20.10.13

Cadê o direito de greve dos professores? Cadê a valorização do magistério?

As redes de escolas públicas municipais, estaduais e da FAETEC estão paradas há quase dois meses na capital e no interior do Estado do Rio de Janeiro. Os professores estão nas ruas, em passeatas que mais parecem um mar de gente gritando “Fora Cabral, vá com Paes”. Os alunos, por sua vez, estão casa sem aulas infernizando a vida dos pais fora do período de férias. A imprensa e as autoridades públicas lamentam diariamente o “prejuízo” que esta paralisação trás para as crianças e seus familiares; nas avenidas a repressão policial comete os exageros de costume.

Em períodos de greves isso é o que comum. Ambos os lados se atacam mutuamente e um tenta desmoralizar o outro. Cada um por seus próprios meios e estratégias se esforça para ganhar o apoio da sociedade. Os governantes exaltam os prejuízos sociais de uma greve por mais curta que seja. Os grevistas acusam as autoridades de insensíveis às suas reivindicações. É uma guerra psicológica e ideológica que parece não ter fim. Mas por que tem de ser assim?

Alguma coisa certamente está fora dos eixos porque as greves são asseguradas pelo Artigo 9º da Constituição Brasileira de 1988. Ela tanto assegura o direito de greve como o direito de uma categoria profissional decidir sobre a oportunidade de realiza-la. Conforme o Art. 37, VII, uma greve será ilegal se deixar de ser exercida nos termos e nos limites definidos em lei específica. Ambos os lados sabem disso. Os sindicatos cuidam para que não sejam levados às barras dos tribunais. O Estado no Brasil parece, porém, jamais se preparar para os dias de greve evitando os graves prejuízos para a população, ao contrário do que fazem as categorias profissionais. Enquanto elas se preparam durante o período de “estado de greve” que as suas assembleias deliberam; se organizando para a radicalização que se anuncia no horizonte, as nossas autoridades apenas dão inicio à guerra psicológica e ideológica. Do lado das categorias algumas formam fundos de greve face às possíveis suspensões de salários, cuidam para que serviços essenciais não sejam interrompidos, contratam carros de som, pintam faixas etc. E do lado do Estado? Concretamente só a Polícia Militar e o Batalhão de Choque entram em estado de prontidão, encomenda mais de spray de pimenta, reveem as suas táticas e melhor se aparelham para reprimir os distúrbios de ruas e prender manifestantes mais ousados.

Em diversos países europeus a ação do Estado na antevéspera de uma greve é a de se organizar para garantir o direito de greve e evitar grandes problemas e prejuízos para a sociedade. Quando estive em Portugal realizando uma investigação de campo para a minha pesquisa sobre a reforma das universidades europeias (Nov.2011 – Mai.2012) tive a oportunidade de vivenciar as ações do Estado diante de três greves gerais e algumas outras greves setoriais. Nas greves da FENPROF – Federação Nacional de Professores, por exemplo, foi garantido integralmente aos professores o direito de greve. O Estado cuidou para que as escolas funcionassem com atividades extraclasses para os alunos entendendo que a vida dos pais não poderia ser tumultuada com as crianças em casa e sem o que fazer. Durante toda a extensão da greve se garantiu o fornecimento de merendas e alimentação escolar, assim como os transportes de ida e volta das crianças e adolescentes de casa para as escolas. Nas greves gerais, quem não se envolveu pode exercer com bastante normalidade as suas atividades. O policiamento desmilitarizado presentes às manifestações cuidou de garantir o direito de greve; os grupamentos militarizados estavam, no entanto, de prontidão para reprimir quaisquer badernas quando, por acaso, fossem acionados.

Foi preciso que eu saísse do Brasil para testemunhar a ocorrência de greves em regimes verdadeiramente democráticos, nos quais os direitos sociais inscritos constitucionalmente são cláusulas pétreas e são cumpridos. Aqui, infelizmente, ainda estamos distantes da consolidação de um estado democrático com a estrita observação das cláusulas constitucionais que devem pautar a nossa vida cidadã e democrática. Nossa mídia que deveria zelar pela observação delas sequer promove debates acerca do desrespeito existente. Se eles fossem ao ar ou objetos de artigos e colunas, certamente nos deteríamos na apuração e julgamento das responsabilidades dos grevistas e do Estado. Estaríamos também cobrando das nossas autoridades públicas a garantia ao direito de Greve e o porquê de até hoje a justiça não ter sido chamada para arbitrar e decidir o conflito, conforme o previsto no § 3º do Art. 114 da nossa Constituição: Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

Os prejuízos que a sociedade pode ter com as greves não podem, portanto ser imputados unicamente aos grevistas. Cabe responsabilizar os Poderes Públicos por incúria. As nossas crianças estão em casa dando trabalho porque eles não se organizaram para lhes promover adequadas atividades extraclasses. A categoria docente sequer tem prejudicado os planos de cursos anuais; ela historicamente sempre repõe as aulas e conteúdos quando não lhe são descontados os dias parados.

Nesse momento difícil em fácil da greve prolongada dos docentes das escolas públicas da Capital e do Interior há, então, duas perguntas que precisam ser feitas pela sociedade com muita veemência ao Poder Público: por que deixa de ser respeitado o direito de greve das categorias profissionais? Por que o Ministério Público do Trabalho ainda não foi acionado para dirimir o dissídio conforme as determinações do Plano Nacional de Educação 2011 – 2020 e da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 para a valorização da carreira docente?

A sociedade precisa também saber que a LDB é claríssima a respeito da valorização da carreira docente. O seu Art. 67 reza objetivamente que os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, lhes assegurará estatutos e planos de carreira, ingresso exclusivamente por concurso, aperfeiçoamento profissional continuado com licenciamento periódico remunerado, piso salarial profissional, progressão funcional baseada na titulação ou habilitação e na avaliação do desempenho, período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho, e condições adequadas de trabalho.

Por que as nossas autoridades públicas não cumprem as leis de educação que elas próprias escrevem?






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