Zacarias Gama[1]
Em menos de uma quinzena, a sociedade brasileira assistiu boquiaberta
a dois graves atos de indisciplina em salas de aula. Em uma escola pública da
cidade de Carapicuíba - SP, estudantes de uma turma hostilizaram uma professora
arremessando-lhe livros e vandalizaram a sala de aula quebrando carteiras[2].
Na escola particular da próspera cidade de Simões Filho, no interior da Bahia, alguns
estudantes humilharam um professor veterano e o chamaram de fedorento, como se
pode ver na gravação que os próprios fizeram[3]
Nas redes sociais, nem é preciso dizer, ambos os casos
adquirem grande proporção e suscitam as mais diversas reações e opiniões. É
grande a facilidade de adjetivar os estudantes como grosseiros, animais selvagens,
vermes e filhos de lares desestruturados, ao que se segue o desejo de os ver
mofar na Fundação Casa. A generalização acaba por incluir a todos no mesmo
saco, como se não houvesse algum estudante de boa índole, estudioso e incapaz
de atos civilizados. De certa forma, querem caracterizar o alunado da escola
pública deste modo, nenhum presta.
As reações aos estudantes da escola particular soam
diferentes. A generalização cede lugar a outra forma de percepção: uns “vermes”,
bando de idiotas e vagabundos, uma reação praticada por alguns. Eles são tratados
como tendo outra natureza, os casos de indisciplina são isolados e merecem tratamento
especial do tipo “se fosse filho meu iria levar ao colégio para pedir desculpas
pra todos e iria bater nele na frente de todos”, “mano se eu pego uns vermes
desses que gostam de humilhar as pessoas , eu quebro no pau”
Em todas as falas de condenação aos atos de
violência a presença constante é o preconceito contra a coisa pública e seus
agentes. Na escola particular a violência aparece como evento isolado, quase
como exceção; na escola pública é o que a caracteriza, juntamente com a baixa
qualidade de ensino e os tais professores comunistas e freirianos. Nenhuma se detém
minimamente em alguma reflexão mais aprofundada. A condenação sumária está à
flor da pele e muitos corações se deixaram inundar de ódio. São incapazes de
observar a as diversas formas de violência escolar como aspectos das
contradições que são produzidas no trato da educação pública pelas autoridades
educacionais e pela sociedade. A redução dos seus financiamentos, sucateamento
generalizado, desvalorização social e salarial dos profissionais de educação, cortes
de pessoal de apoio, ao lado da obrigatoriedade escolar, diminuições de
exigências de aprendizado, currículos exclusivamente voltados para a formação
de mão de obra, prédios escolares malconservados e mal aparelhados, cria
espaços de tensões constantes, muitas vezes explosivas. Quem já parou para
pensar no que significa colocar trinta estudantes ou mais diante de professores
que a sociedade se encarrega de lhes diminuir a autoridade pedagógica
indispensável ou simplesmente considerá-los como profissionais fracassados,
incapazes de sustentar as próprias famílias com o rendimento dos seus salários?
Quem se sentiria confortável e disposto disciplinadamente a receber os
conhecimentos de alguém que somente tem como objetivo o proselitismo repudiado
por grande fração social, de alguém que, afinal de contas, vem sendo
desconsiderado como responsável pela transmissão de saberes construídos historicamente?
Sem qualquer pretensão de passar a mão na cabeça de
qualquer estudante indisciplinado ou postergar a necessidade imediata de
diminuir os indicadores de violência nas escolas brasileiras, sou de opinião
ser urgente à sociedade discutir o tipo de escolas públicas e particulares que
temos e que sonha ter, a atual percepção social dos professores, a baixa
remuneração de todos os profissionais de educação, a adequação das instalações
escolares e o aparelhamento didático-pedagógico delas para a realização de processos
de ensino de tempo integral.
Urge ainda que a sociedade se posicione firmemente
diante da famosa Emenda Constitucional do Teto de Gastos que congela durante
vinte anos os investimentos em educação de todos os níveis e modalidades, das
políticas do atual governo que desprezam as metas estabelecidas para serem
cumpridas até 2024 que definitivamente garantem a universalização da educação
pública, gratuita, laica e de qualidade referenciada socialmente e da
hostilidade governamental contra professores e universidades públicas.
Em outras palavras, a sociedade precisa subordinar a
educação nacional aos seus interesses de educar os seus filhos para além da condição
de simples trabalhadores mal renumerados, como se estivessem predestinados
divinamente a serem explorados pelo capital. Para além de futuros trabalhadores
os filhos de todos nós precisam ser educados para fruir as delícias existentes
no Planeta Terra.
Afinal, parafraseando o evangelista Marcos, o trabalho
é para o homem, mas o homem não é para o trabalho. Uma destinação maior está à
sua espera.
[1]
Professor Associado da Uerj. Ex-professor do Programa de Pós-graduação em
Políticas Públicas e Formação Humana. Coordenador Geral do Programa Desenvolvimento
e Educação – Teotonio dos Santos (ProDEd-TS) e membro do Comitê Gestor do Laboratório
de Políticas Públicas (LPP-UERJ).
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