Zacarias
Gama[1]
O Brasil foi um dos signatários da declaração
final da Conferência Ibero-americana de Educação, promovida pela Organização
dos Estados Ibero-americanos (OEI) em El Salvador, 2008, a partir da qual os
presentes assumiram acolher as “Metas
2021: a Educação que Queremos para a Geração dos Bicentenários” e se comprometeram
a concretizá-las em harmonia com os planos de educação dos seus respectivos
países. As metas, onze no total, corresponderiam às aspirações históricas de
colocar a educação como sustentáculo das liberdades individuais e como força de
consolidação dos regimes democráticos.
A rigor nenhuma das onze metas exigiriam esforços gigantescos
ou dispêndios além da capacidade de financiamento de cada país. Em tese as
vontades políticas dos governos e das sociedades civis somadas aos recursos já
existentes seriam suficientes para que fossem materializadas. As Metas 2021 visavam ampliar a participação da sociedade
na ação educativa; alcançar a igualdade educacional e eliminar a discriminação
na educação de crianças e jovens; aumentar a oferta de educação infantil e
potencializar seu caráter educativo; universalizar o ensino fundamental e
ampliar o acesso ao ensino médio; melhorar a qualidade da educação e do
currículo escolar; conectar educação e emprego com o incremento da educação
profissional e tecnológica; oferecer a todos oportunidade de educação ao longo
da vida; fortalecer a profissão docente; ampliar o espaço ibero-americano do
conhecimento e fortalecer a pesquisa científica; investir mais e melhor; e
avaliar o funcionamento dos sistemas educacionais e do projeto “Metas
Educativas 2021”. Aqui no Brasil, muitas destas metas já estavam
incorporadas ao Plano Nacional de Educação de 2001-2010 e ainda integram o PNE
2014-2024 (LEI Nº 13.005/2014).
O impacto da crise política no Brasil que
culminou no Golpe de 2016 atrasou o cumprimento das metas. O governo golpista
de Michel Temer que substituiu a Presidente Dilma Rousseff até o fim do mandato
em 31 de dezembro de 2017, pouco fez para cumpri-las; sua maior iniciativa foi
o engessamento das ações do MEC ao limitar os seus gastos aos patamares de 2016
(Brasil, PEC 241/2016). O governo de Jair Bolsonaro, que assumiu a presidência em janeiro de 2018, desde
a sua campanha eleitoral deixou bem claro que o seu “objetivo é fazer Brasil
semelhante ao que era há 40, 50 anos” (Folha de São Paulo, 15.out.2018). Até o presente o presidente tem se esmerado
no cumprimento de sua promessa. O Relatório de fevereiro de 2021 da Comissão
Externa destinada a acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos do Ministério da
Educação, bem como da apresentação do seu Planejamento Estratégico (CEXMEC)
constata que o Presidente caminha a passos largos para efetivar in totum
a sua promessa de campanha.
A CEXMEC, coordenada pelo Deputado Felipe
Rigoni (PSL/ES), tendo como relatora a Deputada Tabata Amaral (PSB/SP), e
integrada por parlamentares da base de apoio do governo, portanto, acima de
qualquer suspeita, concluiu o seu relatório afirmando que “os esforços e os
investimentos realizados pelo Ministério da Educação nestes três anos (2019,
2020 e 2021) foram muito aquém do necessário para o atendimento das principais
demandas da educação básica brasileira. Mais ainda: avaliou serem grandes as
omissões do MEC em iniciativas de coordenação e políticas educacionais
estruturantes, além de despriorizar as modalidades de ensino, rebaixar as dotações
orçamentárias e pagamentos, serem inertes e letárgicas. Fechou o documento
chamando a atenção de todos para as consequências negativas para milhões de
estudantes, professores e demais atores do campo da educação.
O relatório de monitoramento do PNE divulgado
pelo INEP em julho de 2020, de exclusiva responsabilidade do MEC, na mesma
linha do relatório da CEXMEC, confirma a péssima administração da educação desde
a crise de 2016. Somente uma das 20 metas do PNE previstas em lei foi cumprida
integralmente e 5 tiveram cumprimento parcial, isto porque não eram ambiciosas e
já estavam próximas de serem cumpridas; todas as demais estão longe de serem
alcançadas. É grande a estagnação do MEC e muitas as trapalhadas dos
incompetentes ministros (até agora quatro) que se sucederam na sua gestão, um
deles (Ricardo Vélez Rodríguez, de origem colombiana), nada sabia de educação
brasileira e mal sabia falar português. Para piorar, há expressivos retrocessos
dado o aumento do analfabetismo funcional e a diminuição do número de
matrículas em educação integral.
Quanto à concretização das “Metas 2021: a Educação que Queremos para a
Geração dos Bicentenários”, acatadas pelo Brasil na Conferência Ibero-americana
de El Salvador, em nível continental o vexame é maior: nenhuma meta foi ou será
batida até o nosso bicentenário. Segundo
relatório da OEI (Seguimiento de las Metas Educativas
2021 y su articulación con el ODS4, 2019) a ampliação da sociedade na ação educativa dos
filhos (Meta 1), acompanhando e perguntando sobre atividades escolares, tarefas
e notas obtidas, a despeito dos níveis socioeconômicos, foi menor no Brasil do
que no Chile, Equador, Honduras, Paraguai, Peru e República Dominicana; na
mídia corporativa brasileira não se viu ou se vê qualquer campanha que
incentive os pais a acompanharem mais os seus filhos nas atividades escolares. Quanto
à Meta 2 que previa o aumento do grau de equidade entre escolas e dentro das
mesmas a fim de beneficiar os estudantes menos favorecidos, o Brasil deixou de
cumpri-la e ainda ficou abaixo do Chile, Peru, Portugal e Uruguai. As metas seguintes de aumentar a oferta de
educação infantil e potencializar seu caráter educativo, concluir o ensino
fundamental e aumentar as matrículas no ensino médio estão longe de serem
batidas. Quanto à meta de melhorar a
qualidade da educação e do currículo escolar com vistas ao melhor desempenho em
Leitura, Matemática e Ciências, o resultado brasileiro foi melhor apenas em
matemática; Colômbia e Portugal foram os únicos países com aumentos notáveis de
rendimento nas três disciplinas, bem diferentes do Uruguai e Espanha que deixaram
de mostrar melhoras significativas. Dentre as demais metas vale destacar
positivamente os avanços brasileiros em relação à profissão docente no que se
refere à titulação: em 2014 o Brasil já tinha superado a meta de ampliar em 75%
o percentual de docentes com mestrado e doutorado. Porém, paradoxalmente, o
país ainda se encontra longe de ter 100% dos docentes com formação adequada na
educação básica. No ensino médio pouco mais da metade dos docentes (56,6%)
possuem licenciatura na disciplina que lecionam ou bacharelado na área e curso
de complementação pedagógica.
O monitoramento avaliativo das 20
Metas do PNE (2014-2024) espelha com nitidez o relatório Metas 2021 elaborado
pela OEI. Praticamente inexiste discrepâncias entre eles. A seguir apresento os
estágios em que se encontram algumas metas constantes do PNE. A meta de atender
50% dos menores de 3 anos e 11 meses nas creches até 2024, somente atingiu 37%
até 2019. A alfabetização de todas as crianças até o terceiro ano do Ensino
Fundamental continua a ser um sonho; até 2016 em média 52% tinham aprendizagem
adequada em leitura, escrita e matemática. A meta de 95% dos alunos do Ensino
Fundamental o concluírem até os 16 anos de idade também está distante de ser
batida: somente 82,4% conseguiram completar esta etapa da
educação básica em 2020. Sequer conseguiremos reduzir para 13,5% a porcentagem
de analfabetos funcionais; em 2020 ainda havia 29% de brasileiros maiores de 15
anos nesta condição. Em 2020 as matrículas de tempo integral
correspondiam à metade da meta de 25% até 2024. O acesso ao ensino fundamental, para crianças de 6 a 14 anos,
está praticamente universalizado, mas somente 82,4% o concluem com êxito; a
meta estipulando que 95% o concluíssem aos 16 anos em 2024 está adiada. O mesmo
ocorre com o ensino médio. A meta que deveria garantir 85% dos jovens de 15 a
17 anos matriculados no ensino médio em 2024 também não foi batida; apenas 75%
dos jovens cursavam esta etapa em 2020.
A visibilização de tais resultados
confirma o nosso andar de caranguejo no campo da educação. A remota hipótese de
reeleição do ex-capitão à presidência da República é apavorante e acena com uma
volta ao passado ainda maior, quem sabe à Idade Média negacionista,
terraplanista, fundamentalista...
Que Deus nos acuda, a educação brasileira
está de volta ao passado!
[1]
Professor Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenador
Geral do Programa de Pós-graduação Desenvolvimento e Educação Theotonio dos
Santos (ProDEd-TS). Membro do Comitê Gestor do Laboratório de Políticas
Públicas (LPP).
4 comentários:
Obrigada pelo excelente texto, professor. Foi muito interessante ver em números aquilo que vimos percebendo em sala de aula, em escolas municipal e estadual no Rio de Janeiro. Mesmo antes da pandemia de Covid-19 (que certamente impactou ainda mais no triste quadro em que nos encontramos), percebíamos que muitos estudantes chegavam ao Fundamental II com uma alfabetização débil.
Além do trágico golpe sofrido pelo governo da presidenta Dilma, em nível da educação básica tivemos de lidar com políticas meritocráticas que, ao identificarem a educação como uma mercadoria e profissionais da educação como operários que precisam apresentar números para receberam um 14o salário, promoveram uma série de dados maquiados a fim de cumprirem as metas estipuladas pelos governos falcatruas. Infelizmente, com os salários devastados, muitos colegas se submeteram a esse engodo e, por certo, o grande perdedor foi o povo brasileiro e a qualidade da educação.
Que Deus nos acuda mesmo. Tomara que a gente se livre desse ignorante e dos ignorantes que o acompanham.
Deus nos acuda, MESMO!
Bibiana, obrigado pelo seu comentário. A situação da educação brasileira só não é mais caótica graças aos professores e funcionários técnico administrativos.
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