30.7.20

Um pontinha de tristeza

Há alguns anos atrás, mais precisamente no inicio de 2012, em um restaurante de Lisboa, conversava com um grande cientista da educação. Ele é português e ama as coisas do Brasil.  Percebi em seus olhos que deixava transparecer uma pontinha de tristeza. Depois de conversarmos sobre música, poesia e literatura brasileira, procurei que a trouxesse à superfície.
Rui Canário é o seu nome. E nem preciso dizer o tamanho da minha felicidade de estar ali com ele, conversando como grandes amigos.
Aos poucos foi trazendo para fora o que o entristecia e tudo se circunscrevia à universidade, àquela que vinha sendo construída pelo Processo de Bolonha, com todas as exigências de torná-las produtoras e vendedoras de conhecimento. O problema, contudo, não era a produção ou venda de conhecimentos, mas o modo como os jovens professores aceitavam o enquadramento da universidade às exigências do capital. Faziam poucas objeções e, na maioria das vezes, se deixavam determinar pelo que vinha da Comissão Europeia de Educação, viesse o que viesse. Pouco se importavam com o fim da autonomia universitária e muito menos se os objetos de estudo tivessem fins comerciais. A competição acadêmica em que se mergulhavam estava no cerne da questão. Era cada um por si, procurando as melhores avaliações e as melhores posições na máquina universitária. Atropelavam os pesquisadores seniores e produziam conforme a demanda. Conformavam a universidade operacional, tal como foi definida por Marilena Chauí.

Oito anos se passaram desde esta conversa. O país está infestado pelo novo coronavírus - Covid 19 - e o furor em oferecer ensino remoto aos isolados estudantes, faz-me ver que se repete aqui o que entristecia o amigo Rui Canário. A pandemia expôs entre nós o mesmo clima universitário que havia em Portugal. Jovens professores, em extrema competição, correm para oferecer ensino remoto, mas sem qualquer reflexão acerca dos impactos que pode produzir na vida da universidade. As preocupações com as atividades fins da universidade parecem inexistentes porque só se fala em oferecimento de ensino remoto: nada de pesquisa nem de extensão. Tampouco querem saber de dificuldades técnicas. Parecem viver numa bolha onde todos têm conexões de ponta e dominam todas as ferramentas de navegação no ciberespaço. Quem é pouco afeito a esta parafernália que se vire, o negócio agora é entrar nas ondas da WEB.

Jamais imaginei que teria a mesma pontinha de tristeza do Rui. Jamais imaginei preocupar-me com o assanhamento dos professores mais jovens. Eles estão vencendo e não sei qual será o resultado desse furor jovem. 



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