23.4.21

Professores e estudantes jogaram pedra na Cruz? Que morram de Covid-19!

 



Zacarias Gama

 

Tenho para mim que professores e estudantes jogaram pedra na Cruz, tanto eles sofrem neste país. Os primeiros são alvos constantes do descrédito e dos maltratos que a sociedade lhes dispensa. Já não bastasse o pouco reconhecimento social, os baixos salários, as péssimas condições de trabalho em grande parte das escolas e a constante proletarização, agora, em plena pandemia de Covid-19 que ceifou a vida de mais de 380 mil brasileiros, exige-se que exerçam os seus ofícios de forma presencial e diária. As crianças e jovens que infernizaram a vida dos pais em processos de homeschooling parecem também ser acusados de cometerem o mesmo crime.

O Projeto de Lei (PL 5595-2020), aprovado na Câmara dos Deputados em 20/04/2021, apresentado pelas deputadas Paula Belmonte (Cidadania/SP), Adriana Ventura (Novo/SP), Aline Sleutjes (PSL/PR), e deputado General Peternelli (PSL/SP) e relatado pela deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), abre caminho para a contaminação e morte de tais apedrejadores, bem como lhes dificulta a realização de greves. Ele estabelece que a Educação Básica e o Ensino Superior, em formato presencial, sejam considerados como serviços e atividades essenciais durante enfrentamento de pandemia, de emergência e de calamidade pública. Ou seja, a despeito da intensidade e abrangência das pandemias, terremotos, furacões, tiroteios e guerras, tais eventos estão desprovidos de força para suspender o funcionamento das escolas. Somente as restrições de ordens técnicas e científicas devidamente comprovadas podem determinar o fechamento de escolas e a suspensão de aulas. É interessante destacar que as justificativas de tal PL consideraram a educação como direito fundamental, reconheceram o seu papel fundamental na diminuição das desigualdades sociais e na transformação e desenvolvimento econômico e social e a necessidade de cumprir as determinações que emanam da Lei de Diretrizes e Bases (A Lei nº 3.394, de 20 de dezembro de 1996).

Com um mínimo de atenção à leitura do PL 5595-2020 se vê grande hipocrisia na construção de tais justificativas, porquanto em tempos de normalidade pouco ou nada se faz concretamente pela educação e, menos ainda, para assegurar e democratizar a sua qualidade referenciada socialmente, pleiteada por diversos movimentos organizados da sociedade civil. A verdadeira justificativa é uma só: a necessidade de evitar a falência dos empresários de educação que, como muitos pastores evangélicos neopentecostais, dependem de mensalidades e dízimos para manter os seus negócios.

Tampouco houve preocupações com protocolos de segurança para garantir a frequência segura e saudável de todos; o PL, com o seu viés autoritário e vertical, sequer teve um parágrafo determinando o aumento dos padrões de segurança de discentes e docentes, muito possivelmente para evitar maiores dispêndios aos empresários que Suas Excelências representam na Comissão de Educação. Essa Comissão, aliás, é constituída de 109 parlamentares em maioria empresários de educação (28,4%), advogados (13,8%), professores (11%) e médicos (10,1%); do total de seus componentes, 33% integram também a bancada empresarial.

Interesses empresariais, autoritarismo e falta de empatia com professores e estudantes caracterizam, portanto, o projeto de lei encaminhado ao Senado Federal para aprovação definitiva. O PL é objetivo, contém apenas três artigos e descarta todas as preocupações sugeridas em diversas emendas e na Emenda Substitutiva Global que foram apresentadas. O verticalismo predominante e interesseiro rejeitou a pactuação entre os entes federativos, as orientações da Organização Mundial da Saúde e autoridades sanitárias brasileiras, protocolos de segurança, assim como a obrigação de equipamentos de higiene, distanciamento social, ações de apoio e recuperação de estudantes que se atrasaram durante o período de isolamento. O único interesse transparente no texto é a abertura das escolas para a alegria dos empresários de educação e autoridades negacionistas, para as quais a vida de crianças, jovens e docentes tem pouco valor. Doa a quem doer.

Transformar tal PL em lei constitui falta de bom senso, negação às recomendações científicas de contenção ao coronavírus e a diversos documentos internacionais assinados pelo governo brasileiro, como por exemplo a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989. O Artigo 3º desta Convenção é claro e é inadmissível ser desconsiderado por conta de interesses imediatistas de ganhos econômicos:

§ 3. Os Estados Partes devem garantir que as instituições, as instalações e os serviços destinados aos cuidados ou à proteção da criança estejam em conformidade com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde da criança, ao número e à adequação das equipes e à existência de supervisão adequada.

A ação dos deputados proponentes do PL 5595-2020 , a serviço do empresariado educacional e caracteristicamente negacionista da potência do Coronavírus, chega a ser hedionda tanto a sua desestima por crianças, jovens e profissionais da educação. É uma ação de execração jamais vista em situações passadas de graves pandemias, guerras e calamidades. As crianças e jovens sempre foram poupados, porque são elas e eles os garantidores da continuidade de uma sociedade. O ódio inscrito no DNA deste PL e a sua opção pela economia, preterindo as pessoas, escorre pelos três artigos da futura lei que considerará a educação como mercadoria, ops!, serviço essencial.

A transformação deste PL em lei é mais um passo na construção do Estado bolsonarista, o qual na acepção de Isabela Kalil (2020), tem os “adversários políticos [como] inimigos, e para esses inimigos cabe tudo — no limite, até a morte”. Não podemos esquecer: os professores são inimigos, eles são acusados de defender e propagar o tal “marxismo cultural” e a “ideologia de gênero” em suas salas de aula.

Um Estado que já exigiu a Escola Sem Partido, quem sabe estaria se preparando para criar uma sociedade sem escolas? As inspirações já existem e são muitas, a começar pelos contos de Isaac Asimov, o grande autor de ficção científica. Em seu conto “Profissão” projetou o “Dia da Leitura” e o “Dia da Instrução”. No primeiro, as crianças de oito anos conectadas a determinadas “fitas de instrução”, aproximadas aos nossos atuais softwares, em um único, aprendem a ler e escrever; no segundo, os jovens de dezoito anos, pelo mesmo processo, são instruídos em dada profissão conforme as suas estruturas cerebrais.

Sem gastos com manutenção de prédios escolares, livros e merendas, batalhões de profissionais de educação exigindo salários elevados, sem crianças e jovens entupindo os transportes públicos... O Ministro Paulo Guedes iria amar... que morram os professores e estudantes!

 

 

Alguns anos mais tarde, quando completassem 18 anos, no “Dia da Instrução”, no qual pelo mesmo processo e com o 3 1ª lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal. 2ª lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei. 3ª lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei. Lei Zero: um robô não pode fazer mal à humanidade e nem, por inação, permitir que ela sofra algum mal. Revista de Humanidades, Tecnologia e Cultura ISSN 2238-3948 Faculdade de Tecnologia de Bauru volume 03 – número 01 – dezembro/2013 Página48 auxílio de “fitas de instrução”4 , cada um era conduzido para uma profissão determinada pelas estruturas cerebrais.

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