9.12.12

Ensino Superior e Qualidade. Qual qualidade?

(Entrevista concedida a Renato Deccache, publicada no Caderno Educação, na edição de 11 de dezembro de 2012)

FOLHA DIRIGIDA — De acordo com os dados do IGC divulgados na última quinta, 30% das instituições de ensino superior obtiveram IGC 1 ou 2, em uma escala que varia de 1 a 5. A maior parte destas instituições é do setor privado. Este resultado o surpreende? Ou evidencia o quadro da qualidade (ou falta dela) no ensino superior do país?
ZACARIAS GAMAA única surpresa neste resultado é o esforço de diversas Instituições de Ensino Superior particulares (IES) terem saído dos níveis 1 e 2. Mas isto ainda quer dizer pouca coisa, na medida em que o IGC é um índice composto. Ele se compõe de três elementos: rendimento dos alunos (55%), Infraestrutura (15%) e corpo docente (15%). Uma pequena melhoria em qualquer dos componentes melhora quantitativamente o IGC final. Mas é preciso muita cautela antes afirmar positivamente que a oferta de ensino nas IES privadas está melhorando significativamente. É possível que os estudantes tenham sido adestrados para o Exame Nacional de Desempenho, como é comum nos cursos preparatórios para os vestibulares das IES públicas; que determinadas obras infraestruturais tenham sido feitas para melhorar o componente do IGC; e ter havido a contratação de muitos mestres e doutores. Mas é preciso ainda questionar tanto as obras físicas quanto a qualidade dos mestres e doutores. O derrame de títulos obtidos em instituições privadas é estarrecedor. Grande parte delas nem sempre têm recomendação da CAPES, a agência reguladora dos cursos de pós-graduação do País.

FOLHA DIRIGIDA — O governo deveria ser mais duro com instituições de desempenho ruim? O que deveria ser feito?
ZACARIAS GAMA - Claro que sim. O derrame de títulos de graduação e pós-graduação tem impacto direto no mercado de diplomas, forçando as remunerações para baixo, incidindo sobre a qualidade da oferta de ensino e sobre a própria segurança da sociedade. A OAB vive denunciando a qualidade dos jovens advogados que pleiteiam a licença para advogar. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo recentemente também veio a público para denunciar a quantidade de jovens médicos reprovados em exames para obtenção da licença profissional. Muito embora o magistério não tenha exames semelhantes, os concursos das diversas secretarias estaduais e municipais de educação também têm muitos candidatos reprovados oriundos de instituições particulares de ensino superior; os candidatos que são aprovados têm muitas dificuldades para progredir como professores.

FOLHA DIRIGIDA — A justificativa mais comum das instituições mal avaliadas é que o desempenho no ENADE tem um peso muito grande no IGC. E, como, segundo eles, os alunos não têm interesse em responder bem a prova, a instituição acaba prejudicada. Em sua opinião, esta justificativa é válida? Por quê?
ZACARIAS GAMAEsta justifica não tem validade. Não há necessidade de diminuir este percentual. Cabe a estas instituições desenvolver modos de superação, isto é, de oferecer melhor qualidade de ensino. No atletismo, por exemplo, o atleta precisa se esforçar para ultrapassar determinada marca. Houvesse diminuições de marcas, teríamos os belos esforços de superação e os recordes que nos surpreendem? Quanto à questão do interesse penso que, em se tratando de avaliação dos cursos das Instituições de Ensino Superior não ter interesse é uma coisa, obter baixo desempenho no ENADE é coisa de outra natureza. A falta de interesse estudantil se reflete nas faltas ao exame. O baixo desempenho, ao contrário, está diretamente relacionado com a qualidade de respostas dos estudantes que fizeram as provas. É o conjunto destas notas que é computado e isto somente tem a ver com a qualidade de ensino ofertada. As IES particulares e públicas com baixo IGC, por esta razão, precisam ser objeto de investigação e intervenção do MEC, INEP e CAPES. A voracidade gananciosa de realizar fortunas com a oferta de ensino em instituições privadas precisa ser contida imediatamente. Estes resultados obtidos junto a 8.665 cursos das áreas de ciências exatas e dos eixos tecnológicos de controle e processos industriais, informação e comunicação, infraestrutura e produção industrial demonstram os riscos aos quais estão expostas estas áreas e os seus eixos. Como sustentar nosso desenvolvimento atual e futuro? Precisaremos importar esta mão de obra qualificada? Que prejuízos representam para a sociedade e para a nossa própria segurança nacional?

FOLHA DIRIGIDA — As instituições públicas, em geral, obtêm melhores resultados que as do setor privado, no IGC. A seu ver, por que isto acontece? O que existe nas instituições públicas que ainda falta no setor privado?
ZACARIAS GAMAApesar das campanhas ideológicas contra as Instituições de Ensino Superior públicas, das pressões privatistas que dificultam repasses de verbas, da incompreensão das nossas autoridades sobre a importância da centralidade que elas devem ter em um projeto de construção de uma nação forte e soberana e do abandono a que estão relegadas, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão que existe nelas é uma das chaves deste sucesso. Outras chaves são a dedicação exclusiva, vital para o desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão. os programas de capacitação docente (PROCADs), as licenças para estudos de pós-graduação stricto sensu no Brasil e no Exterior, os financiamentos para estudos e pesquisas etc. Enquanto estas chaves existem e estão a disposição na IES públicas somente em poucas IES elas existem e podem ser acessadas. Nelas a ideia de lucratividade é o que predomina e o até o uso de novas tecnologias nas práticas de ensino são restritivas. Os tabletes que oferecem “gratuitamente” no ato das matrículas, por exemplo, restringem os estudantes aos seus conteúdos das mesma forma que as famosas apostilas usadas em cursos de adestramento para aprovação em concursos e vestibulares.

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