A qualidade da educação em nossas escolas públicas, nas
quais estão matriculados 47,3 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos em
179,5 mil escolas, está longe de atingir a qualidade socialmente referenciada
que queremos. No PISA de 2018, Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes da Escola Básica, aplicado em países membros da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), constata-se que nossos estudantes
sequer conseguem atingir a média dos seus colegas de outros países em leitura,
matemática e ciências. Só 2% alcançam os mais altos níveis (Nível 5 e 6).
Este desastre, porém, não constitui novidade para os
cientistas da educação. A literatura com excelentes diagnósticos sobre os
problemas da educação brasileira é farta. Praticamente todos os problemas foram
examinados à exaustão. É uma pena, porém, que grande parte são abordados como
objetos em si, hipostasiados, sem apreendê-los como “rica totalidade com
múltiplas determinações e relações” (Marx,
2018). A própria OCDE, por exemplo, não considera isoladamente o baixo
desempenho em leitura, matemática e ciências dos nossos estudantes; ela os relaciona
diretamente com a condição de classe deles: os estudantes mais favorecidos
superam os menos favorecidos em leitura por 97 pontos; dito de maneira mais
direta: quanto mais altas as posições socioeconômicas das famílias dos
estudantes, tanto maior tende a ser os seus desempenhos escolares na comparação
com os estudantes das classes inferiores. E essa mesma organização diz ainda que:
No Brasil, os
alunos de baixo desempenho são agrupados em certas escolas com menos frequência
do que a média da OCDE, e os alunos de alto desempenho agrupam-se com mais
frequência em certas escolas.
A dualidade público-privada de oferta educacional que a OCDE
destaca é, pois, uma questão de classe, ricos e pobres, e tem deixado de
receber a atenção devida nas análises acadêmicas, permitindo escapar que escolas
para os mais desfavorecidos e escolas para os mais favorecidos espelham a
sociedade capitalista. É uma dualidade
cruel porquanto confirma a posição de classe dos indivíduos, determinando que
os mais pobres sempre se situem na base da pirâmide social. Uma simples observação
empírica comprova isso com facilidade e confirma que a formação de quadros indispensáveis
aos negócios da classe dominante ocorre nas escolas particulares que sejam tops
de linha no país e no estrangeiro; a classe média se satisfaz com escolas
particulares de segunda linha e à classe baixa se designa um único destino:
escolas públicas sucateadas que produzem desempenhos sofríveis em qualquer
comparação internacional.
Por mais que setores da sociedade civil se organizem e
reivindiquem escolas públicas de qualidade socialmente referenciada, os setores
que defendem os interesses das classes dominantes se erigem em oposição e constroem
enormes barreiras nos âmbitos políticos, legislativos e judiciários. Muito
embora a organização dos setores mais progressistas favoráveis à melhoria da
qualidade da educação seja numericamente proporcional à dos seus oponentes, as
lutas ainda continuam desiguais em função de dificuldades de angariar fundos e
espaços nas mídias. De um lado e outro, são diversos os movimentos, fundações e
institutos que empunham bandeiras pela educação pública de qualidade, gratuita,
universal e laica, porém com interesses e propostas diferentes. Do lado do
empresariado se organizam mais poderosamente os seguintes movimentos, fundações
e institutos - Movimento Todos pela Educação, Movimento Escola Sem Partido,
Fundação Roberto Marinho, Fundação Victor Civita, Fundação Bradesco, Fundação
Maria Cecilia Souto Vidigal, Fundação Itau Cultural, Fundação Xuxa Meneghel,
Fundação Lemann, Instituto Ayrton Senna, Instituto Qualidade no Ensino etc.;
estes lutam por uma educação pautada pela pedagogia das competências
exclusivamente voltada para a qualificação do trabalhador.
No âmbito da sociedade política, ou do estado como
preferirem, as lutas também não são menores ou menos intensas. No Poder
Legislativo, na Câmara dos Deputados, composta de 513 representantes do povo, a
“bancada da educação” tem exatos 109 deputados, dos quais 84% são brancos, em
maioria empresários de educação (28,4%), advogados (13,8%), professores (11%) e
médicos (10,1%); do total desta bancada, 33% pertencem também à bancada empresarial.
A proposta de superação desta dualidade feita pelo
empresariado objetiva encampar e dirigir a rede pública de educação conforme os
seus interesses de lucros cada vez maiores. Não por acaso a rede pública é
bombardeada diariamente em jornais, programas jornalísticos e humorísticos de
televisão e é invariavelmente comparada com as escolas particulares; nunca,
porém, com escolas particulares pequenas que povoam a periferia das grandes
cidades e com desempenhos inferiores a inúmeras escolas públicas. É uma estratégia
de desmoralização da rede pública de escolas para futuro controle. Quanto mais for
inculcado socialmente a precariedade e a falta de qualidade da educação
pública, tanto mais fácil deverá ser transferência de seu controle, assim como
dos fundos públicos de educação, o grande alvo do empresariado da educação.
Os grandes grupos empresariais de educação já se organizam e
se estendem pelo território nacional visando sufocar o sistema de ensino
público. O melhor exemplo é sem dúvida o Grupo COGNA Educação, antiga
Kroton-Anhanguera, atualmente uma holding que engloba as seguintes instituições:
Kroton, Pitágoras, Platos, Saber, Vasta
Educação e Somos Educação, contabilizando hoje mais de 2,4 milhões de matrículas
da Educação Básica ao Ensino Superior e operando 54 unidades próprias de ensino
básico em 13 estados. Em 2019 o Grupo COGNA Educação fez negócios na Bolsa de
Valores de São Paulo (BOVESPA) e Nova Iorque (NYBOT)
que atingiram a casa dos 36,7 bilhões de reais.
A luta pela educação pública e gratuita de qualidade para
todas as crianças e jovens, como se observa, é intensa e envolve poderosas
forças. Um dos contendores neste campo de batalha, o empresariado de educação
do Brasil, está longe de pretender renunciar aos seus negócios. E isto vem
desde os tempos de colônia sem nunca passar despercebido. Há muito, diversos
estudiosos já chamaram a atenção para o egoísmo das nossas elites e para o delimitado
horizonte cultural que ela impõe aos mais desfavorecidos:
afinal de
contas, a cultura cívica era a cultura de uma sociedade de democracia restrita,
inoperante, na relação da minoria poderosa e dominante com a massa da
sociedade. Essa massa era a gentinha; e, para ser a gentinha, a educação seria
como uma pérola, que não deveria ser lançada aos porcos (ou então, seria uma
espécie de ersatz, uma coisa elementar, rudimentar, que ajudaria a preparar
máquinas humanas para o trabalho). Florestan
Fernandes (1989, p.125).
Como se pode observar, são opostos os
interesses de quem defende a educação de qualidade. De um lado, a classe que
defende a escola pública de qualidade, gratuita, universal e laica que não
condene os jovens à eterna exploração das suas forças de trabalho; de outro, a
classe de empresários de todos os ramos da economia interessada na escola que
apenas os qualifique para o trabalho e reprodução a cidadania existente em
todas as suas dimensões.
A luta de classe é clara e exatamente
por isso é também uma luta política, como já afirmado por Marx; os seus contendores
têm plena consciência dos seus interesses e se organizam para defendê-los no
âmbito da máquina do Estado. São estas formas antagônicas de organização que mobilizam
os integrantes de cada classe e a sociedade em geral.
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