4.5.22

Educar é amar as nossas crianças e jovens e impedir que sejam expulsos do nosso mundo.

 


É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança, diz um ditado cheio de sabedoria corrente na África. Sábio por quê? Porque concebe a educação de alguém, quem quer que seja, como um processo coletivo, inclusivo e multidisciplinar; porque atribui a responsabilidade de educar as crianças e jovens a todos os membros da aldeia de modo a que cada um ensine o que sabe.  O sucesso ou o insucesso educacional é de responsabilidade coletiva.

Nós, os urbanos, ao contrário, somente nos responsabilizamos pela educação dos nossos filhos, mesmo assim se não vivemos em situação de vulnerabilidade social. No Brasil de hoje, grande quantidade de crianças e jovens vivem nesta situação e têm os seus processos educativos prejudicados. E isto não é de hoje. Desde o período colonial tem sido assim. As crianças, com as suas relações familiares ou comunitárias esgarçadas, passam a viver amizades e parcerias instáveis e inseguras nas ruas, em absurdas situações de pobreza e isolamento social. Atualmente mais de 40% de crianças e adolescentes de até 14 anos vivem em situação domiciliar de pobreza. São 17,3 milhões de crianças e jovens vivendo com rendimentos mensais domiciliares per capita de até meio e até um quarto de salário mínimo, segundo informes da Agência Brasil. Vivem fora de uma rede de proteção social e educacional tentando conseguir onde podem os elementos materiais de sobrevida até o dia seguinte. Perambulam pelas ruas sozinhos ou em grupos e atemorizam quem passa por eles.

Essa situação de vulnerabilidade de milhares de crianças e jovens é extremamente preocupante, demanda eficazes políticas sociais e esforços de muitos indivíduos, instituições, fundações e cidades. Precisa ser forte o combate à desigualdade que faz do Brasil um dos países mais desiguais do mundo.

As redes escolares têm sido pressionadas a dar respostas a este problema. É comum que lhes atribuam poderes de afastar o contingente de vulneráveis das ruas com oferecimento de ensino de tempo integral. A Meta 6 do Plano Nacional de Educação (2014-2024), por exemplo, visa “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica” até o fim da vigência do Plano. Contudo, supondo que tal meta seja alcançada há ainda a perguntar: todas as crianças e jovens receberão uma educação de qualidade ministrada por docentes bem qualificados, com valor de uso e troca? Muito embora a Meta 7 do PNE busque “Fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir [boas] médias nacionais” estamos sem garantias efetivas de que a educação de qualidade com valor de uso e troca seja alcançada ainda nesta década.

A crise política e institucional que vivemos tem impedido o desenho de um horizonte alvissareiro e pleno de boas novas para esta juventude com vida provisória e em suspensão, como Frigotto (2020) a adjetivou. Desde 2016, quando ocorreu o golpe que promoveu o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, os seis ministros que ocuparam a pasta da educação nas gestões dos presidentes Temer e Bolsonaro pouco ou nada fizeram em seu favor. As escolas, em geral, nem avançaram no oferecimento de ensino de tempo integral e tampouco melhoraram significativamente a qualidade da educação oferecida.

Nenhum dos seis ministros sequer fez algum tipo de chamado às famílias; igrejas; sociedade política; sindicatos; mídia em geral; instituições de letras e belas artes; clubes recreativos, esportivos e de serviços etc.  para constituir uma rede de proteção social e educacional para as nossas crianças e jovens. Eles antes distribuíram verbas do MEC aos prefeitos da mesma religião, compraram kits robótica para escolas sem água e computadores... (Folha de São Paulo, 2022) e deixaram crescer a onda que culpa e criminaliza a pobreza. Cada vez mais a sociedade exige do Estado ações para reduzir a maioridade penal, promover as “guerras às drogas”, aparelhar tropas de choque militar, encarcerar em massa e militarizar as escolas, como se tais ações pudessem atingir a raiz do problema, a desigualdade social que castiga o país (Andrade, 2018).

O envolvimento das famílias; igrejas; sociedade política; sindicatos; mídia em geral; instituições de letras e belas artes; clubes recreativos, esportivos e de serviços etc.. é o que pode nos restituir a educação solidária e coletiva como a das aldeias africanas. A escola por si só é incapaz, mesmo que seja de tempo integral. É indispensável a existência de espaços fora de seus muros que favoreçam processos multidisciplinares, sentido de coletividade e inclusão. Se as prédicas religiosas se tornam mais educativas, menos escatológicas e submissivas já ajudariam bastante. A mídia em geral também tem condições de contribuir com temas relevantes para a promoção humana em lugar das fofocas e outras matérias de consumo fácil e alienante; as letras e belas artes também cumpririam papel relevante contribuindo para a superação da realidade transformada em pura aparência (estética, fetichizada e libidinizada), um “repositório de imagens e de simulacros”, como Jameson (1997) a descreveu.

A ação cooperativa e consciente destes agentes educativos seria como uma grande cruzada em favor da educação das nossas crianças e jovens. As cidades inteiras, com os seus agentes educativos já nomeados estariam educando as nossas crianças e jovens ao oferecer tamanho apoio ao trabalho docente feito no interior das escolas.

Hanna Arendt, no texto em que discute a Crise na Educação,1961, lembra-nos que educar é amar as nossas crianças, evitando que sejam expulsas do nosso mundo,  fiquem entregues a si próprias e deixem de ter possibilidade se prepararem para a tarefa de criação de um mundo melhor e imprevisto por nós.

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