29.6.19

O Capitão-Presidente, a instrução e a educação como meio de superação do homem egoísta.


Muitas pessoas têm sido favoráveis ao projeto de lei que institui a Escola Sem Partido, mesmo que não levem em consideração os seus efeitos. Defendem que à escola cabe apenas instruir; a educação é de competência das famílias em conformidade com os seus valores. 
O debate transcorre no campo da abstração, opondo alunos idealmente instruídos a outros corrompidos pelas ideias disseminadas pelos “petralhas” favoráveis à igualdade de gênero, aborto, divórcio, emancipação feminina etc. Até então nenhum exemplo concreto de homem instruído poderia ser trazido ao proscênio das discussões.

Mas, eis que o Capitão-Presidente passa a ocupar a boca da cena do grande teatro nacional, vestido em trajes simples, com uma sandália surrada e uma camisa não-oficial de time de futebol certamente comprada em algum camelô, como protótipo do homem instruído . Quando fala em público, os seus discursos são mais rápidos que o preparo de miojo e igualmente insossos; as entrevistas coletivas ou individuais que dá são marcadas pela rispidez e afirmações titubeantes que podem ser desditas na tarde do mesmo dia. As viagens internacionais e as respectivas gafes, estas então, são de corar os seus mais apaixonados defensores. Fico imaginando o seu sem-jeito diante de um prato de Filets de faisan au muscat et carottes braisés em um banquete servido pela rainha da Inglaterra e pedindo a algum assessor que lhe garanta um pão com leite condensado ou um hamburguer ao sair dos salões do Palácio de Buckingham. 
A cada dia fica cada vez mais claro a falta de educação do Capitão e a sua transformação em chacota pela imprensa do mundo afora. Mas sempre é bom frisar, ele foi bem instruído militarmente, embora possa ser considerado um homem sem educação de acordo com o ponto de vista piagetiano sobre o que é ser educado. O Capitão mal compara, ordena, categoriza, classifica, comprova, formula hipóteses “em uma ação interiorizada (pensamento) ou em ação efetiva (segundo seu grau de desenvolvimento)”[2]. As palavras incomuns são para ele como pedras em seus discursos. Nem as suas relações pessoais contribuíram para que se educasse para além da instrução recebida, considerando-se que a socialização com mentes simplórias e estrupícias pouco contribuem para a realização de mediações superiores que nos permitem chegar a acordos indispensáveis à convivência democrática e ao estabelecimento de uma sociedade justa, fraterna e livre. É, pois, a educação escolar e social, e não a instrução, que pode transformar a sociedade.

A própria UNESCO se situa no campo educacional para além das concepções favoráveis às escolas de instrução como existem e são formuladas pelos defensores da Escola Sem Partido. Para esta instituição mundial, o ato educacional pressupõe a “ajudar pessoas de todas as idades a entender melhor o mundo em que vivem, tratando da complexidade e do inter-relacionamento de problemas tais como pobreza, consumo predatório, degradação ambiental, deterioração urbana, saúde, conflitos e violação dos direitos humanos, que hoje ameaçam nosso futuro”[3]. Aos seus olhos, o nosso Capitão-Presidente está distante das preocupações para as quais orienta o ato de educar, é simplesmente um homem instruído na caserna, um homem em sua incompletude. Está anos-luz distante do que o atualmente combatido Paulo Freire nos diz a respeito de ser educado: educar-se é se humanizar e se constituir num que-fazer social-político-antropológico-ético.

Dai a necessidade de escolas que possam instruir e educar. A aquisição de conhecimentos a partir de dada instrução é importante, mas que não se restrinja a conhecimentos técnicos descontextualizados historicamente ou que seja capaz de privar ao educando o processo básico de seu desenvolvimento e relações com os outros e com o mundo. Apenas instruir é individualizar o ser que é naturalmente social, levá-lo a adquirir determinadas competências para as suas intervenções imediatas sobre os objetos da natureza, é tornar egoísta o homem. Educar, ao contrário, é conduzir o educando a assumir papeis preponderantes no processo social. É a educação que permite o desenvolvimento de dimensões importantes ao convívio humano, tais como a ética e determinada concepção elevada de mundo. É pela educação que o homem se humaniza e se socializa e é por meio do processo educacional que vislumbramos as gêneses das ações políticas. Só a educação supera o ser individual, coletivo, egoísta e apequenado. É ela a gênese do ser social, aquele que se une fraternalmente em nome da justiça, igualde e compartilhamento igualitário.

O Capitão-Presidente, coitado, a despeito das boas intenções que possa ter, é refém da instrução sem partido que recebeu.



[1] Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Educação. Membro do Comitê Gestor do Laboratório de Políticas Públicas – LPP, Coordenador Geral do Programa Desenvolvimento e Educação Teotonio dos Santos – ProDEd-TS, ex-professor do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana – PPFH.
[2] PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia. São Paulo: Summus, 1984
[3] UNESCO. Educação para o desenvolvimento sustentável. Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/education-for-sustainable-development/. Acesso em 29 de junho de 2019.

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