Enganam-se redondamente os pais que acreditam serem os seus filhos o resultado da educação que lhes deram. E se enganam por uma razão simples. Eles não são herméticos. Nós, como disse Marx, resultamos de múltiplas determinações.
As mães, intuitivamente, sabem disto e não por acaso a toda hora advertem os filhos sobre as suas companhias. "Não quero você andando com aquele grupo", "Não quero você indo àquele lugar". Elas sabem que podem perder os seus filhos para o lado negro da vida. A sabedoria materna intui que as alterações que observa nos filhos vêm de outras pessoas e outros lugares. E isto é uma verdade. As nossas interações sociais deixam marcas em nós, têm poder de nos transformar para o bem ou para o mal. Não passamos incólumes por elas.
Uma pesquisa que realizei com estudantes mulheres muito pobres teve como resultado a apreensão de determinações variadas sobre elas, das amigas feministas que não admitiam viver dependendo dos maridos, das tias e avós; elas lhes financiavam estudos, viagens e acessos a coisas variadas para que os(as) sobrinhos(as) e netos(as) tivessem oportunidades diferentes das que tiveram, e até de amigos(as) que compartilhavam experiências, gostos etc. Foi o caso de uma estudante muito pobre, filha de analfabetos e catadores de papel, com apurado jeito em artes, preferindo os impressionistas a outros, um gosto desenvolvido por influência de uma amiga da igreja.
São estas determinações, que nem sempre sabemos com exatidão as suas origens, que nos fazem como somos, independentemente de nossas origens, níveis socioeconômicos, cor, gênero... Uma criança que viva num ambiente sambista, trará o samba marcado em sua alma se não preferir o convívio com funqueiros ou com o pessoal do hip-hop. A primeira execução de uma sinfonia por Mozart, aos cinco anos, em Viena, jamais aconteceria se vivesse nas comunidades do Rio de Janeiro ouvindo samba, rap, funk e outros ritmos de matrizes africanas. Isto não quer dizer que as crianças e jovens destas comunidades estejam condenadas a serem musicalmente iguais, se elas conviverem e se deixarem influenciar por um grande violoncelista da Orquestra Sinfônica Brasileira pode ser que um dia façam uma audição no Teatro Municipal.
É por estas razões que não acredito em "dom" (gift). O dom é uma dádiva divina. A inteligência de Salomão foi um dom dado por Deus. E, os homens quando são incapazes de determinar a origem das coisas, atribuem-nas a Deus. Acredito, piamente, nas determinações históricas, culturais, nas interações dos homens com os fatos históricos, culturais, artísticos etc.
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