18.11.22

Divagando

 

A rigor a esquerda latino-americana é radicalmente contra o neoliberalismo. A produção acadêmica dos anos 1990 para cá é um belo exemplo do esforço que se fez de combate ao liberalismo e suas variações vindas de várias partes do mundo. É interessante nisto tudo uma certa dissociação entre a teoria e a prática, muito clara em setores que se deixaram contaminar mesmo fazendo as mais ferrenhas críticas.

A querida Marilena Chauí nos disse com todas as letras que o pós-modernismo era a ideologia do neoliberalismo, mas muita gente desprezou esta sua afirmação. E o pós-modernismo grassou sem que houvesse grande preocupação com a sua expansão como tiririca-do-brejo e os seus efeitos daninhos.

No campo da educação isto significou um derrame de diplomas sem conteúdo porque a sentença neoliberal inculcou que o mercado é o grande juiz, é ele quem seleciona os melhores. E junto com tal sentença veio para o proscênio das nossas vidas o darwinismo social. Os donos de instituições particulares a interpretaram literalmente, afinal reprovar algum estudante medíocre significava perder dinheiro, deixasse a sua reprovação para o mercado de trabalho.

As artes não ficaram para trás. Afirmando que a criatividade morreu, liberaram o campo até para quem estivesse destituído do mínimo talento. Nas palavras de Jameson, “nesse ambiente, as imagens, os signos, tudo parece dado a uma apreciação estética, imediatista e presentista, sem nenhum projeto crítico amplo que o dê suporte e sentido”. Tudo, absolutamente tudo, na ausência das críticas típicas do modernismo, o campo artístico foi inundado pelo pastiche, na maioria das vezes em sua forma mais efêmera e cínica.

 

3.11.22

Uma cruzada nacional de amor contra o bolsonarismo e o obscurantismo educacional.

 


O Colégio Eleitoral brasileiro tem um número de eleitores (156.454.011) maior que a população de países como a França, Inglaterra, Espanha, Alemanha e muitos outros. Os números dos nossos indicadores, quase sem exceção, não apenas mostram a grandiosidade do Brasil, mas coloca os habitantes daqueles países no modo perplexidade. E, de fato, não é para menos. Nesta eleição, os eleitores do Presidente Lula (60.345.999) equivalem a toda a população da Itália. Os de seu concorrente, somaram mais de 58 milhões.

Em termos quantitativos é este o quadro que se desenhou neste segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Contudo, o que preocupa a todos, com um mínimo de sensatez, é a qualidade dos 58 milhões de votos que definem o bolsonarismo. Eles avalizam a morte de milhares de vítimas por incúria e perversidade do governante, as queimadas e destruição dos grandes biomas brasileiros, a redução antipática e inumana das políticas sociais, a volta avassaladora da fome, a liquidação de direitos trabalhistas e sociais, a violência contra homoafetivos, mulheres, negros, indígenas e quilombolas e até o isolamento do país no concerto das nações. Os eleitores de Bolsonaro, além disso, dificilmente titubeariam para restabelecer a ditadura militar, a tortura, a suspensão do habeas corpus... a violência e a intolerância passaram a ser a marca registrada deles. Sérgio Buarque de Hollanda ficaria ruborizado e envergonhado ao ver o seu homem cordial mostrando as entranhas que ele jamais poderia imaginar que camuflam a violência que herdou das práticas escravistas; da incrível capacidade de fraudar, extorquir, subornar; submeter as populações mais vulneráveis às suas sanhas de riqueza, poder e prestígio. O que une todos estes homens brancos “cordiais”, por mais díspares e de origens sociais diferentes, é, nos dizeres de Thompson (1977), o “modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do “conjunto de suas relações sociais”, com a cultura e as expectativas a elas transmitidas e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural”. O que faz do bolsonarismo uma massa ignara e bastante uniforme é a defesa que os mais pobres dos seus integrantes – pouco importa que sejam negros, pobres, homossexuais e mulheres ameaçadas de feminicídio – fazem do modo de vida da elite. Todos se acham como seus integrantes. Como o personagem Caco Antibes, do hilariante “Toma lá, dá cá”, eles também têm horror aos pobres e os contemplam de apartamentos mal enjambrados do Jambalaya Ocean Drive.

A despeito das muitas teorias que podem explicar tal fenômeno, entre todas é preciso atribuir à educação brasileira um grande grau de responsabilidade para a sua existência, dada a crônica incapacidade de “educar para afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza” (Brasil/BNCC, 2013), e cumprimento da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) para a construção de um mundo sustentável sem pobreza e sem comprometer a qualidade de vida das próximas gerações. De certo modo, tal onda bolsonarista, e não é descabido afirmar, é o preço que a oferta de educação de baixa qualidade vem cobrando da sociedade. Como se não bastassem os prejuízos econômicos e os atrasos que impõe à nossa competitividade internacional, a sua hegemonia durante os últimos quatro anos fizeram o país recuar, nos dizeres da principal liderança desta massa à Rádio Jornal, de Barretos (SP), seu principal objetivo é que o “Brasil volte a ser igual 40, 50 anos atrás”.

Os principais cientistas brasileiros há muito vêm denunciando a precariedade da educação oferecida às nossas crianças e jovens e o impacto negativo que promove em nosso desenvolvimento. A quantidade de estudos é impressionante, a maioria é baseada em dados empíricos. A própria OCDE (Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), que aplica regularmente os exames do PISA (Leitura, Matemática e Ciências) em estudantes com 15 anos de idade, desde o primeiro exame realizado no ano 2000, vem se mostrando preocupada com o baixo desempenho dos estudantes brasileiros. Na ocasião, o desempenho deles ocupou a última posição entre os participantes. Em vinte e dois anos de aplicação dos testes do PISA, as melhorias conseguidas pelos nossos brasileirinhos são quase imperceptíveis e tendem a permanecer distantes e abaixo da média de desempenho dos seus colegas de outros países participantes.

Ao longo das últimas décadas, com os manuais do neoliberalismo em punho, o Estado jogou para o mercado a seleção dos melhores, condenando os demais a garantir as suas sobrevivências da maneira informal que conseguissem, bem como a dormir sob as incertezas do tempo próximo aos pontos em que montavam as suas bancas de vender desde pequenos ralos para pias à última novidade vinda do Oriente. Os fracassados, bombardeados pela ideologia da meritocracia, foram deixados à própria sorte e a buscar ajuda divina junto a igrejas e pregadores inescrupulosos. Com o Movimento Escola Sem Partido, os conservadores em geral, e os bolsonaristas em particular, se dispuseram a varrer das escolas as disciplinas de História, Geografia, Sociologia e Filosofia admitindo o elitismo estrutural da sociedade que tanto nega a qualificação do estudante para o trabalho improdutivo quanto o alargamento de sua compreensão de mundo. A ideia é que as escolas somente sejam aparelhadas para instruir para o trabalho imediato, de preferência organizada em bases militares.

Estamos perdendo décadas no oferecimento de educação pública de qualidade referenciada socialmente. Nos anos 1990 o IPEA chamou muito atenção para o fato de termos perdido a década de 1980. De lá para cá, pouco ou nada se fez com resultados robustos. Nestas duas décadas do século XXI o que se vê é estarrecedor. É cada vez maior as retrações de verbas, ausência de preocupações sérias com a formação de professores e ataques à liberdade de ensinar. A despeito da vigência das Bases Nacionais Curriculares Comuns, BNCC (2018), em sã consciência é impossível afirmar que os nossos estudantes passaram a ser capazes de “entender e explicar a realidade, colaborar com a sociedade e continuar a aprender; investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções; fruir e participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural; expressar-se e partilhar informações, sentimentos, ideias, experiências e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo; comunicar-se, acessar e produzir informações e conhecimento, resolver problemas e exercer protagonismo de autoria; entender o mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas à cidadania e ao seu projeto de vida com liberdade, autonomia, criticidade e responsabilidade; formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns com base em direitos humanos, consciência socioambiental, consumo responsável e ética; cuidar da saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções e a dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas; fazer-se respeitar e promover o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade, sem preconceito de qualquer natureza; tomar decisões com princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e democráticos” (Educação online)

Quem já teve a oportunidade de debater alguma ideia com algum adulto ou jovem identificados com o bolsonarismo, que chamam o presidente de “mito”, pode comprovar com facilidade o quão longe estão da aquisição das competências da BNCC ou dos princípios e objetivos que norteiam e justificam a nossa Lei de Diretrizes e Bases (LDB).

A vitória do Presidente Luis Inácio Lula da Silva nestas eleições presidenciais é o renascer da esperança. Caberá ao seu ministro da educação empreender uma cruzada contra o obscurantismo que alimenta a massa de 58.206.354 votos e estancar a produção de novos indivíduos dispostos a negar os avanços da ciência, a acreditar que a Terra é plana e a preferir a Bíblia à Constituição. Será este ministro o líder de uma cruzada de amor contra o bolsonarismo e o obscurantismo educacional.


Publicado no Brasil 247 - https://www.brasil247.com/blog/uma-cruzada-nacional-de-amor-contra-o-bolsonarismo-e-o-obscurantismo-educacional 

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