25.10.20

É suficiente bater as metas do IDEB?

 

Impressora 3D - Brasil Escola


O INEP divulgou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB - 2020) que, conforme a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases, é um indicador que informa à sociedade a quantas anda a corrida pelo oferecimento de educação de qualidade do Brasil. No Relatório é visível o esforço de municípios e estados para obter os melhores indicadores, merecendo destaque imediato os estado de Pernambuco e Ceará que já apresentam índices iguais e superiores a muitos estados das regiões Sul, Centro-oeste e Norte. Os municípios do Nordeste com os melhores índices estão nos estados do Ceará (Mucambo, 9.4; Independência, 9.1; Milhã, 8.7; Pires Ferreira, 8.5; Sobral, 8.4) e Alagoas (Coruripe, 8.9; Teotônio Vilela, 8.4). 

Quando se estabelece o Ideb 4.0 como ponto de corte, 11 estados ficam acima e os demais abaixo. As regiões NE e N têm a maior quantidade de estados com Ideb abaixo de 4.0 respectivamente sete e cinco), seguidas da região Centro Oeste, com dois estados. As regiões Sudeste e Sul, as mais ricas do país, têm cada uma, um estado que ainda não consegue um indicador igual a 4.0; estes são os estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina. 

O estado ou município que queira aumentar o seu IDEB precisa gerenciar a qualidade da educação que oferece. É o que se chama de controle da qualidade, tomado de empréstimo das grandes corporações industriais. O estado do Ceará parece estar se tornando uma espécie de expertise em tal gerenciamento e não por acaso vem surpreendendo o país com os índices obtidos. Internacionalmente o destaque vai para a gerencialista Polônia que, nos últimos anos vem aparecendo no Top 10 do ranking do PISA - OCDE.

A qualidade da educação que os estados e municípios mais bem sucedidos oferecem, no entanto, não tem garantia de ser para a vida toda. Parece qualidade e durabilidade de produto de $ 1,99: usar e jogar fora. Explico. A engenharia educacional traça o plano de trabalho e as suas metas; produz material adequado e facilitador ao cumprimento das metas; os professores operam com base nos manuais de produção de qualidade; os estudantes dão conta de produzir bons resultados desde que haja muita pressão da escola e das famílias. Em cidades do extremo Oriente como Hong-Kong, Cingapura, Taipei etc. é isto o que acontece e são campeãs nos rankings citados. Contudo, na correria para bater as metas esse gerencialismo da educação menospreza os processos de interação entre os alunos e de mediações importantes para elaborações superiores e mais complexas. Sem a devida atenção a estes dois processos as fixações são esquecidas com grande brevidade.

A educação ofertada na Finlândia não é gerencialista como na Polônia e alguns estados brasileiros. Educa-se para a vida toda e permite aos estudantes fortes momentos de interação (troca de conhecimentos entre pares, professores, familiares e amigos) e de mediações. Daí a sua presença constante nos rankings internacionais. A mediação - uma categoria filosófica - é o esforço mental que fazemos diante da realidade (buscando compreender e interpretá-la) ou diante de textos escritos procurando apreender os seus aspectos essenciais e mais subjetivos. É um constante alargamento da leitura de mundo, à qual se referia Paulo Freire. 

Por conta do gerencialismo produtor de elevados índices de qualidade a minha comemoração a tais conquistas é ainda muito tímida. É um avanço, sem dúvida e há que aplaudir todos os esforços realizados. Contudo, para atingirmos a educação de qualidade referenciada socialmente, isto é, reconhecida pela sociedade, é preciso ainda gerenciar não apenas o preparo para resolver provas, testes internacionais ou ter respostas na ponta da língua. Nossa educação precisa ter valor de uso, que permita ao educando não apenas ler o mundo, mas transforma-se a si mesmo e ao mundo; ser senhor de onde habita e do mundo, permitindo-se ser ainda, ao mesmo tempo, singular e universal. Também precisa ter valor de troca no sentido de garantir ao estudante a atenção às suas necessidades materiais e espirituais. Esta educação se faz com professores bem preparados e não apenas com professores batedores de metas, estes são bons funcionários sob ordens estritas ou rigorosos planos de trabalho, nada mais do isto.  

Precisamos desta educação de qualidade reconhecida pela sociedade com urgência, sobretudo para um tempo de aceleradas transformações promovidas pela Revolução Técnico-científica que, ao digitalizar o mundo do trabalho e da produção, vem expurgando trabalhadores desde os mais simples aos mais qualificados. Esta Revolução vem liquidando profissões e postos de trabalho, criando com voracidade uma nova pobreza constituída de ex-executivos endividados e desempregados, famílias flageladas por desastres naturais, herdeiros empobrecidos, sonegadores autuados, políticos e autoridades públicas vítimas de  graves processos de lacração social, "além das milhares de pessoas que sobrevivem com baixos salários em territórios de exclusão e possuem contratos precários de trabalho ou se encontram na informalidade e que precisam de assistência" (Jacy Curado, 2012). A extrema pobreza já atinge hoje 13,5 milhões de brasileiros e, segundo dados do 1º trimestre de 2020, 27,6 milhões perderam os seus empregos.

Por todas estas razões, somente bater as metas do IDEB é pouco. O Brasil com fome e desempregado exige mais, muito mais.  

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3 comentários:

Anônimo disse...

Os professores da educação básica foram transformados em "batedores de metas", sem crítica, sem reflexão. Nesse contexto, para que ter Sociologia ou filosofia?
Vitor Fernandes

APS disse...

Gostei do texto. Tenho defendido a ideia de que precisamos construir um consenso mínimo do que seria essa tal qualidade da educação pública. Tenho proposto cuidarmos de duas dimensões, cada uma subdividida em dois componentes. Adoraria conhecer sua opinião. Está no link abaixo:
https://m.youtube.com/watch?feature=youtu.be&v=s50H243V1Lo

Zacarias Gama disse...

Penso haver urgência de definirmos pontos de chegada. O meu conceito de qualidade está no alto valor de uso e troca da educação, jamais no sentido das competências e habilidades como querem. Mas uma educação que sirva ao estudante para conhecer mais e mais, tornar-se senhor das coisas sem egoísmo, usufruir as coisas que existem no Planeta Terra e sendo feliz. O valor de troca é a possibilidade de trocar conhecimentos complexos com seus companheiros, colocar-se a disposição na produção social.
O aperfeiçoamento da educação burguesa, escola inserida numa sociedade de classe, só "melhora" a sociedade burguesa e, consequentemente, as suas formas de exploração e acumulação. Não a supera. A história fundada no materialismo dialético é o caminho para a emancipação do conhecimento, para a libertação do sujeito, mas isto pode ser feito na própria estrutura burguesa sem qualquer ruptura com ela.

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