16.7.12

A GREVE DOS PROFESSORES: ALGUMAS REFLEXÕES


André Malina[1]
Zacarias Gama[2]
(Publicado no Jornal Folha Dirigida, Caderno Educação, Coluna Sem Censura, edição de 24 a 30 de Julho de 2012 - Rio de Janeiro). 
           
Os professores de universidades federais e estaduais e institutos federais de educação estão em greve, mas por que estão em greve? Quais as características desta atual greve? Qual análise pode-se fazer das macropolíticas nas quais se insere este movimento dos trabalhadores/professores?
Nesse sentido, objetivamos pontuar alguns aspectos da fundamentação do processo histórico atual e a importância dessa greve para o conjunto da classe trabalhadora.
A fundamentação mais remota, ou mais geral, desta greve é o conjunto de reformas educacionais que está em curso no mundo e vem sendo pautada pela racionalidade neoliberal. O caso mais impactante talvez seja o da Europa. Ali, firmou-se a Declaração de Bolonha que, desde 1999 e até os dias atuais, busca estabelecer a criação de um espaço europeu de ensino superior. Com isso, pretende-se unificar os sistemas de ensino superior em toda a União Europeia, tornando-os mais competitivos em uma sociedade do conhecimento e capazes de maior acumulação capitalista com a venda de conhecimentos com alto valor agregado em uma economia do conhecimento[3].
No Brasil, sucessivos governos vêm implementando a reforma do Estado e também da Educação igualmente inspiradas pelo ideário neoliberal, e com resultados desastrosos para o conjunto dos trabalhadores da educação, em especial para os professores. Após o governo FHC (1995-2002), por exemplo, consolidou-se a sequência de incremento no financiamento da educação, culminando no governo Lula (2003-2010) com a ampliação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e sua transformação em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), abrangendo desde os níveis da Educação Infantil, o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Na Educação Superior, atualmente, temos já finalizada a primeira parte da reforma universitária com a instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), Programa de Reestruturação e Expansão Universitária (REUNI) e Programa Universidade para Todos (PROUNI). Já no governo Dilma projeta-se a segunda fase do REUNI. Uma linha de continuidade entre os três governos é a implementação da lógica produtivista na gestão das universidades e na produção docente, intensificando um processo de radicalização da eficiência, ou seja, uma busca análoga às leis de incremento da mais-valia relativa imposta ao proletariado pela burguesia.
Dessa forma, a ampliação do olhar sobre o que acontece no campo da Educação, e em particular sobre esta greve, vê-se que não está descolada desta historicidade. Tampouco podemos isolar a Educação da economia política ou dos vários acordos supranacionais e tentativas de livre trânsito e comércio de produtos e serviços (entre eles os serviços educacionais), como foi o caso do Mercosul e da Alca, e também da Eurozona, esta última vivendo atualmente a maior crise da história em função da crise estrutural do capitalismo e da crise de submissão dos Estados nacionais às determinações do Parlamento de Bruxelas. Desse processo político-econômico, decorrem as iniciativas concretas de:
a-      integração econômica e regulamentação comercial de produtos e serviços;
b-      transnacionalização de empresas e indústrias, e portanto do capital já em sua mais nova forma imperialista (capital-imperialismo[4]).
c-      padronização de atendimento e oferta de serviços,
d-      criação de monopólios, oligopólios e poliopólios de produtos e serviços.
            De forma geral, há a internacionalização das aplicações financeiras na dinâmica improdutiva do capitalismo contemporâneo conforme a avidez de maior lucro dos grandes capitalistas (em especial os grandes grupos e holdings, e corporações financeiras). Isso ocorre a partir de um processo histórico relativamente recente, acelerado desde os anos 1980 e, no caso brasileiro de forma contundente a partir dos anos 1990 e 2000 com o beneplácito dos respectivos governos. À transformação da natureza e consequente complexificação da produção e comercialização de todos os bens e serviços na forma de mercadorias, incorporaram-se novos arranjos de consumo e comércio de bens culturais e educacionais; a educação aparece como fetiche do desenvolvimento nacional e, individualmente, como trampolim para os confortos da vida pequeno-burguesa ou da empregabilidade.
            O desenvolvimento do setor de serviços afetou a maneira como compreendemos o movimento no interior do sistema capitalista. Dessa forma, podemos supor que há uma padronização, uma lógica de produção e oferta de serviços, desde os alimentos até a educação estandardizada. Grande número de escolas de todos os níveis adota um padrão e funcionam como fast foods[5]. O processo está generalizado: globalmente predomina a estandardização. No espaço europeu de educação superior já se admite que independe estudar em uma universidade de Paris, Roma, Lisboa ou Atenas: os produtos oferecidos e avaliados conforme determinados critérios são os mesmos e valem os mesmos créditos. No Brasil, os intelectuais orgânicos do capital esforçam-se para que nossas instituições de ensino funcionem da mesma maneira. Quando estão no MEC e na Capes se esmeram para consolidar o nosso “complexo de vira-lata”[6] por meio das Prova Brasil, SAEB, ENEM e DATACAPES.
            Por outro lado, e de forma processual, o capitalismo na atualidade está centralizado no desenvolvimento das forças produtivas atreladas à globalização ou, como Chesnais[7] nos mostra, atreladas à mundialização do capital. É nesse processo de condução do capitalismo contemporâneo, nos quais ocorre a chamada globalização[8] e se desenvolve o capital-imperialismo, que inserimos o estado atual da educação e a insurgência constante de greves de trabalhadores em educação. Além disso, os indicativos relativos ao desenvolvimento da educação no Brasil, que pressionam os trabalhadores e precarizam as condições de trabalho, podem ser vistos também como subserviência às determinações mundiais para o desenvolvimento do país, colocando-o no patamar de “país desenvolvido” economicamente e socialmente.
Noutra perspectiva, compreendemos a educação de forma crítica ao quadro descrito, e do entendimento da necessidade de sua universalização como serviço prioritário do Estado. No caso do Ensino Superior, nós, professores do movimento grevista, defendemos, a materialização da universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada, mantida integralmente pelo Estado. Também defendemos uma Universidade Necessária à sustentabilidade do atual e futuro desenvolvimento brasileiro, da nossa Segurança Nacional (ver a invasão estrangeira na Amazônia), da nossa produção científica e tecnológica com alto valor agregado.
A greve dos trabalhadores docentes e funcionários técnico-administrativos das universidades públicas, não apenas exige melhores salários e condições de trabalho; antes ela exige que o Brasil seja independente e soberano no concerto das nações.


[1] Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e membro do Comando Estadual Unificado de Greve.
[2] Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH)
[3] Sobre uma crítica à noção de sociedade do conhecimento e a questão do mundo do trabalho, ver LESSA, Sérgio. Trabalho e luta de classes na “sociedade do conhecimento. In: Jimenez, S.; Oliveira, J. L.; Santos, D. (Orgs) Marxismo, Educação e Luta de Classes. UECE/IMO/SINTSEF, Fortaleza, 2008. Localizado em
[4] Sobre o conceito de capital-imperialismo ver FONTES, Virginia. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EPSHV/Editora UFRJ, 2010. Em especial, ver o Capítulo I: “Para pensar o capital-imperialismo contemporâneo de recursos sociais de produção e expropriações”.
[5] Esse modelo não é novo, e pode ser visualizado em GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: SILVA, Tomaz Tadeu; GENTILI, Pablo (Orgs.). Escola S. A.: quem ganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996.
[6] Expressão usada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva para designar um possível complexo de inferioridade brasileira diante da sociedade do Primeiro Mundo.  
[7] CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1996.
[8] Sobre a questão da globalização e o conceito de capitalismo contemporâneo, ver COSTA, Edmilson. A Globalização e o Capitalismo Contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

22.6.12

A posição das universidades do Estado do Rio de Janeiro no ranking latinoamericano: constatações e preocupações.


A classificação de universidades em quaisquer rankings é sempre discutível. Com quais critérios foram avaliadas? As posições obtidas decorreram de avaliação criterial, tomando cada uma como referência de si mesma, ou foi normativa, isto é, foram avaliadas a partir de um modelo ideal de universidade? Qual a idoneidade dos avaliadores e organizadores dos rankings? Quais interesses estão subjacentes à publicização de determinada universidade no topo do ranking ou entre as 10 primeiras?
Não há consenso a respeito dessas práticas de classificação. Elas não têm a mesma objetividade dos rankings que servem aos competidores olímpicos de natação por exemplo. Nas classificatórias de natação masculina, estilo Medley 4 x 100, para as Olímpiadas de Londres, o cronômetro implacavelmente posicionou os atletas do Clube de Regatas Flamengo em 1º lugar (3m36s10), os do Clube Pinheiros em 2º (3m36s60), e os do Minas Tênis Clube em 3º (3m41s72). Todos os demais competidores não obtiveram o índice exigido e os presentes ao estádio puderam comprovar os tempos de cada um e as distâncias entre eles.
Não obstante o esforço da empresa que organizou o ranking das universidades latinoamericanas é difícil perceber a olhos nus ou mesmo com alguns indicadores as diferenças qualitativas entre a Universidade de São Paulo (USP), primeira colocada no ranking, e outras universidades. Este ranking foi divulgado pela QS World University Rankings, uma empresa de serviços, fundada em 1990, especializada em informações e soluções sobre carreiras de nível superior. No meio em que atua, ela própria se adjetiva como fornecedora do “ranking universitário mais confiável do mundo”.
As imprecisões dos rankings não elidem, entretanto, as possibilidades de seus usos para algumas constatações e reflexões, se consideramos os indicadores utilizados: reputação acadêmica, reputação como local de trabalho (empregabilidade), publicação de textos científicos, citações em outras publicações, relação entre o número de alunos e professores, docentes com titulação de doutor, acessibilidade e uso de sua página na Internet (Web Impact). O ranking em foco, por exemplo, pode nos ajudar a questionar o lugar que as universidades fluminenses estão a ocupar entre as melhores universidades latinoamericanas.
Entre as 10 universidades latinoamericanas situadas no QS Latin University Rankings, três são brasileiras: USP – Universidade de São Paulo (1º lugar), UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas (3º lugar) e UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro (8º lugar). Entre as 50 melhores, a UERJ aparece após a UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (17º lugar), mas garbosamente é a única representante do Estado do Rio de Janeiro que está posicionada entre as 50 melhores universidades do subcontinente: está em 38º lugar. A UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense “Darcy Ribeiro”, a segunda grande universidade mantida pelo governo do Estado, aparece em 117º lugar.
A PUC-Rio é a solitária representante das instituições privadas de educação superior e ocupa o 18º lugar. A ausência de outras universidades privadas existentes no Estado do Rio de Janeiro é um fato que chama a atenção. Aliás, à exceção das PUCs (Rio, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), todas as demais universidades particulares somente aparecem a partir do 111º lugar, e mesmo assim apenas nove garantem posições até o 200º lugar a despeito da propaganda midiática que vende as suas marcas, agregando-lhes uma qualidade superior incapaz de se afirmar face a alguns critérios tidos como objetivos.
Mas, por que razões as universidades estaduais fluminenses, considerando em particular a UERJ e a UENF não se emparelham com as universidades estaduais de São Paulo e não têm igual reputação?
Em termos de reputação acadêmica e de empregabilidade uma resposta emerge de imediato focalizando-se exclusivamente a UERJ, considerada pelo Governador Sérgio Cabral como a “jóia da Coroa”. A UERJ, ao contrário das congêneres paulistas, não têm docentes e servidores técnico-administrativos em regime de dedicação exclusiva e as suas remunerações apresentam grandes perdas acumuladas. Em um simples exercício comparativo das remunerações pagas aos docentes-doutores da UERJ com as dos seus colegas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, por exemplo, começamos a compreender o lugar que ocupa no ranking, atrás das universidades paulistas. Na UNIOESTE um professor doutor, Adjunto A, com dedicação exclusiva recebe mensalmente R$ 7.452,00 e um professor associado, R$ 9.364,47; na UERJ estes mesmos professores recebem salários, respectivamente, de R$ 4.685,32 e R$ 4.656,22. Todos docentes e servidores da UNIOESTE têm ainda uma data-base de correção dos seus salários fixada por lei e os seus triênios sequer sofrem qualquer ameaça de desaparecimento por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) movida pelo Governador do Estado. Assim, não é, pois, de estranhar que o impacto desta defasagem nas remunerações incide diretamente sobre a reputação da UERJ como local ideal de trabalho. Na UERJ é grande a evasão de docentes e servidores para outras instituições e carreiras. Em alguns Departamentos das diversas Unidades Orgânicas da UERJ há mais de 50% de professores substitutos ou auxiliares com contratos de trabalho incrivelmente precarizados: recebem por aulas dadas, não têm direito a férias, repouso remunerado e 13º salário e sequer recebem seus salários em datas fixas.
A reputação acadêmica da UERJ é garantida pelas publicações e pesquisas de denodados pesquisadores que, a despeito da precariedade das suas condições de trabalho, conseguem ainda assim realizar trabalhos importantes e de referências. Em 2011 o DATAUERJ registra a realização de 19.155 produtos científicos por 1.993 docentes-pesquisadores.
A questão orçamental da UERJ também merece atenção e ajuda a trazer à luz as condições objetivas de trabalho. Para tanto é significativo comparar seus recursos orçamentário-financeiros com os das universidades paulistas. Desta comparação fica fácil deduzir em que condição opera a comunidade uerjiana, particularmente se se deduzem os gastos de manutenção com o Hospital Universitário Pedro Ernesto.

Universidade
Ranking em 2012
Data de Fundação
Orçamento Anual (R$ milhões)
Número de Docentes
Número de Alunos matriculados
Relação docente/aluno
Proporção
Orçamento/Aluno per capita
(em reais)
USP (2011)
1º lugar
1934
3.383.000.000
5.865
88.962
1/15,16
38.027.472
Unicamp (2011)
3º lugar
1966
2.087.388.674
2.052
36.801
1/17,93
56.720.974
UNESP (2010)
17º lugar
1976
1.561.726.421
3.543
38.435
1/10,84
40.632.923
UERJ (2010)
38º lugar
1958
952.653.446
2.179
26.251
1/12,04
36.290.177
Fontes: anuários estatísticos divulgados pelas próprias universidades. Todos foram obtidos no Google buscando-se, por exemplo, UERJ em números.
 
A questão que relaciona o número de docentes e servidores com o total de estudantes também é grave. Dados da UERJ de 2011 indicam haver 26.251 estudantes para 2.179 docentes e 3.177 servidores técnico-administrativos. Em 2003 havia 23.655 estudantes, 1.970 docentes e 4.141 servidores. Hoje se trabalha na UERJ com mais 2.596 estudantes, 209 docentes e 964 servidores técnico-administrativos a menos.
Quanto à questão WEB Impact, considerando a acessibilidade e usos do Portal WEB da UERJ (www.uerj.br), também há que se preocupar. A acessibilidade existente não é inclusiva, isto é, há falta de dispositivos informatizados que permitem o acesso de cidadãos com necessidades especiais (facilitação auditiva e visual, impressão em braile, legibilidade dos conteúdos, acessibilidade por teclado, conteúdos que não provocam ataques epiléticos etc.). Em comparação, por exemplo, com o Portal da Universidade de Lisboa, com acessibilidade generalizada, o Portal da UERJ pouco disponibiliza e orienta os estudantes, docentes e servidores a tirarem o maior proveito das próprias potencialidades da universidade. O portal da UL indica, por exemplo, os caminhos de apoio à organização, gestão e dinamização das atividades de investigação e desenvolvimento das diversas Unidades, bem como a elaboração de projetos, suas candidaturas em editais de financiamento, e a execução financeira dos projetos que receberam financiamentos. Toda a comunidade utiliza o sinal de Internet da UL nos seus campi e dispõe de informações específicas conforme os cursos. Com bastante facilidade é possível ter acesso aos serviços financeiros, sistemas de informação, infraestrutura tecnológica, suportes de informática, formação, ambiente e energia, apoio à investigação, higiene e segurança no trabalho, e normalização e otimização dos processos de aquisição de bens e serviços.
Não obstante tudo isto, somente os críticos mais afoitos e inconsequentes haveriam de responsabilizar os docentes e servidores da UERJ por não estarem emparelhadas com as congêneres paulistas. Mas seriam críticas anacrônicas e superficiais; sequer tangenciariam a essência do problema e pouco contribuiriam para a melhoria desta universidade. Tampouco serviriam para suspender a greve geral de estudantes, docentes e servidores da UERJ que se iniciou no dia 11 de Junho. A mais atualizada literatura sobre a estrutura e o funcionamento das instituições de ensino superior desloca o epicentro das mazelas das nossas universidades, incluindo as do Estado de São Paulo, para a qualidade das políticas de governo e para o gerenciamento do sistema de ensino superior pelas autoridades competentes. Tanto as políticas como o gerenciamento estão defasadas quanto à importância estratégica das nossas universidades.
Se a mudança radical de concepções acerca da universidade continuar a ser postergada, será muito difícil dar sustentabilidade ao atual processo de desenvolvimento do Estado e do País. Recente estudo produzido pelas universidades de Harvard e Stanford relaciona crise educacional e segurança nacional, na medida em que se constatou nos EUA a grande dificuldade de formar pessoal com sólidas qualificações demandadas pelas Forças Armadas, diplomacia, empresas de pesquisa farmacêutica e aeroespacial, indústria e comércio em geral. Este estudo é sem dúvida importante e pode ser rebatido para a nossa realidade. A mesma pergunta que propõe à sociedade dos EUA é igualmente válida para nós todos, fluminenses e brasileiros: se não preparamos bem as futuras gerações, quem protegerá o nosso Estado, a segurança do País e a nossa prosperidade atual e futura?

Com a palavra as nossas autoridades.

18.5.12

O capital nos bancos escolares: expansão e preocupação



O jornal Brasil Econômico de Quinta-feira, 17 de   maio, estampou à página 18 uma matéria com a seguinte chamada: “Aos 50 anos, José Alves volta para os bancos de escola”. Não se trata porém de um simplório sr. José Alves Filho que volta para concluir os seus estudos. O sujeito em questão é um poderoso empresário herdeiro e presidente do Grupo José Alves que atua nos setores de bebida (Coca-cola Company), serviços de tecnologia da informação (Red&White IT Solutions), rastreamento e monitoramento de cargas (3T Stystems) e em mais outros cinco setores com uma receita anual girando em torno de 850 milhões de reais.
Em meio aos demais setores de atuação deste Grupo está o ensino superior. Ele já controla as Faculdades Alves Faria (ALFA), mantidas pelo Centro Educacional Alves Faria Ltda (CENAF) com atuação na Região Centro-Oeste, e a Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP), esta última criada em 2001 exclusivamente para oferecer cursos na área do Direito. Segundo o mesmo jornal, a expectativa deste Grupo é que nos próximos cinco anos o seu universo cresça de 3,5 mil para 8,5 mil estudantes de graduação, mestrado e doutorado no eixo Goiânia-São Paulo com o propósito de formar profissionais com competência e orientação para resultados.
A volta do empresário José Alves Filho aos bancos escolares não é, pois, um retorno para uma simples retomada de estudos. Trata-se de uma volta essencialmente capitalista com a finalidade de extrair mais valor no campo da educação superior. Seu grupo passará a investir maciçamente na ampliação dos seus negócios de ensino superior; pelo menos R$ 5 milhões anuais serão investidos em propaganda, contratos, construções e outras ações configurando uma espiral tensa e socialmente avassaladora neste campo. Tensa porque passa a atuar fortemente sem necessariamente ter alguma missão e valores próximos aos da formação do homem integral; seu objetivo explícito em site institucional é tão somente a formação do profissional de resultados (sabe-se lá guiado por qual ética). Avassaladora porque a expansão pretendida tende a submeter outras instituições de ensino superior que têm a sociedade como seu princípio e referência normativa e valorativa.
A expansão do Grupo José Alves, apesar de sua veemência, não constitui porém um fato isolado. Outros grandes grupos nacionais vêm fazendo o mesmo, muitos deles com ofertas de participação acionária na bolsa de valores de Nova Iorque. Dois grandes grupos ilustram bem o atual processo de privatização do ensino superior. Um é representado pela Galileo Educacional que recentemente passou a controlar a Universidade Gama Filho (UGF) e o Centro Universitário da Cidade (UniverCidade), o qual muito rapidamente já vem gerando muitas preocupações para professores, funcionários e estudantes de ambas instituições de ensino superior. Uma Carta Aberta dos alunos do Centro Universitário da Cidade à sua direção, publicada no site Petição Pública, exige o imediato pagamento de todos os salários atrasados de docentes e funcionários até o dia 13 de abril de 2012 e os pagamentos relativos a FGTS, INSS, férias, indenizações e 13º salário. Na UGF a situação não é diferente. O Yahoo Notícias de 18 de maio de 2012 informa ser problemática a administração deste Grupo em ambas universidades: Segundo os alunos, a atual administração mantêm instalações de ensino em estado precário, salários de professores e funcionários estão dois meses atrasados e houve aumento de mensalidade sem reflexo em melhora das condições de ensino. O outro grupo que contribui para a mesma ilustração é o Grupo Kroton Educacional com sede em Belo Horizonte. Ele atualmente está presente em 30 municípios de 9 estados brasileiros, nos quais controla 40 unidades de ensino superior, com mais de 92 mil alunos, e mais de 700 escolas de educação básica com cerca de 280 mil alunos. Em quatro municípios este Grupo atua integralmente no oferecimento da educação básica. Somente no primeiro semestre de 2011 obteve um lucro líquido de 174%. Em 2006 sua renda liquida chegou a 113 milhões de reais. A sua avidez de expansão é grande, não para e se faz acompanhar de oferta de ações na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA). Dados obtidos junto à BOVESPA informam a sua captação de recursos junto a investidores institucionais residentes e domiciliados nos Estados Unidos da América, por meio de Agentes de Colocação Internacional (Itau BBA USA Securities Inc., BTG Pactual US Capital Corp., Santander Investment Securities Inc., Bradesco Securities, Inc. e Banco Votorantim Securities, Inc.).
O fato é que a expansão de grupos eminentemente capitalistas no campo da educação é uma realidade concreta e é deveras preocupante. Das 2377 instituições de ensino superior existentes no Brasil, apenas 278 são públicas. Isto quer dizer que o setor privado já controla quase 90% do sistema de ensino superior.
Esta expansão, entretanto, é desordenada e basicamente está concentrada nas áreas de conhecimento que exigem baixos investimentos em pesquisas, laboratórios e tecnologias educacionais. Vem sendo feita, portanto, sem obedecer a políticas estratégicas capazes de permitir ao País livrar-se do pagamento de royalties aos centros produtores e vendedores de novos conhecimentos e patentes. A devida atenção do Poder Público a esta expansão é imperativa e urgente. Sem uma rígida regulação produzida pelo Ministério da Educação, Secretaria de Ensino Superior (SESu) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) nós nos condenamos aos patamares mais baixos na hierarquia do que vem chamado de sociedade e economia do conhecimento. A continuidade desta expansão apenas em conformidade com as leis do mercado deixa-a aberta ao arrivismo mais selvagem, com graves prejuízos para a consolidação de um sistema de ensino superior de qualidade, num momento em que o País precisa dar sustentabilidade ao seu desenvolvimento e incrementar com a independência a pesquisa e a produção de novos conhecimentos de ponta em todas as áreas do conhecimento. 

Publicado no Jornal Folha Dirigida, Caderno Educação, Coluna Sem Censura, pág. 4. Rio de Janeiro. Edição de 31/05/2012. 

9.12.11

A ortodoxia neoliberal: cegueira e surdez

A ortodoxia neoliberal parece ser completamente cega.  Sua brutalidade, no entanto, é inquestionável e está configurando na Europa uma luta de classes sem tamanho. O capital oprime o trabalho sem a menor compaixão. Suas palavras de ordem são cortar salários, aumentar impostos sobre os salários e o consumo, restringir direitos sociais historicamente conquistas e vai por ai a fora.
O Brasil de Fernando Henrique Cardoso viveu tudo isso. Em seus oito anos de governo o País jamais viu tamanha concentração de riquezas nas mãos de uns poucos e tamanha miséria sendo impingida a milhões. Não fosse a visão e a vontade política do Presidente Lula o país poderia ter sido levado à guerra civil. E o que ele fez? Coisas que estão longe da doutrina neoliberal de Merkel e Sarkozy, como por exemplo implementar diversas políticas sociais e macroeconômicas capazes de criar empregos (PAC), reduzir desigualdades (Bolsa Família), garantir proteção social (UPAs, seguridade social para camponeses, domésticas, prostitutas), investimento na agricultura familiar, eletrificação rural e garantia das safras, investimentos em energias alternativas limpas etc.
A troika que oprime a eurozona sequer admite que as ações do governo Lula são factíveis e que poderiam, por exemplo, retirar os Portugal, Grécia, Itália e Espanha da crise em que foram mergulhados pela crença cega na doutrina neoliberal. Parecem surdos aos gritos dos Indignados e de tantos outros.
O Relatório da ONU recém divulgado aponta que a saida dessa crise somente se dará com investimentos sociais, exatamente o que o capital financeiro da lucratividade máxima mais parece odiar.

9.11.11

Professores estão excluídos do debate público sobre política educacional


O deus mercado e a privatização da educação brasileira


 A crença e a adoração da maioria dos economistas e dos responsáveis pela elaboração das políticas públicas no deus mercado, segundo as quais ele seria o grande regulador das transações financeiras, estão dando com os burros n’água depois de permitir que os grandes grupos financeiros e os grandes bancos de investimentos fincassem os seus tentáculos sobre a economia mundial. A crise estrutural do capital em bases neoliberais está em curso com mais visibilidade desde 2008 e vem se agravando, tal qual um tsunami que ameaça a vida planetária e fixa no horizonte dos cidadãos comuns e das sociedades o desemprego, a precariedade, a desigualdade e a perda da soberania popular. Já se fala até num precariado mundial.
A crise, em sua essência, não deriva de incapacidade político-administrativa nacional mas do esgotamento da rentabilidade máxima das aplicações financeiras que mercadorizou a produção de bens e serviços de base, a educação, saúde, cultura, recursos naturais e o conjunto dos seres vivos. Ela cresce a cada dia, assusta e impõe urgentes medidas com ênfases nos aspectos regulatórios, com a finalidade de reduzir a probabilidade de seu agravamento e de melhorar a capacidade gerencial de suas manifestações. Na sua contramão muitas manifestações populares já estão ganhando as ruas no Chile, Argentina, Itália, França, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos.
Sobre a expansão da rentabilidade financeira no campo educacional, no entanto, pouco ou nada tem sido falado. Mas ela vem subsumindo com força e rapidez a oferta educacional às leis de competitividade do mercado. Os rankings dos cursos e dos desempenhos dos estudantes têm servido para orientar não apenas as matrículas daqueles que buscam as “melhores” instituições de ensino, mas também aonde o investidor deve aplicar e maximizar os seus ganhos. Pouco importa que a educação seja um bem público, um direito historicamente conquistado que compreende qualidade, gratuidade e universalidade.
A privatização da educação brasileira está ocorrendo em processo acelerado e se torna maior ainda com a internacionalização de ações das empresas na medida em que predomina a liberdade de investimentos em um enorme espaço aberto a novos e lucrativos investimentos na educação presencial e a distância. Praticamente não há restrições constitucionais à participação da iniciativa privada nacional e estrangeira na educação e no ensino das nossas crianças, jovens e adultos. Apenas se exige que as empresas cumpram as normas gerais da educação nacional e sejam autorizadas pelo Poder Público. Assim, não por acaso o Brasil fascina os homens de negócio daqui e do exterior. O Brasil é o sexto maior mercado educacional mundial. Tem matriculados cerca de 58 milhões de alunos na educação básica e a iniciativa privada somente atende 14 % desse total; no ensino superior as matriculas ultrapassam a casa dos 5 milhões, mas apenas cobrem 14% da população com idade entre 18 e 24 anos. Um estudo do Observatório Universitário do instituto Databrasil – Ensino e Pesquisa para 2010 estima que 77,2% das matriculas sejam oferecidas por instituições privadas de ensino superior, o que corresponde ao atendimento de 4.775.420 de estudantes (Carvalho, 2004)[1]
Uma empresa educacional, com sede em Belo Horizonte-MG, pode ser tomada como exemplo de expansão da lógica da rentabilidade máxima das aplicações financeiras no campo educacional brasileiro. Ela atualmente está presente em 30 municípios de 9 estados brasileiros, nos quais controla 40 unidades de ensino superior, com mais de 92 mil alunos, e mais de 700 escolas de educação básica com cerca de 280 mil alunos. Em 4 municípios esta empresa atua integralmente no oferecimento da educação básica. Somente no primeiro semestre de 2011 obteve um lucro líquido de 174%. Em 2006 sua renda liquida chegou a 113 milhões de reais. Sua avidez de expansão não para e se faz acompanhar de oferta de ações na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) e também junto a investidores institucionais residentes e domiciliados nos Estados Unidos da América, por meio de Agentes de Colocação Internacional (Itau BBA USA Securities Inc., BTG Pactual US Capital Corp., Santander Investment Securities Inc., Bradesco Securities, Inc. e Banco Votorantim Securities, Inc.)[2].
Outra grande empresa educacional, com sede em São Paulo, lidera o segmento privado de Educação Básica no país, vendendo diretamente o seu sistema de ensino a 535 mil alunos (livro didático, cd-roms etc). As suas escolas conveniadas, mais de 2400 no Brasil e no exterior, adquirem também completo suporte pedagógico e programas de relacionamento com a comunidade escolar, incluindo campanhas institucionais e de marketing. Em seu site institucional, afirma atender a um total de 10 milhões de alunos no Brasil, Japão e Estados Unidos[3].
Outras empresas com rendas líquidas superiores a 100 milhões de reais em 2006, também se destacam capturadas pela lei do máximo valor: Estácio Participações (829 milhões), Sistema Educacional Brasileiro/Pearson Sistemas do Brasil S.A. (120,4 milhões), Anhanguera Educacional (113 milhões)[4]
Ora, se somente consideramos essas empresas de educação, e incluímos entre elas a Abril Educacional que controla as editoras Ática e Scipione, é possível, por um lado, ter uma dimensão da pressão política que podem exercer junto a vereadores, deputados e senadores, MEC e Conselho Nacional de Educação para desregular o campo da educação nacional e abocanhar vultosas somas das verbas públicas. Por outro nos permite associar a elas o empenho do Movimento Todos pela Educação de ser o principal protagonista no debate sobre a educação nacional, na construção de uma agenda, afirmação de um novo pacto social por políticas públicas, definição judicial do que é qualidade da educação etc. A associação de ambos, empresários movidos pela alta rentabilidade e empresários do Movimento Todos pela Educação, cria uma frente privatista que definitivamente entroniza o deus mercado no campo da educação tendo apenas como expectativa os quatro pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.
Esse deus, porém, é de barro e suas representações estão prestes a ruir definitivamente. A indignação social mundial materializado no movimento dos indignados, que se levanta contra ele e seus acólitos, deveria na sua versão brasileira abrigar a imediata exigência de proteção da educação pública como direito social garantido pelo Estado e efetivo controle de capitais no campo da educação. A grande lição que a crise do capitalismo nos oferece é que as suas estruturas neoliberais foram somente construídas para a rentabilidade máxima. Jamais esteve em seus horizontes produzir um legado educacional sólido capaz de elevar as novas gerações a patamares de uma sociabilidade mais justos, iguais, fraternos e de promoção de nossa própria humanidade.
  





[1] CARVALHO, Márcia Marques de. Projeção da Matrícula no Ensino Superior no Brasil, por Dependência Administrativa:Um Exercício Preliminar. Rio de Janeiro: Observatório Universitário/ Instituto Databrasil – Ensino e Pesquisa, 2004. Disponível no site: http://www.observatoriouniversitario.org.br/pdf_documentos_de_trabalho/documentos_de_trabalho_26.pdf
[2] Dados obtidos no site institucional da Kronton Educacional. Disponível: http://www.kroton.com.br/ Acesso em Outubro de 2011.
[3] Site institucional do Grupo Positivo. http://www.positivo.com.br
[4] Informações obtidas no site institucional da BOVESPA. Disponível: http://www.bmfbovespa.com.br/cias-listadas

Que educação é esta? Até quando?

Imagem Copilot Com o gado bolsonarista berrando loucamente pelas ruas, me pergunto sobre o que entregaram as aulas de História, Geografia, ...