Ilustração Revista Piaui
Diante da ignorância de parcela considerável da sociedade brasileira, mais ou menos 30%, fico me perguntando se nós, o professorado, temos alguma parcela de responsabilidade na formação desta gente que sequer acredita nas milhares de mortes por Covid-19, que mitifica o senhor Jair Bolsonaro, que atribui a pandemia que assola o país à mídia, que acredita na forma plana da Terra e em muitas outras coisas mais que até Deus duvida. De onde saiu tanta gente analfabeta em tantos assuntos?
Em sã consciência é impossível culpar o
professorado em sua totalidade. Mas não se pode fazer vistas grossas muito
embora uma boa parcela seja bolsonarista de quatro costados e que o defende
mesmo sabendo que este governo tem diversas medidas contra o magistério. Essa
parcela docente precisa ser estudada.
Tenho duas hipóteses a respeito.
1. Ela vem sendo formada nas instituições de
ensino superior, públicas e particulares, apenas em bases técnicas, isto é,
para dar aulas de determinados conteúdos e ponto. E mesmo assim com um
discutível domínio de conteúdo. O que sustenta esta hipótese é a baixa
avaliação dos cursos de formação, públicos e particulares, no Ranking
Universitário Folha (RUF). Dos 1800 cursos particulares e públicos existentes,
mais ou menos 50%, são incapazes de atingir ao menos a metade da pontuação que
os melhores são capazes de atingir.
2. Os cursos de formação de professores
definem o professor conforme a primeira parte da definição dada pelo dicionário
Caldas Aulete:
1. Indivíduo que se especializou em ensinar, em escola ou
universidade; docente; mestre
2. Aquele que ensina algo (disciplina, atividade, arte, ofício,
técnica etc.) a alguém.
Parecem, talvez por
conveniência, nunca ler no mesmo verbete que professor é “4. Aquele que professa (uma
religião, uma dada concepção de mundo etc.)”. E isto é muito ruim porque
reduzem o professor a um sujeito técnico e asséptico, alienado por
excelência.
A soma das duas hipóteses tem como
resultado um professor que conhece superficialmente o conteúdo de sua disciplina
e, às vezes, de forma enviesada, e não está nem aí para a vida política,
econômica, religiosa e cultural de sua gente. Nada questiona por insegurança e
insuficiência de conhecimento. Sua formação e ele próprio se situam na
contramão do que disse o mestre Paulo Freire: "a prática educativa, reconhecendo-se como
prática política, se recusa a deixar-se aprisionar na estreiteza burocrática de
procedimentos escolarizantes" (Freire, 2001)[1].
E onde está o campo de atuação deste docente?
A resposta parece ser óbvia, ele atua na periferia das cidades, nas cidades
mais pobres e no campo, ou seja, nos redutos políticos mais conservadores e
reacionários, nos currais eleitorais dos piores políticos. Nestes redutos, para
piorar as coisas, é obrigado a rezar pela cartilha do poder dominante e a se
"aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos
escolarizantes". Nestes redutos, não nos esqueçamos, está a força do
bolsonarismo e do fundamentalismo religioso. Eles constituem os 30% da
população que mantém o poder autoritário, antidemocrático e neofascista do
atual governo. Neles, os professores realmente deixam de assumir a educação
como ato político indispensável à emancipação popular. Suas escolas se
transformam em espaços de neutralidade política, como se isto fosse possível, e
sem nada a ver com a luta de classes. Como diria Paulo Freire, o a favor deles
situa-os em um certo ângulo, que é de classe, que é bolsonarista.
A constatação que faço torna imperativo que
revejamos a formação de professores no Brasil. É preciso que seja revestida de
equidade formativa. Todos os cursos precisam cuidar da formação técnica e
política, nenhum professor pode abdicar, em suas aulas, de posições políticas,
éticas, estéticas, urbanistas e ecológicas.
O ato educativo também precisa ser uma
posição de classe, mas jamais a favor da classe dominante.
[Publicado no site Justificando: http://www.justificando.com/2020/05/18/o-ato-educativo-tambem-precisa-ser-uma-posicao-de-classe/]
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