É preciso uma aldeia inteira para
educar uma criança, diz um ditado cheio de sabedoria corrente na África. Sábio
por quê? Porque concebe a educação de alguém, quem quer que seja, como um processo
coletivo, inclusivo e multidisciplinar; porque atribui a responsabilidade de
educar as crianças e jovens a todos os membros da aldeia de modo a que cada um
ensine o que sabe. O sucesso ou o
insucesso educacional é de responsabilidade coletiva.
Nós, os urbanos, ao contrário, somente
nos responsabilizamos pela educação dos nossos filhos, mesmo assim se não
vivemos em situação de vulnerabilidade social. No Brasil de hoje, grande
quantidade de crianças e jovens vivem nesta situação e têm os seus processos
educativos prejudicados. E isto não é de hoje. Desde o período colonial tem
sido assim. As crianças, com as suas relações familiares ou comunitárias
esgarçadas, passam a viver amizades e parcerias instáveis e inseguras nas ruas,
em absurdas situações de pobreza e isolamento social. Atualmente mais de 40% de
crianças e adolescentes de até 14 anos vivem em situação domiciliar de pobreza.
São 17,3 milhões de crianças e jovens vivendo com rendimentos mensais
domiciliares per capita de até meio e até um quarto de salário mínimo, segundo
informes da Agência Brasil. Vivem fora
de uma rede de proteção social e educacional tentando conseguir onde podem os
elementos materiais de sobrevida até o dia seguinte. Perambulam pelas ruas sozinhos
ou em grupos e atemorizam quem passa por eles.
Essa situação de vulnerabilidade de
milhares de crianças e jovens é extremamente preocupante, demanda eficazes
políticas sociais e esforços de muitos indivíduos, instituições, fundações e
cidades. Precisa ser forte o combate à desigualdade que faz do Brasil um dos países
mais desiguais do mundo.
As redes
escolares têm sido pressionadas a dar respostas a este problema. É comum que
lhes atribuam poderes de afastar o contingente de vulneráveis das ruas com oferecimento
de ensino de tempo integral. A Meta 6 do Plano Nacional de Educação (2014-2024),
por exemplo, visa “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50%
(cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25%
(vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica” até o fim da
vigência do Plano. Contudo, supondo que tal meta seja alcançada há ainda a
perguntar: todas as crianças e jovens receberão uma educação de qualidade
ministrada por docentes bem qualificados, com valor de uso e troca? Muito
embora a Meta 7 do PNE busque “Fomentar a qualidade da educação básica
em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da
aprendizagem de modo a atingir [boas] médias nacionais” estamos sem garantias
efetivas de que a educação de qualidade com valor de uso e troca seja alcançada
ainda nesta década.
A crise política e institucional que vivemos tem impedido o
desenho de um horizonte alvissareiro e pleno de boas novas para esta juventude com
vida provisória e em suspensão, como Frigotto (2020) a adjetivou.
Desde 2016, quando ocorreu o golpe que promoveu o impeachment da Presidente
Dilma Rousseff, os seis ministros que ocuparam a pasta da educação nas gestões
dos presidentes Temer e Bolsonaro pouco ou nada fizeram em seu favor. As
escolas, em geral, nem avançaram no oferecimento de ensino de tempo integral e
tampouco melhoraram significativamente a qualidade da educação oferecida.
Nenhum dos seis ministros
sequer fez algum tipo de chamado às famílias; igrejas; sociedade política; sindicatos;
mídia em geral; instituições de letras e belas artes; clubes recreativos, esportivos
e de serviços etc. para constituir uma
rede de proteção social e educacional para as nossas crianças e jovens. Eles antes
distribuíram verbas do MEC aos prefeitos da mesma religião, compraram kits
robótica para escolas sem água e computadores... (Folha
de São Paulo, 2022) e deixaram crescer a onda que culpa e criminaliza a
pobreza. Cada vez mais a sociedade exige do Estado ações para reduzir a
maioridade penal, promover as “guerras às drogas”, aparelhar tropas de
choque militar, encarcerar em massa e militarizar as escolas, como se tais
ações pudessem atingir a raiz do problema, a desigualdade social que castiga o
país (Andrade,
2018).
O envolvimento das famílias;
igrejas; sociedade política; sindicatos; mídia em geral; instituições de letras
e belas artes; clubes recreativos, esportivos e de serviços etc.. é o que pode
nos restituir a educação solidária e coletiva como a das aldeias africanas. A
escola por si só é incapaz, mesmo que seja de tempo integral. É indispensável a
existência de espaços fora de seus muros que favoreçam processos multidisciplinares, sentido
de coletividade e inclusão. Se as prédicas religiosas se tornam mais
educativas, menos escatológicas e submissivas já ajudariam bastante. A mídia em
geral também tem condições de contribuir com temas relevantes para a promoção
humana em lugar das fofocas e outras matérias de consumo fácil e alienante; as letras
e belas artes também cumpririam papel relevante contribuindo para a superação
da realidade transformada em pura aparência (estética, fetichizada e
libidinizada), um “repositório de imagens e de simulacros”, como Jameson
(1997) a descreveu.
A ação cooperativa e consciente destes agentes educativos seria
como uma grande cruzada em favor da educação das nossas crianças e jovens. As
cidades inteiras, com os seus agentes educativos já nomeados estariam educando as nossas crianças e
jovens ao oferecer tamanho apoio ao trabalho docente feito no interior das
escolas.
Hanna Arendt, no texto em que discute a Crise
na Educação,1961, lembra-nos que educar é amar as nossas crianças, evitando
que sejam expulsas do nosso mundo, fiquem
entregues a si próprias e deixem de ter possibilidade se prepararem para a
tarefa de criação de um mundo melhor e imprevisto por nós.
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