14.2.22

LDB - Organização, Níveis e Modalidades, Profissionais e Financiamento da Educação




Nosso tema continua sendo a LDB de 1996 e tomaremos como objeto três dos seus títulos: a organização da educação nacional, os níveis e modalidades de educação e ensino, os profissionais de educação e o financiamento da educação. O objetivo continuará sendo iluminar o que se encontra subjacente em seus artigos e a subordinação do projeto de educação do estado brasileiro aos interesses do empresariado capitalista. A abordagem metodológica utilizada  contém a intenção de desvelar as “verdades” que ela contém.  

A organização da Educação Nacional

A organização da educação nacional conforme é estipulado na Constituição e na LDB é da competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e a sua operacionalização ocorre de acordo com a razão do Estado brasileiro. De acordo com as leis, os estados e os municípios têm liberdade de organizar os seus sistemas de ensino, porém, sem fugir às determinações do poder central. É a União que coordena, articula, normatiza e avalia; determina as formas de colaboração; coleta, analisa e dissemina informações sobre a educação; presta assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios e administra os estabelecimentos do seu próprio sistema de ensino. A liberdade organizacional dos entes federativos, por maior que possa ser, é limitada pelo poder central.

Há três sistemas de ensino no território brasileiro, cada qual cuidando de órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino: federal, estadual e municipal. Os estados, restritos aos limites das suas fronteiras, é que prioritariamente cuidam do Ensino Médio e os municípios de cada estado, do Ensino Fundamental. O sistema de ensino federal abarca as instituições de ensino superior (públicas e privadas), de ensino básico (Colégio Pedro II, colégios militares, CEFETS etc.) e demais órgãos federais de educação, pesquisa e inovação tecnológica (Conselho Nacional de Educação, CNPq, Capes etc.).

Os estabelecimentos de ensino dos diferentes níveis são públicos, administrados pelo Poder Público, e privados, por entidades mantenedoras leigas, confessionais, comunitárias e filantrópicas. Em 2020 havia 178,4 mil escolas de educação básica no território brasileiro: municipais, 60,1%; estaduais, 16,6 %; privadas, 22,9 %; as federais correspondiam a menos de 1%. Quando consideramos a distribuição das matrículas na educação básica por dependência administrativa, percebe-se que a maior quantidade ocorre na rede municipal (48,4%); na rede estadual, 32,1%; na rede privada, 18,6%, e na federal menos de 1%. No ano de 2021, foram registradas 46,7 milhões de matrículas nas 178,4 mil escolas de educação básica no Brasil (Brasil, Censo da Educação Básica, 2021).

Como disse anteriormente, a organização e o funcionamento do sistema de ensino brasileiro ocorrem de acordo com a razão do Estado brasileiro, isto é, em concordância com os interesses dos detentores dos poderes do estado, não obstante os limites existentes, entre os quais o direito, sem dúvida um poderoso instrumento limitativo. Mas há outras limitações, como por exemplo, aquelas que são impostas pelos interesses da classe social ou grupo de poder que domina o aparelho de estado. Um estado dominado por uma grande aliança de empresários de todos os setores da economia, como no Brasil nos dias atuais, dificilmente atenderá às demandas dos trabalhadores assalariados e vice-versa. Um estado religioso, de qualquer religião, primeiro governará para satisfazer a classe sacerdotal. E assim por diante. O Estado, como campo de forças, sempre será organizado conforme aqueles que ocupam os centros de poder; no Brasil de hoje eles são ocupados por empresários da indústria, finanças, comércio, bancos, serviços, agronegócio e também por intelectuais, partidos, igrejas neopentecostais e o próprio estado). A forma que o Estado adquire e todo seu poder emana daí. Foucault, no curso que administrou em 1979, denominado Nascimento da Biopolítica, afirma haver atualmente uma razão de Estado neoliberal pautada pelo mercado, e, de acordo com tal razão, o estado lida com os fenômenos político-mercadológicos para sempre favorecer ao bloco de alianças que o hegemoniza. O governo prioritariamente se interessa pelo que é vital a esse bloco, à ampliação do seu poder e capital. Assim, se torna claro que a organização e o funcionamento da educação nacional estão de acordo com o que este Estado de empresários se dispõe a oferecer aos demais membros da sociedade, o que, aliás, é muito pouco:  o pleno desenvolvimento do educando e seu preparo para o exercício da cidadania que reproduza e não se insurja contra o “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade” (Brasil, Guia da política de governança pública,  2018), e sua qualificação para o trabalho produtivo.

Níveis e Modalidades de Educação e Ensino

A educação escolar que emana da LDB de 1996 compõe-se dos atuais níveis de ensino: I – educação básica, com as etapas educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II – educação superior. Esta nomenclatura é uma característica da LDB de 1996. As LDBs anteriores tinham outras nomenclaturas e não incorporavam a educação infantil. Para termos uma ideia, a LDB de 1961 reconhecia os seguintes níveis: primário, secundário, colegial (científico, clássico, normal, comercial etc.) e superior. A LDB do período ditatorial, por sua vez, dividia a atual educação básica em 1º grau (com 8 séries), 2º grau (correspondente ao atual ensino médio) e Educação Superior.

Além desses níveis e etapas, a LDB define como modalidades de ensino a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Profissional e Tecnológica e a Educação Especial. A Educação Indígena e Quilombola não constituem modalidades de educação, ela só se refere à Educação Indígena en passant alertando para a necessidade de ofertar escola bilingue e intercultural aos povos indígenas; quanto ao oferecimento de educação às populações quilombolas, o tratamento é o mesmo das escolas rurais no Art. 28. 

A LDB atual, em relação às anteriores, apesar de atender às demandas do mercado, contém significativos avanços com destaque para o aumento da escolaridade obrigatória para 11 anos a partir dos 3 anos de idade até os 17 anos. Também merece destaque a inclusão da educação infantil (até os 5 anos de idade) no sistema de ensino nacional permite à escola complementar a ação educacional da família e da comunidade e equaliza o tempo de duração da educação básica com outros países. Por fim, deve-se destacar a consideração da educação básica como uma totalidade, isto é, como um conjunto estruturado no qual as partes têm influências umas sobre as outras. Se antes as políticas podiam ser pensadas para determinados segmentos (por exemplo: primário ou 1º grau séries iniciais), a partir da promulgação desta LDB elas passarão a pensar todos os 11 anos da escolaridade básica. Foi por esta razão que o ex-Presidente Lula da Silva transformou o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – 1997) em FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). 

Profissionais de Educação

A LDB define como profissionais da educação escolar básica “os que, nela exercem a docência estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos” (Art. 61). Eles precisam ser habilitados em nível médio ou superior ou serem portadores de diplomas de pedagogia ou de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim. O profissional com notório saber reconhecido pelos sistemas de ensino pode ser docente em áreas afins à sua formação, o mesmo vale para o graduado em qualquer área que tenha feito complementação pedagógica.

A LDB, é preciso atentar, é ambígua no tratamento dispensado ao profissional de educação, ele ora é tratado como professor, ora como profissional de educação; nas LDBs anteriores tal indeterminação era inexistente, todos eram considerados como professores. Foi somente quando a razão do Estado passou a ser o mercado é que se desenvolveu uma concepção técnica que reduziu o docente da educação básica à mesma condição de todos os demais profissionais assalariados, chegando-se ao ponto de se consagrar o dia 6 de agosto como Dia Nacional dos Profissionais de Educação (Lei Nº 13.054, de 22 de dezembro de 2014), revogando-se o Decreto nº 52.682, de 14 de outubro de 1963, que declarava o dia 15 de outubro como o Dia do Professor”. De certa forma, com esta nova denominação, conclui-se assim o processo de proletarização do professorado brasileiro.

A LDB determina que os profissionais de educação sejam valorizados pelos sistemas de ensino federal, estadual e municipal, e que se lhes garantam Ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aperfeiçoamento contínuo, piso salarial, progressão na carreira, carga horária com tempo reservado para estudo, planejamento e correção de trabalhos e, claro, condições adequadas de trabalho.

Financiamento da educação

Os recursos financeiros para a educação brasileira são provenientes dos impostos recebidos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, transferências determinadas pela Constituição e outras, receita do salário-educação e de outras contribuições sociais, receita de incentivos fiscais e outros recursos legais. A União deve aplicar no mínimo 18%, e os Estados, DF e Municípios, 25% do que for arrecadado; o valor inicial para efeito de cálculo é dado pela receita estimada na lei do orçamento anual.  

No orçamento executado, isto é, efetivamente pago em 2020, as aplicações públicas em educação corresponderam a 2,49% do total arrecadado. Segundo informes do jornal Correio Braziliense, 2021, houve uma diminuição de 10,2% em comparação com o ano anterior.

 O modo como o governo Jair Bolsonaro conduz a educação brasileira indica que a Meta 20 do PNE 2014-2024 de “ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio”, dificilmente será batida. São constantes os cortes, cancelamentos e bloqueios orçamentários. Em 2021 este governo bloqueou R$ 2.7 bilhões da Educação no orçamento; agora, em 2022 os cortes já somaram um pouco mais de 800 milhões de reais (Correio Braziliense, 2022).


8 comentários:

Unknown disse...

Infelizmente, as medidas tomadas para o novo ensino médio são um reflexo dessa tentativa de cria uma mão de obra eficaz e pouco "revoltada". O que mais entristece é ver como esse andamento se agravou rápido nos últimos pelo (des)governo do presidente. Ótimo blog!! Espero que através do seu conteúdo, de forma geral, consigamos transmitir essa indignação adiante!!

Mauro disse...

Ler tão texto sobre a educação no Brasil, notar o quanto a educação é pobre, e saber que a cada vez mais cortes na educação e não se revoltar, não ver greves acontecer é aceitar as infelicidades oque fazer para que melhore?

Mauro disse...

Ler tão texto sobre a educação no Brasil, notar o quanto a educação é pobre, e saber que a cada vez mais cortes na educação e não se revoltar, não ver greves acontecer é aceitar as infelicidades oque fazer para que melhore?

Zacarias Gama disse...

Prezado Mauro, obrigado pelo comentário; mas confesso, não o entendi. Poderia redigir de novo?

José Gomes disse...

Bom dia, professor. Com esse retrocesso do atual governo, é possível se recuperar desse tempo perdido? Mesmo com uma troca de comando, me parece distante um investimento tão forte na educação a ponto de recuperar.

Zacarias Gama disse...

Você tem razão, é muito grande o retrocesso e vamos demorar para recuperar. É muito possível que tenhamos mais uma década perdida com graves prejuízos econômicos para o País.
Em conversas com pessoas diretamente ligados ao Lula, eles revelam ser grande a sua preocupação e já encomendou estudos para equacionar o problema.
Eu gostaria que ele propusesse uma revolução na educação, a começar pela redação de nova LDB e outras tantas leis. O dinheiro existente, com a revogação do teto de gastos, dá para fazer uma boa revolução.

Camyla Monteiro disse...

Professor,

O conteúdo que o Sr. escreve e grava é extremamente rico. Estudando toda a LDB brasileira em comparação ao Brasil me deixa muito reflexiva. Ás vezes, parece que estamos "pisando em cascas de ovos" quando tentamos mudar o sistema educacional brasileiro, já que, este está completamente dominado por um grupo de empresários extremamente influentes nas diretrizes educacionais. Porém, poder contar com um professor como você me deixa instigada a entender estes assuntos e continuar a me graduar como licenciada. Não tenho perguntas porque até agora todo o material está bem claro e as aulas bem didáticas. Por isso, só deixo aqui meu comentário.

Obrigada.

Zacarias Gama disse...

A ideia é esta

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