Zacarias Gama
Ex-Professor Titular da Uerj
Por que, passadas duas décadas de políticas e programas, a educação brasileira ainda não alcançou a qualidade que o país precisa?
Apesar de avanços pontuais e da multiplicação de iniciativas governamentais, a escola pública brasileira permanece marcada por problemas persistentes. Reformas são anunciadas, programas são implementados e indicadores são celebrados, mas o cotidiano escolar revela um quadro que muda pouco. Este ensaio analisa fatores estruturais que limitam a melhoria consistente da educação nacional, com ênfase na centralidade do professor e na urgência de políticas de equidade.
As políticas do Ministério da Educação, em diferentes gestões, acumulam esforços relevantes: expansão de matrículas, avaliação em larga escala, programas de formação e iniciativas de gestão escolar. Contudo, grande parte dessas ações atua de forma fragmentada, respondendo a problemas imediatos sem envolver transformações profundas. Frequentemente, geram medidas de curto prazo — eficazes como comunicação pública — mas insuficientes para reconfigurar o sistema escolar. Uma educação que pretenda produzir resultados duradouros requer continuidade e um projeto nacional articulado, ainda não consolidado pelo país.
No início do século XXI, imaginava-se que a participação do Brasil em avaliações internacionais como o PISA contribuiria para orientar reformulações significativas. No relatório nacional do PISA 2000, já se observava que os estudantes apresentavam fragilidades importantes em leitura, escrita e no uso social da linguagem¹. Como resposta, criaram-se programas de formação e apoio pedagógico alinhados aos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Vinte anos depois, o PISA 2022 registra que os resultados permanecem praticamente estáveis desde 2009². Isso não indica ausência de esforço, mas sim a insuficiência estrutural das políticas implementadas³.
Essa estagnação tem raízes históricas. Desde sua constituição, o sistema escolar brasileiro operou como mecanismo de seleção social e de reprodução de desigualdades⁴. A ampliação do acesso na segunda metade do século XX não foi acompanhada por redistribuição equitativa de recursos e oportunidades. Mesmo a LDB, embora estabeleça princípios relevantes, carece de mecanismos operacionais que garantam equidade⁵. Seu artigo 2º expressa objetivos amplos — pleno desenvolvimento do educando, cidadania e qualificação para o trabalho — mas não oferece meios concretos para enfrentar desigualdades estruturais.
A formação docente acrescenta outro componente crítico. A maioria dos cursos de licenciatura permanece excessivamente teórica, fragmentada e pouco conectada às práticas reais da escola básica. Os estágios muitas vezes assumem caráter burocrático. A entrada dos jovens professores na carreira ocorre, em geral, sem acompanhamento sistemático, enquanto a desvalorização salarial e a sobrecarga de trabalho persistem⁶. Assim, a responsabilidade individual é supervalorizada, enquanto as condições institucionais são subestimadas.
As desigualdades sociais atravessam todas essas dimensões. A escola pública brasileira atende majoritariamente estudantes que enfrentam insegurança alimentar, instabilidade familiar e precariedade material — fatores amplamente reconhecidos por pesquisas como determinantes do desempenho escolar⁷. Reformas educacionais desvinculadas de políticas de proteção social tendem, portanto, a produzir impacto limitado.
Apesar disso, a escola resiste, sustentada pela dedicação cotidiana de milhares de profissionais. No entanto, essa resistência é insuficiente como política pública. A transformação necessária exige continuidade institucional, investimento consistente e articulação intersetorial⁸ — elementos raramente presentes de modo combinado.
Estamos diante de um ponto de inflexão. O país transformou a defesa da educação em consenso retórico, mas ainda não estruturou um compromisso político coerente com sua complexidade. Mais que reformas incrementais, o Brasil necessita redefinir o papel público da escola. Refundar o sistema significa orientar a educação a finalidades civilizatórias, investir na autonomia intelectual dos docentes e assegurar igualdade substantiva de oportunidades⁹.
Enquanto a educação for regida por calendários eleitorais e agendas de curto prazo, avanços serão parciais. A transformação real depende de políticas profundas, integradas e duradouras. Só quando houver alinhamento entre discurso, investimento e compromisso institucional, o Brasil poderá superar a repetição de diagnósticos e começar, efetivamente, a aprender.
Notas de rodapé
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O relatório nacional do PISA 2000 já indicava fragilidades estruturais em leitura e escrita, especialmente no uso social da linguagem.
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O desempenho brasileiro no PISA permanece estatisticamente estável desde 2009, conforme a OCDE.
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Reformas fragmentadas tendem a gerar efeitos limitados em sistemas complexos; transformações estruturais exigem continuidade de políticas.
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Estudos de Florestan Fernandes, Bourdieu, Lahire e Patto mostram como sistemas escolares podem reproduzir desigualdades quando não há compensação institucional.
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A LDB apresenta princípios amplos, mas poucos instrumentos operacionais que assegurem equidade entre redes e regiões.
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Pesquisas do INEP, Unesco e OCDE apontam problemas recorrentes na formação e valorização docente: fragmentação curricular, baixa prática supervisionada, salários inferiores à média profissional.
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Há consenso empírico de que fatores socioeconômicos influenciam fuertemente o desempenho escolar; evidências robustas vêm de economistas da educação, do IPEA e da própria OCDE.
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A baixa continuidade de políticas públicas no Brasil compromete impactos positivos; programas são descontinuados ou renomeados a cada gestão.
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“Refundar” significa reorientar finalidades, fortalecer processos formativos e garantir igualdade substantiva — não destruir estruturas existentes.
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