12.3.21

Pais que expõem os filhos à contaminação pelo coronavírus. Que pais são estes?



Em 2019 o debate sobre o "homeschooling" foi intenso. Mesmo quem não tinha filhos defendeu o direito de os pais educarem, eles próprios, os seus filhos em casa. Este debate veio na onda do Escola Sem Partido, um projeto saído de mentes conservadoras, retrógradas, machistas e misóginas que criticava o "marxismo cultural" hegemônico nas escolas brasileiras e visava proteger as crianças e jovens da ideologização feita pelos professores, como se todos fossem marxistas, comunistas...

Foi uma coisa de louco. De repente surgiram "especialistas" em educação doméstica e proliferaram os exemplos de sucesso vindos dos Estados Unidos. Eu mesmo participei da Comissão Julgadora de Mestrado, para o meu desgosto, na qual o mestrando escreveu um panegírico com o maior entusiasmo possível. A despeito das minhas críticas, a dissertação foi aprovada mais por seu aspecto formal do que pelo seu discutível conteúdo. 

Mas aí, chegou a pandemia de Covid-19, o isolamento social e a educação doméstica. Os pais se tornaram professores, explicadores, acompanhantes... Em junho já surgiam depoimentos nas redes sociais de pais que estavam mordendo os cotovelos. Eles sentiam na pele a dificuldade de ensinar uma criança pequena a escrever a palavra "bola" e o quanto é difícil o trato escolar com adolescentes. Pasmem, pela primeira vez em muito tempo, os professores passaram à categoria de heróis indispensáveis. Pais, mães, tios, avós começaram a sentir na própria pele as agruras do magistério. Começaram até a criticar a baixa remuneração e o desprestígio social dos professores.

O ano de 2021, para os pais com filhos pequenos e adolescentes, era pura esperança de um novo normal. O ano era como a pomba que traria o raminho de oliveira para mostrar aos passageiros da Arca de Noé que o dilúvio estava  passando. A pandemia seria vencida pela vacinação em massa. Os filhos voltariam para as escolas. Um novo normal se desenhava no horizonte. Pareciam ter esquecido o que é "homeschooling". Deixaram, porém, de considerar as trapalhadas e a incompetência do presidente que governa este país desde 2018. Ele, ao invés de liderar a superação da crise sanitária que ceifou - e ainda ceifa a vida de milhares - assumiu uma atitude de gente irresponsável: "É uma gripezinha". "Esta gente está de mi-mi-mi". "Um bando de maricas". "A máscara é sufocante". "Eu, com meu passado de atleta, não serei derrubado ". E pronunciou ainda muito outras bobagens. 

Resultado, 2021 começou mal, pior que o ano anterior. As comemorações de final de ano, o verão com praias lotadas, o carnaval e as irresponsáveis e grandes aglomerações promoveram uma segunda onda de matança e o  novas cepas do vírus, mais letais e fulminantes. Pressionado pelos pais, os sistemas de educação abriram e fecharam escolas, criaram ofertas híbridas (presenciais e remotas) e até o presente o consenso abrir ou fechar  está distante de ser conquistado. Escrevo este texto em março e, à falta de liderança nacional na luta pela vida, uma luzinha para se acender lá longe: os estados do Nordeste se organizaram em consórcio para tentar deter a mortandade. Na grande maioria, os governadores estão decretando medidas rígidas de restrição à circulação de  pessoas, comércio e escolas. e os filhos voltam a ficar em casa para desespero dos familiares. 

Em meio a esta pandemia o comportamento das famílias com filhos pequenos e adolescentes faz a gente chorar, tão grande a falta de noção e amor aos seus rebentos. A despeito de todos os riscos de contaminação pressionam para haver a volta às aulas. Preferem expor os filhos à contaminação a tê-los em casa e a praticar "homeschooling", o tão sonhado projeto de educar conforme os valores familiares. 

O comportamento de pais e mães está a merecer profundos e rigorosos estudos sociológicos, psicológicos etc. Eu não consigo entender o que se passa na cabeça deles. Por que preferem expor os seus filhos à contaminação por um vírus de tamanha letalidade a mantê-los em casa? Que amor de pai e mãe é este que prefere sujeitar os filhos aos perigos fora do lar? 

Fica ai o apelo aos sociólogos, psicanalistas de massas, psicólogos. O exemplo de Freud e Reich que, diante da ascensão fascista, queimaram as suas pestanas para descobrir por que as populações se deixam e deixaram encantar por regimes inumanos e genocidas.  






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