13.6.20

O ato educativo também precisa ser uma posição de classe


Classe e luta de classesIlustração Revista Piaui



Diante da ignorância de parcela considerável da sociedade brasileira, mais ou menos 30%, fico me perguntando se nós, o professorado, temos alguma parcela de responsabilidade na formação desta gente que sequer acredita nas milhares de mortes por Covid-19, que mitifica o senhor Jair Bolsonaro, que atribui a pandemia que assola o país à mídia, que acredita na forma plana da Terra e em muitas outras coisas mais que até Deus duvida. De onde saiu tanta gente analfabeta em tantos assuntos?
Em sã consciência é impossível culpar o professorado em sua totalidade. Mas não se pode fazer vistas grossas muito embora uma boa parcela seja bolsonarista de quatro costados e que o defende mesmo sabendo que este governo tem diversas medidas contra o magistério. Essa parcela docente precisa ser estudada. 
Tenho duas hipóteses a respeito. 
1. Ela vem sendo formada nas instituições de ensino superior, públicas e particulares, apenas em bases técnicas, isto é, para dar aulas de determinados conteúdos e ponto. E mesmo assim com um discutível domínio de conteúdo. O que sustenta esta hipótese é a baixa avaliação dos cursos de formação, públicos e particulares, no Ranking Universitário Folha (RUF). Dos 1800 cursos particulares e públicos existentes, mais ou menos 50%, são incapazes de atingir ao menos a metade da pontuação que os melhores são capazes de atingir. 
2. Os cursos de formação de professores definem o professor conforme a primeira parte da definição dada pelo dicionário Caldas Aulete: 
1. Indivíduo que se especializou em ensinar, em escola ou universidade; docente; mestre
2. Aquele que ensina algo (disciplina, atividade, arte, ofício, técnica etc.) a alguém
Parecem, talvez por conveniência, nunca ler no mesmo verbete que professor é “4. Aquele que professa (uma religião, uma dada concepção de mundo etc.)”.  E isto é muito ruim porque reduzem o professor a um sujeito técnico e asséptico, alienado por excelência. 
A soma das duas hipóteses tem como resultado um professor que conhece superficialmente o conteúdo de sua disciplina e, às vezes, de forma enviesada, e não está nem aí para a vida política, econômica, religiosa e cultural de sua gente. Nada questiona por insegurança e insuficiência de conhecimento. Sua formação e ele próprio se situam na contramão do que disse o mestre Paulo Freire: "a prática educativa, reconhecendo-se como prática política, se recusa a deixar-se aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes" (Freire, 2001)[1]
E onde está o campo de atuação deste docente? A resposta parece ser óbvia, ele atua na periferia das cidades, nas cidades mais pobres e no campo, ou seja, nos redutos políticos mais conservadores e reacionários, nos currais eleitorais dos piores políticos. Nestes redutos, para piorar as coisas, é obrigado a rezar pela cartilha do poder dominante e a se "aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes". Nestes redutos, não nos esqueçamos, está a força do bolsonarismo e do fundamentalismo religioso. Eles constituem os 30% da população que mantém o poder autoritário, antidemocrático e neofascista do atual governo. Neles, os professores realmente deixam de assumir a educação como ato político indispensável à emancipação popular. Suas escolas se transformam em espaços de neutralidade política, como se isto fosse possível, e sem nada a ver com a luta de classes. Como diria Paulo Freire, o a favor deles situa-os em um certo ângulo, que é de classe, que é bolsonarista. 
A constatação que faço torna imperativo que revejamos a formação de professores no Brasil. É preciso que seja revestida de equidade formativa. Todos os cursos precisam cuidar da formação técnica e política, nenhum professor pode abdicar, em suas aulas, de posições políticas, éticas, estéticas, urbanistas e ecológicas.
O ato educativo também precisa ser uma posição de classe, mas jamais a favor da classe dominante. 


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