades educacionais, transferindo ao aparelho escolar a exclusividade de educar e instruir, como se estivessem plenos de capacidade para tal tarefa e recebessem financiamentos suficientes.

Os fascistas, sem nunca fazer as suas próprias mediações, se deixam cativar pelos seus pontos de vista externos e estéticos. Pouco lhes importam se tal ordem é autoritária, repressiva e classista; como eles conseguem viver o seu dia a dia submerso na própria alienação, teimam em advogar sempre a sua continuidade. Pouco se importam com a qualidade e a abrangência democrática dos regimes políticos, porque são incapazes de ter os seus próprios argumentos racionais; eles acompanham o que os seus amigos pensam; eles são maria-vai-com-as-outras. Com facilidade se tornam anticomunistas, homofóbicos, xenofóbicos etc. porque alguém lhes disse que os comunistas são perigosos, que os gays são degenerados e os imigrantes lhes tomam os postos de trabalho; só mudam de julgamento se seus influenciadores mudarem de opinião.

Os fascistas nascem e se multiplicam, portanto, em ambientes sociais e familiares onde os bons livros e autores, a boa música e seus compositores, as consagradas peças de teatro e os grandes dramaturgos, a política e a história foram destituídas dos seus lugares ou simplesmente queimados em praça pública, na Alemanha nazista, em 1933.

 Por estas razões não constitui surpresa que os indivíduos fascistas possam nascer até dentro das nossas próprias casas e ser nossos parentes e amigos mais próximos. Basta que o ambiente se caracterize pela pobreza de espírito.

Divagando

  A rigor a esquerda latino-americana é radicalmente contra o neoliberalismo. A produção acadêmica dos anos 1990 para cá é um belo exemplo d...