Entrevista concedida ao jornalista Thiago Lopes. Inicialmente foi publicada no Jornal Folha Dirigida. A versão aqui postada foi publicada na Revista Carta Maior.
Para ler acesse o link: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/A-necessidade-estrategica-da-expansao-do-ensino-superior-com-qualidade/13/29915
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Feliz Ano 2014.
2.1.14
20.10.13
Cadê o direito de greve dos professores? Cadê a valorização do magistério?
As redes de escolas públicas municipais, estaduais e da FAETEC estão paradas há quase dois meses na capital e no interior do Estado do Rio de Janeiro. Os professores estão nas ruas, em passeatas que mais parecem um mar de gente gritando “Fora Cabral, vá com Paes”. Os alunos, por sua vez, estão casa sem aulas infernizando a vida dos pais fora do período de férias. A imprensa e as autoridades públicas lamentam diariamente o “prejuízo” que esta paralisação trás para as crianças e seus familiares; nas avenidas a repressão policial comete os exageros de costume.
Em períodos de greves isso é o que comum. Ambos os lados se atacam mutuamente e um tenta desmoralizar o outro. Cada um por seus próprios meios e estratégias se esforça para ganhar o apoio da sociedade. Os governantes exaltam os prejuízos sociais de uma greve por mais curta que seja. Os grevistas acusam as autoridades de insensíveis às suas reivindicações. É uma guerra psicológica e ideológica que parece não ter fim. Mas por que tem de ser assim?
Alguma coisa certamente está fora dos eixos porque as greves são asseguradas pelo Artigo 9º da Constituição Brasileira de 1988. Ela tanto assegura o direito de greve como o direito de uma categoria profissional decidir sobre a oportunidade de realiza-la. Conforme o Art. 37, VII, uma greve será ilegal se deixar de ser exercida nos termos e nos limites definidos em lei específica. Ambos os lados sabem disso. Os sindicatos cuidam para que não sejam levados às barras dos tribunais. O Estado no Brasil parece, porém, jamais se preparar para os dias de greve evitando os graves prejuízos para a população, ao contrário do que fazem as categorias profissionais. Enquanto elas se preparam durante o período de “estado de greve” que as suas assembleias deliberam; se organizando para a radicalização que se anuncia no horizonte, as nossas autoridades apenas dão inicio à guerra psicológica e ideológica. Do lado das categorias algumas formam fundos de greve face às possíveis suspensões de salários, cuidam para que serviços essenciais não sejam interrompidos, contratam carros de som, pintam faixas etc. E do lado do Estado? Concretamente só a Polícia Militar e o Batalhão de Choque entram em estado de prontidão, encomenda mais de spray de pimenta, reveem as suas táticas e melhor se aparelham para reprimir os distúrbios de ruas e prender manifestantes mais ousados.
Em diversos países europeus a ação do Estado na antevéspera de uma greve é a de se organizar para garantir o direito de greve e evitar grandes problemas e prejuízos para a sociedade. Quando estive em Portugal realizando uma investigação de campo para a minha pesquisa sobre a reforma das universidades europeias (Nov.2011 – Mai.2012) tive a oportunidade de vivenciar as ações do Estado diante de três greves gerais e algumas outras greves setoriais. Nas greves da FENPROF – Federação Nacional de Professores, por exemplo, foi garantido integralmente aos professores o direito de greve. O Estado cuidou para que as escolas funcionassem com atividades extraclasses para os alunos entendendo que a vida dos pais não poderia ser tumultuada com as crianças em casa e sem o que fazer. Durante toda a extensão da greve se garantiu o fornecimento de merendas e alimentação escolar, assim como os transportes de ida e volta das crianças e adolescentes de casa para as escolas. Nas greves gerais, quem não se envolveu pode exercer com bastante normalidade as suas atividades. O policiamento desmilitarizado presentes às manifestações cuidou de garantir o direito de greve; os grupamentos militarizados estavam, no entanto, de prontidão para reprimir quaisquer badernas quando, por acaso, fossem acionados.
Foi preciso que eu saísse do Brasil para testemunhar a ocorrência de greves em regimes verdadeiramente democráticos, nos quais os direitos sociais inscritos constitucionalmente são cláusulas pétreas e são cumpridos. Aqui, infelizmente, ainda estamos distantes da consolidação de um estado democrático com a estrita observação das cláusulas constitucionais que devem pautar a nossa vida cidadã e democrática. Nossa mídia que deveria zelar pela observação delas sequer promove debates acerca do desrespeito existente. Se eles fossem ao ar ou objetos de artigos e colunas, certamente nos deteríamos na apuração e julgamento das responsabilidades dos grevistas e do Estado. Estaríamos também cobrando das nossas autoridades públicas a garantia ao direito de Greve e o porquê de até hoje a justiça não ter sido chamada para arbitrar e decidir o conflito, conforme o previsto no § 3º do Art. 114 da nossa Constituição: Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.
Os prejuízos que a sociedade pode ter com as greves não podem, portanto ser imputados unicamente aos grevistas. Cabe responsabilizar os Poderes Públicos por incúria. As nossas crianças estão em casa dando trabalho porque eles não se organizaram para lhes promover adequadas atividades extraclasses. A categoria docente sequer tem prejudicado os planos de cursos anuais; ela historicamente sempre repõe as aulas e conteúdos quando não lhe são descontados os dias parados.
Nesse momento difícil em fácil da greve prolongada dos docentes das escolas públicas da Capital e do Interior há, então, duas perguntas que precisam ser feitas pela sociedade com muita veemência ao Poder Público: por que deixa de ser respeitado o direito de greve das categorias profissionais? Por que o Ministério Público do Trabalho ainda não foi acionado para dirimir o dissídio conforme as determinações do Plano Nacional de Educação 2011 – 2020 e da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 para a valorização da carreira docente?
A sociedade precisa também saber que a LDB é claríssima a respeito da valorização da carreira docente. O seu Art. 67 reza objetivamente que os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, lhes assegurará estatutos e planos de carreira, ingresso exclusivamente por concurso, aperfeiçoamento profissional continuado com licenciamento periódico remunerado, piso salarial profissional, progressão funcional baseada na titulação ou habilitação e na avaliação do desempenho, período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho, e condições adequadas de trabalho.
Por que as nossas autoridades públicas não cumprem as leis de educação que elas próprias escrevem?
Em períodos de greves isso é o que comum. Ambos os lados se atacam mutuamente e um tenta desmoralizar o outro. Cada um por seus próprios meios e estratégias se esforça para ganhar o apoio da sociedade. Os governantes exaltam os prejuízos sociais de uma greve por mais curta que seja. Os grevistas acusam as autoridades de insensíveis às suas reivindicações. É uma guerra psicológica e ideológica que parece não ter fim. Mas por que tem de ser assim?
Alguma coisa certamente está fora dos eixos porque as greves são asseguradas pelo Artigo 9º da Constituição Brasileira de 1988. Ela tanto assegura o direito de greve como o direito de uma categoria profissional decidir sobre a oportunidade de realiza-la. Conforme o Art. 37, VII, uma greve será ilegal se deixar de ser exercida nos termos e nos limites definidos em lei específica. Ambos os lados sabem disso. Os sindicatos cuidam para que não sejam levados às barras dos tribunais. O Estado no Brasil parece, porém, jamais se preparar para os dias de greve evitando os graves prejuízos para a população, ao contrário do que fazem as categorias profissionais. Enquanto elas se preparam durante o período de “estado de greve” que as suas assembleias deliberam; se organizando para a radicalização que se anuncia no horizonte, as nossas autoridades apenas dão inicio à guerra psicológica e ideológica. Do lado das categorias algumas formam fundos de greve face às possíveis suspensões de salários, cuidam para que serviços essenciais não sejam interrompidos, contratam carros de som, pintam faixas etc. E do lado do Estado? Concretamente só a Polícia Militar e o Batalhão de Choque entram em estado de prontidão, encomenda mais de spray de pimenta, reveem as suas táticas e melhor se aparelham para reprimir os distúrbios de ruas e prender manifestantes mais ousados.
Em diversos países europeus a ação do Estado na antevéspera de uma greve é a de se organizar para garantir o direito de greve e evitar grandes problemas e prejuízos para a sociedade. Quando estive em Portugal realizando uma investigação de campo para a minha pesquisa sobre a reforma das universidades europeias (Nov.2011 – Mai.2012) tive a oportunidade de vivenciar as ações do Estado diante de três greves gerais e algumas outras greves setoriais. Nas greves da FENPROF – Federação Nacional de Professores, por exemplo, foi garantido integralmente aos professores o direito de greve. O Estado cuidou para que as escolas funcionassem com atividades extraclasses para os alunos entendendo que a vida dos pais não poderia ser tumultuada com as crianças em casa e sem o que fazer. Durante toda a extensão da greve se garantiu o fornecimento de merendas e alimentação escolar, assim como os transportes de ida e volta das crianças e adolescentes de casa para as escolas. Nas greves gerais, quem não se envolveu pode exercer com bastante normalidade as suas atividades. O policiamento desmilitarizado presentes às manifestações cuidou de garantir o direito de greve; os grupamentos militarizados estavam, no entanto, de prontidão para reprimir quaisquer badernas quando, por acaso, fossem acionados.
Foi preciso que eu saísse do Brasil para testemunhar a ocorrência de greves em regimes verdadeiramente democráticos, nos quais os direitos sociais inscritos constitucionalmente são cláusulas pétreas e são cumpridos. Aqui, infelizmente, ainda estamos distantes da consolidação de um estado democrático com a estrita observação das cláusulas constitucionais que devem pautar a nossa vida cidadã e democrática. Nossa mídia que deveria zelar pela observação delas sequer promove debates acerca do desrespeito existente. Se eles fossem ao ar ou objetos de artigos e colunas, certamente nos deteríamos na apuração e julgamento das responsabilidades dos grevistas e do Estado. Estaríamos também cobrando das nossas autoridades públicas a garantia ao direito de Greve e o porquê de até hoje a justiça não ter sido chamada para arbitrar e decidir o conflito, conforme o previsto no § 3º do Art. 114 da nossa Constituição: Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.
Os prejuízos que a sociedade pode ter com as greves não podem, portanto ser imputados unicamente aos grevistas. Cabe responsabilizar os Poderes Públicos por incúria. As nossas crianças estão em casa dando trabalho porque eles não se organizaram para lhes promover adequadas atividades extraclasses. A categoria docente sequer tem prejudicado os planos de cursos anuais; ela historicamente sempre repõe as aulas e conteúdos quando não lhe são descontados os dias parados.
Nesse momento difícil em fácil da greve prolongada dos docentes das escolas públicas da Capital e do Interior há, então, duas perguntas que precisam ser feitas pela sociedade com muita veemência ao Poder Público: por que deixa de ser respeitado o direito de greve das categorias profissionais? Por que o Ministério Público do Trabalho ainda não foi acionado para dirimir o dissídio conforme as determinações do Plano Nacional de Educação 2011 – 2020 e da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 para a valorização da carreira docente?
A sociedade precisa também saber que a LDB é claríssima a respeito da valorização da carreira docente. O seu Art. 67 reza objetivamente que os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, lhes assegurará estatutos e planos de carreira, ingresso exclusivamente por concurso, aperfeiçoamento profissional continuado com licenciamento periódico remunerado, piso salarial profissional, progressão funcional baseada na titulação ou habilitação e na avaliação do desempenho, período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho, e condições adequadas de trabalho.
Por que as nossas autoridades públicas não cumprem as leis de educação que elas próprias escrevem?
5.10.13
Trabalho docente exige carreira decente
Publicado na Revista Carta Maior - Sábado, 05 de Outubro de 2013
Trabalho docente exige carreira decente
Os professores da rede de escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro estão em greve há longos 53 dias. Todos querem e precisam de reconhecimento social pelo trabalho docente, isto é, de remuneração adequada; condições de liberdade, equidade e segurança; e de garantia de uma vida digna inclusive quando já estiverem inativos. Trabalho docente exige uma carreira decente. Até a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece isso. Quando as nossas autoridades farão o mesmo?
Por Zacarias Gama (*)
Os professores da rede de escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro estão em greve há longos 53 dias. Eles reivindicam políticas de valorização do magistério conforme vem sendo prometido pelas autoridades educacionais e já está disposto no projeto de lei que cria o Plano Nacional de Educação (PNE) para vigorar de 2011 a 2020. Não apenas na capital fluminense, a cantilena de governadores e prefeitos tem sido parece bem ensaiada e se repete exaustivamente proclamando falta de recursos, limitação imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal etc. O resultado é o que estamos vendo: escolas paradas, alunos em casa, praças e ruas tomadas de professores e muita violência policial. Nada parece demover as autoridades de suas duras posições.
O impasse que existe hoje parece resultar de duas vias construídas para a melhoria da qualidade da educação pública brasileira. Numa se colocam todos aqueles que acreditam que tal qualidade será conquistada cumprindo-se o que está disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996). Esta lei reza que o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: “Art. 4º IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. Mais adiante esta mesma Lei dispõe em seu Art. 67 que os sistemas de ensino valorizarão os seus profissionais da educação, “assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público”, aperfeiçoamento profissional continuado, piso salarial profissional, progressão funcional com base em títulos, habilitações e desempenho, período reservado a estudos, planejamento e avaliação constante na carga horária, e condições adequadas de trabalho.
Noutra linha situam-se todos aqueles que acreditam na insuficiência dos dispositivos legais presos a uma lógica de oferecimentos mínimos, medidos pelas variedades e quantidades de insumos. Para esses, não basta só garantia de um padrão mínimo de qualidade da educação a ser obtida pela relação ideal entre insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e alunos. Objetivamente são contrários à tese que sustenta a transformação das quantidades em qualidades. Defendem que só o trabalho sobre as quantidades pode resultar em qualidade.
Nossas autoridades educacionais, todavia, apegam-se com afinco à tese hegeliana de que as quantidades se transformam em qualidade por meio de avaliações, de tal modo que elas e diversas instâncias educacionais se tornam apenas grandes compradoras de carteiras, televisores, computadores, climatizadores de ambientes etc. Nenhuma dessas autoridades e instâncias trabalha no sentido de oferecer planos de carreira atraentes de professores muito bem qualificados; sequer facilitam aos professores a obtenção de licenças remuneradas para aperfeiçoamento profissional. A sociedade, contudo, sabe que nem sempre todas as compras chegam às escolas e não é raro serem adquiridas com preços superfaturados. Os escândalos frequentes relacionados a essas compras talvez sejam os grandes indicadores do porquê estar enraizada essa crença na obtenção da qualidade educacional por meio de quantidades.
Os professores, que lutam contra tudo e contra todos, sabem, entretanto, que são desalentadoras as suas perspectivas de futuro. As suas aposentadorias não lhes garantem dignidade quando estiverem exauridas as suas forças, porque o que fica no contracheque limpo de bonificações e gratificações por mérito mal dá para pagar os remédios do reumatismo. Essas bonificações e gratificações que são retiradas dos contracheques das aposentadorias servem, no entanto, para fins eleitoreiros de prefeitos e governadores e para desmobilizar e dividir a categoria docente. Há, porém, quem as aceite de bom grado sem sequer pensar na própria velhice.
Ao contrário do que pensam as nossas autoridades tecnicistas, não há nenhuma incompatibilidade entre as duas teses e as nossas escolas não são apenas prédios, carteiras, quadros e computadores. Elas são cheias de vida. Homens, mulheres, crianças e jovens convivem diariamente realizando o importante processo de transmissão e apreensão dos saberes produzidos socialmente. Todos têm necessidades, alegrias, sentimentos. São sujeitos concretos. A tarefa educacional que se realiza no chão da escola é estratégica para a construção do amanhã. Sem a oferta sistematizada dos conhecimentos produzidos por nossos antepassados e sem adultos bem formados e à disposição boa parte do dia, como seria possível educar com valores e saciar a curiosidade das nossas crianças e jovens? Eis a grande importância social dos professores e de todos os trabalhadores da educação.
Nossos docentes e todos que trabalham nas escolas são profissionais de educação com o dever de se situarem entre o passado e o futuro. Por todas essas razões jamais deveriam ser tratados com vilipêndios. Nenhum precisa receber sprays de pimenta no rosto e muito menos de repressões policiais truculentas para desocupar ambientes públicos. O que todos precisam é de reconhecimento pelo trabalho que desempenham agora, de condições dignas para aperfeiçoamento e dedicação ao processo educativo escolar, de uma vida que lhes garantam a educação dos próprios filhos, de uma velhice plena de orgulho e dignidade como reconhecimento pela ajuda na construção da nação.
Todos querem e precisam de reconhecimento social pelo trabalho docente, isto é, de remuneração adequada; condições de liberdade, equidade e segurança; e de garantia de uma vida digna inclusive quando já estiverem inativos. Trabalho docente exige uma carreira decente. Até a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece isso. Quando as nossas autoridades farão o mesmo?
(*) Professor Associado e Procientista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Faculdade de Educação e Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH). Mantem o blog Coisas da Educação.
Trabalho docente exige carreira decente
Os professores da rede de escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro estão em greve há longos 53 dias. Todos querem e precisam de reconhecimento social pelo trabalho docente, isto é, de remuneração adequada; condições de liberdade, equidade e segurança; e de garantia de uma vida digna inclusive quando já estiverem inativos. Trabalho docente exige uma carreira decente. Até a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece isso. Quando as nossas autoridades farão o mesmo?
Por Zacarias Gama (*)
Os professores da rede de escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro estão em greve há longos 53 dias. Eles reivindicam políticas de valorização do magistério conforme vem sendo prometido pelas autoridades educacionais e já está disposto no projeto de lei que cria o Plano Nacional de Educação (PNE) para vigorar de 2011 a 2020. Não apenas na capital fluminense, a cantilena de governadores e prefeitos tem sido parece bem ensaiada e se repete exaustivamente proclamando falta de recursos, limitação imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal etc. O resultado é o que estamos vendo: escolas paradas, alunos em casa, praças e ruas tomadas de professores e muita violência policial. Nada parece demover as autoridades de suas duras posições.
O impasse que existe hoje parece resultar de duas vias construídas para a melhoria da qualidade da educação pública brasileira. Numa se colocam todos aqueles que acreditam que tal qualidade será conquistada cumprindo-se o que está disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996). Esta lei reza que o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: “Art. 4º IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. Mais adiante esta mesma Lei dispõe em seu Art. 67 que os sistemas de ensino valorizarão os seus profissionais da educação, “assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público”, aperfeiçoamento profissional continuado, piso salarial profissional, progressão funcional com base em títulos, habilitações e desempenho, período reservado a estudos, planejamento e avaliação constante na carga horária, e condições adequadas de trabalho.
Noutra linha situam-se todos aqueles que acreditam na insuficiência dos dispositivos legais presos a uma lógica de oferecimentos mínimos, medidos pelas variedades e quantidades de insumos. Para esses, não basta só garantia de um padrão mínimo de qualidade da educação a ser obtida pela relação ideal entre insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e alunos. Objetivamente são contrários à tese que sustenta a transformação das quantidades em qualidades. Defendem que só o trabalho sobre as quantidades pode resultar em qualidade.
Nossas autoridades educacionais, todavia, apegam-se com afinco à tese hegeliana de que as quantidades se transformam em qualidade por meio de avaliações, de tal modo que elas e diversas instâncias educacionais se tornam apenas grandes compradoras de carteiras, televisores, computadores, climatizadores de ambientes etc. Nenhuma dessas autoridades e instâncias trabalha no sentido de oferecer planos de carreira atraentes de professores muito bem qualificados; sequer facilitam aos professores a obtenção de licenças remuneradas para aperfeiçoamento profissional. A sociedade, contudo, sabe que nem sempre todas as compras chegam às escolas e não é raro serem adquiridas com preços superfaturados. Os escândalos frequentes relacionados a essas compras talvez sejam os grandes indicadores do porquê estar enraizada essa crença na obtenção da qualidade educacional por meio de quantidades.
Os professores, que lutam contra tudo e contra todos, sabem, entretanto, que são desalentadoras as suas perspectivas de futuro. As suas aposentadorias não lhes garantem dignidade quando estiverem exauridas as suas forças, porque o que fica no contracheque limpo de bonificações e gratificações por mérito mal dá para pagar os remédios do reumatismo. Essas bonificações e gratificações que são retiradas dos contracheques das aposentadorias servem, no entanto, para fins eleitoreiros de prefeitos e governadores e para desmobilizar e dividir a categoria docente. Há, porém, quem as aceite de bom grado sem sequer pensar na própria velhice.
Ao contrário do que pensam as nossas autoridades tecnicistas, não há nenhuma incompatibilidade entre as duas teses e as nossas escolas não são apenas prédios, carteiras, quadros e computadores. Elas são cheias de vida. Homens, mulheres, crianças e jovens convivem diariamente realizando o importante processo de transmissão e apreensão dos saberes produzidos socialmente. Todos têm necessidades, alegrias, sentimentos. São sujeitos concretos. A tarefa educacional que se realiza no chão da escola é estratégica para a construção do amanhã. Sem a oferta sistematizada dos conhecimentos produzidos por nossos antepassados e sem adultos bem formados e à disposição boa parte do dia, como seria possível educar com valores e saciar a curiosidade das nossas crianças e jovens? Eis a grande importância social dos professores e de todos os trabalhadores da educação.
Nossos docentes e todos que trabalham nas escolas são profissionais de educação com o dever de se situarem entre o passado e o futuro. Por todas essas razões jamais deveriam ser tratados com vilipêndios. Nenhum precisa receber sprays de pimenta no rosto e muito menos de repressões policiais truculentas para desocupar ambientes públicos. O que todos precisam é de reconhecimento pelo trabalho que desempenham agora, de condições dignas para aperfeiçoamento e dedicação ao processo educativo escolar, de uma vida que lhes garantam a educação dos próprios filhos, de uma velhice plena de orgulho e dignidade como reconhecimento pela ajuda na construção da nação.
Todos querem e precisam de reconhecimento social pelo trabalho docente, isto é, de remuneração adequada; condições de liberdade, equidade e segurança; e de garantia de uma vida digna inclusive quando já estiverem inativos. Trabalho docente exige uma carreira decente. Até a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece isso. Quando as nossas autoridades farão o mesmo?
(*) Professor Associado e Procientista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Faculdade de Educação e Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH). Mantem o blog Coisas da Educação.
22.7.13
Entrevista concedida à jornalista Juliana Brito - Folha Dirigida. Caderno Educação - Julho de 2013
JB - O que significa, para os sr. o posicionamento do Brasil no ranking, que se manteve na 14° posição, a mesma do ano anterior?
ZG - Este estacionamento do Brasil nesta posição reflete nossos indicadores relativos à saúde, educação, concentração de renda, pobreza e igualdade de gênero. Apesar dos programas sociais do governo atual e de todos os esforços feitos nos últimos dez anos, a dívida social acumulada é muito grande considerando-se que os governos anteriores a este período pouco ou nada fizeram para diminui-la e preferencialmente quitá-la.
JB - Em especial, o Índice destaca o percentual de 5,7% aplicado na educação, o ano passado era de 5,1 %. Vemos que o investimento nessa categoria cresceu, no entanto, o país não viu resultados. O que falta ser feito? Acha que o percentual aplicado na educação deveria ser maior?
ZG - Considerando apenas o grupo de 20 países mais ricos do Planeta o Brasil se situa na 14ª posição, apesar de ter elevados os seus índices de investimento em educação. O Brasil manteve a mesma posição relativa que tínhamos em 2012 e isto é alvissareiro. No entanto, falta ainda aumentar mais os gastos em educação e qualificá-los, fazendo-os chegarem efetivamente às salas de aulas. Nossos investimentos são três vezes menores quando comparados aos países desenvolvidos.
JB - Enquanto no Brasil as crianças ficam 14,2 anos na escola, em média, nos países desenvolvidos as crianças ficam na escola ao redor de 16,5 anos. No Brasil, em média, os adultos passaram 7,2 anos na escola, enquanto que nos países desenvolvidos a média está próxima dos 12 anos. Acha que esse é um dos fatores que mantiveram o Brasil na 14° posição?
ZG - A LDB (Lei 9394/1996) aumentou o tempo de escolaridade obrigatória para 12 anos. Hoje a criança é incluída em nosso sistema educacional com a idade de 6 anos e penso que isto deveria ocorrer mais cedo para alcançarmos o patamar dos países do G-20. Mas isto de pouco adianta quando as escolas não são de tempo integral e se não se objetiva a educação de qualidade social, isto é, uma educação que é atenta às dimensões socioeconômicas e culturais dos estudantes e das suas famílias, que dispõe de efetivas e eficientes políticas e financiamentos, e que transforme os espaços escolares em lugares de aprendizagens e vivências significativas e democráticas. A educação de nossas crianças e jovens não é um gasto. Enquanto não nos dispusermos a elevar os nossos gastos e a propiciar uma educação de qualidade social corremos o risco de nos mantermos em posições inferiores ao restante dos países do G-20 e até de países de fora deste grupo de nações mais ricas.
JB - Qual o impacto do Indicador Anefac para o país, que se encontra, abaixo dos países desenvolvidos na questão da educação?
ZG - Este indicador é resultante de um conjunto de indicadores da ONU tendo como universo amostral os países do G-20. Como todo indicador permite estudos constantes acerca da evolução e da qualidade dos investimentos sociais e correções de seus rumos. Seu impacto para o país está no fato de indicar a necessidade de correção de rumos em nossas políticas sociais. É hora de investimentos qualitativos se queremos ter posições compatíveis com o tamanho de nossa economia. De fato, se somos a 7ª. economia do mundo seria razoável que, no mínimo, ocupássemos a 7ª. posição em indicadores de qualidade da educação, saúde, renda, distribuição de riqueza e igualdade de gênero seguindo os critérios do Indicador Anefac da ONU.
ZG - Este estacionamento do Brasil nesta posição reflete nossos indicadores relativos à saúde, educação, concentração de renda, pobreza e igualdade de gênero. Apesar dos programas sociais do governo atual e de todos os esforços feitos nos últimos dez anos, a dívida social acumulada é muito grande considerando-se que os governos anteriores a este período pouco ou nada fizeram para diminui-la e preferencialmente quitá-la.
JB - Em especial, o Índice destaca o percentual de 5,7% aplicado na educação, o ano passado era de 5,1 %. Vemos que o investimento nessa categoria cresceu, no entanto, o país não viu resultados. O que falta ser feito? Acha que o percentual aplicado na educação deveria ser maior?
ZG - Considerando apenas o grupo de 20 países mais ricos do Planeta o Brasil se situa na 14ª posição, apesar de ter elevados os seus índices de investimento em educação. O Brasil manteve a mesma posição relativa que tínhamos em 2012 e isto é alvissareiro. No entanto, falta ainda aumentar mais os gastos em educação e qualificá-los, fazendo-os chegarem efetivamente às salas de aulas. Nossos investimentos são três vezes menores quando comparados aos países desenvolvidos.
JB - Enquanto no Brasil as crianças ficam 14,2 anos na escola, em média, nos países desenvolvidos as crianças ficam na escola ao redor de 16,5 anos. No Brasil, em média, os adultos passaram 7,2 anos na escola, enquanto que nos países desenvolvidos a média está próxima dos 12 anos. Acha que esse é um dos fatores que mantiveram o Brasil na 14° posição?
ZG - A LDB (Lei 9394/1996) aumentou o tempo de escolaridade obrigatória para 12 anos. Hoje a criança é incluída em nosso sistema educacional com a idade de 6 anos e penso que isto deveria ocorrer mais cedo para alcançarmos o patamar dos países do G-20. Mas isto de pouco adianta quando as escolas não são de tempo integral e se não se objetiva a educação de qualidade social, isto é, uma educação que é atenta às dimensões socioeconômicas e culturais dos estudantes e das suas famílias, que dispõe de efetivas e eficientes políticas e financiamentos, e que transforme os espaços escolares em lugares de aprendizagens e vivências significativas e democráticas. A educação de nossas crianças e jovens não é um gasto. Enquanto não nos dispusermos a elevar os nossos gastos e a propiciar uma educação de qualidade social corremos o risco de nos mantermos em posições inferiores ao restante dos países do G-20 e até de países de fora deste grupo de nações mais ricas.
JB - Qual o impacto do Indicador Anefac para o país, que se encontra, abaixo dos países desenvolvidos na questão da educação?
ZG - Este indicador é resultante de um conjunto de indicadores da ONU tendo como universo amostral os países do G-20. Como todo indicador permite estudos constantes acerca da evolução e da qualidade dos investimentos sociais e correções de seus rumos. Seu impacto para o país está no fato de indicar a necessidade de correção de rumos em nossas políticas sociais. É hora de investimentos qualitativos se queremos ter posições compatíveis com o tamanho de nossa economia. De fato, se somos a 7ª. economia do mundo seria razoável que, no mínimo, ocupássemos a 7ª. posição em indicadores de qualidade da educação, saúde, renda, distribuição de riqueza e igualdade de gênero seguindo os critérios do Indicador Anefac da ONU.
2.7.13
Royalties do Petróleo para a educação: melhoria da qualidade e riscos
(Entrevista concedida à jornalista Alessandra Bizoni, Folha Dirigida, Caderno Educação, julho de 2013)
Nesta terça, dia 2, o Senado analisa do projeto de lei (PLC 41/2013) que destina 75% dos royalties do petróleo para educação e 25% dos royalties para saúde. De acordo com projeções da Nota Técnica da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, as mudanças trarão cerca de R$261,44 bilhões para as áreas de Educação e Saúde até 2022. A proposta original, que previa 100% dos royalties para educação, apontava com um volume de R$25,8 bilhões para o mesmo período.
1. Na sua avaliação, qual deve ser a prioridade nos gastos com os royalties?
ZG - A prioridade é sem dúvida o oferecimento pelo Estado de uma escola pública de qualidade e a concretização do Plano Nacional de Educação 2011-2020. Observe-se porém que volume de recursos não pode ser drenado pela iniciativa privada visando atender projetos com fins de enriquecimento rápido.
2. Quais medidas de curto prazo podem causar impacto significativo no cotidiano das escolas?
ZG - começaria com medidas que efetivamente criem uma carreira docente, com remuneração equivalente à dos docentes dos Institutos Federais de Educação, 40 horas e dedicação exclusiva. Outras medidas poderiam objetivar a requalificação emergencial de todos os professores de todos os níveis e modalidades de educação básica. Outro conjunto de medidas seria com o objetivo de implantar e universalizar escolas de tempo integral para a educação de um futuro cidadão social e produtivo com um currículo integrado.
3. A médio e longo prazo, que políticas podem ser financiadas por essa nova fonte de financiamento?
Não precisamos imediatamente inventar nenhuma política para "gastar" este montante de recursos. O que precisamos é criar condições objetivas para que o Plano Nacional de Educação 2011-2020, seja efetivado, garantindo a todas as crianças e jovens a universalização da escola de qualidade social, gratuita e laica, e o tratamento integrado de seu trajeto curricular, da educação infantil ao ensino médio a partir de uma base curricular mínima definida pela sociedade.
4. Especialistas em administração, observam que nem sempre o aumento de recursos repercute no aprimoramento do serviço oferecido. O que fazer para aprimorar a gestão dos recursos no setor educacional?
ZG - De fato, nem sempre o aumento de recursos se traduz em melhorias dos serviços oferecidos. Por esta razão penso ser necessário definir com muita transparência as responsabilidades pela administração dos recursos, assim como também formas de acompanhamento e controle dos investimentos. Da mesma forma não é descabida a ideia de realizar fóruns periódicos - trienais - para avaliar os rumos das escolas e da educação nacional a partir de dados relevantes e claros que explicitem com rigor os percentuais atingidos em relação ao proposto, à luz das metas e indicadores estabelecidos.
5. Na sua avaliação, que colaborações os movimentos sociais e as entidades da sociedade civil organizada podem dar ao poder público no que diz respeito à aplicação destes recursos?
ZG - penso que todos devemos trabalhar para dar concretude à escola básica que queremos, em conformidade com um projeto de sociedade, estado e cidadania. Neste sentido, nenhum segmento da sociedade deve ser desprezado nem os seus movimentos organizados. Todos podem dar grandes contribuições, além de acompanhar e exercer controle sobre a construção da educação básica de referência social.
7. Um dos pontos mais polêmicos do Plano Nacional de Educação diz respeito a concessão, ou não, de verbas públicas para instituições privadas. Qual seria o impacto se parte expressiva desses recursos fosse destinada a instituições particulares? O senhor acredita que é provável que essa ação seja tomada em um futuro próximo?
ZG - O Brasil tornou-se um mercado educacional atraente para investimentos externos. No âmbito da educação superior 75% das nossas instituições de ensino são privadas, muitas delas com participação do capital estrangeiro ávido de lucros cada vez mais altos. No âmbito da educação básica a entrada deste capital é crescente e todos os dados disponíveis relativos a entrada não indicam que tenha melhorado acentuadamente a qualidade da educação brasileira. A avidez de lucro não implica necessariamente em ensino de qualidade.
O compromisso constitucional do Estado Brasileiro é o de oferecer uma educação básica de qualidade social para todos que a demandam, garantindo ainda o acesso e a permanência. Esta é nossa prioridade. Daí é que se parte expressiva destes novos investimentos for drenada pela iniciativa privada, corre-se o risco de incrementar apenas o enriquecimento de indivíduos e pessoas jurídicas sem qualquer compromisso social. Está ai o exemplo do ProUni: muitas transferências de dinheiro público para instituições privadas de ensino superior sem que tenham se traduzido em melhorias significativas da oferta de ensino, nem para os que o demandam nem para a sociedade.
Nesta terça, dia 2, o Senado analisa do projeto de lei (PLC 41/2013) que destina 75% dos royalties do petróleo para educação e 25% dos royalties para saúde. De acordo com projeções da Nota Técnica da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, as mudanças trarão cerca de R$261,44 bilhões para as áreas de Educação e Saúde até 2022. A proposta original, que previa 100% dos royalties para educação, apontava com um volume de R$25,8 bilhões para o mesmo período.
1. Na sua avaliação, qual deve ser a prioridade nos gastos com os royalties?
ZG - A prioridade é sem dúvida o oferecimento pelo Estado de uma escola pública de qualidade e a concretização do Plano Nacional de Educação 2011-2020. Observe-se porém que volume de recursos não pode ser drenado pela iniciativa privada visando atender projetos com fins de enriquecimento rápido.
2. Quais medidas de curto prazo podem causar impacto significativo no cotidiano das escolas?
ZG - começaria com medidas que efetivamente criem uma carreira docente, com remuneração equivalente à dos docentes dos Institutos Federais de Educação, 40 horas e dedicação exclusiva. Outras medidas poderiam objetivar a requalificação emergencial de todos os professores de todos os níveis e modalidades de educação básica. Outro conjunto de medidas seria com o objetivo de implantar e universalizar escolas de tempo integral para a educação de um futuro cidadão social e produtivo com um currículo integrado.
3. A médio e longo prazo, que políticas podem ser financiadas por essa nova fonte de financiamento?
Não precisamos imediatamente inventar nenhuma política para "gastar" este montante de recursos. O que precisamos é criar condições objetivas para que o Plano Nacional de Educação 2011-2020, seja efetivado, garantindo a todas as crianças e jovens a universalização da escola de qualidade social, gratuita e laica, e o tratamento integrado de seu trajeto curricular, da educação infantil ao ensino médio a partir de uma base curricular mínima definida pela sociedade.
4. Especialistas em administração, observam que nem sempre o aumento de recursos repercute no aprimoramento do serviço oferecido. O que fazer para aprimorar a gestão dos recursos no setor educacional?
ZG - De fato, nem sempre o aumento de recursos se traduz em melhorias dos serviços oferecidos. Por esta razão penso ser necessário definir com muita transparência as responsabilidades pela administração dos recursos, assim como também formas de acompanhamento e controle dos investimentos. Da mesma forma não é descabida a ideia de realizar fóruns periódicos - trienais - para avaliar os rumos das escolas e da educação nacional a partir de dados relevantes e claros que explicitem com rigor os percentuais atingidos em relação ao proposto, à luz das metas e indicadores estabelecidos.
5. Na sua avaliação, que colaborações os movimentos sociais e as entidades da sociedade civil organizada podem dar ao poder público no que diz respeito à aplicação destes recursos?
ZG - penso que todos devemos trabalhar para dar concretude à escola básica que queremos, em conformidade com um projeto de sociedade, estado e cidadania. Neste sentido, nenhum segmento da sociedade deve ser desprezado nem os seus movimentos organizados. Todos podem dar grandes contribuições, além de acompanhar e exercer controle sobre a construção da educação básica de referência social.
7. Um dos pontos mais polêmicos do Plano Nacional de Educação diz respeito a concessão, ou não, de verbas públicas para instituições privadas. Qual seria o impacto se parte expressiva desses recursos fosse destinada a instituições particulares? O senhor acredita que é provável que essa ação seja tomada em um futuro próximo?
ZG - O Brasil tornou-se um mercado educacional atraente para investimentos externos. No âmbito da educação superior 75% das nossas instituições de ensino são privadas, muitas delas com participação do capital estrangeiro ávido de lucros cada vez mais altos. No âmbito da educação básica a entrada deste capital é crescente e todos os dados disponíveis relativos a entrada não indicam que tenha melhorado acentuadamente a qualidade da educação brasileira. A avidez de lucro não implica necessariamente em ensino de qualidade.
O compromisso constitucional do Estado Brasileiro é o de oferecer uma educação básica de qualidade social para todos que a demandam, garantindo ainda o acesso e a permanência. Esta é nossa prioridade. Daí é que se parte expressiva destes novos investimentos for drenada pela iniciativa privada, corre-se o risco de incrementar apenas o enriquecimento de indivíduos e pessoas jurídicas sem qualquer compromisso social. Está ai o exemplo do ProUni: muitas transferências de dinheiro público para instituições privadas de ensino superior sem que tenham se traduzido em melhorias significativas da oferta de ensino, nem para os que o demandam nem para a sociedade.
7.5.13
Entrevista concedida ao jornalista Vinicius Correa do Jornal Folha Dirigida, Caderno Educação. Em 03.05.2013.
VC - Como O senhor analisa o projeto que está em aprovação na câmara que propõe o fim da cobrança das taxas dos cursos de pós-graduação lato sensu nas universidades públicas? Que benefícios e prejuízos a proposta pode trazer?
Particularmente não gosto desta interferência da Câmara Federal propondo o fim da cobrança das taxas. Já vimos os resultados disto nos anos 1970/1980 quando foram extintas todas as taxas e emolumentos cobrados na Educação Básica, incluindo a caixa escolar. Esta proposta desacompanhada de verbas compensatórias para as universidades tem efeitos muito negativos porque há perdas de pequenos recursos para certas demandas imediatas. Além disto, se acompanhada de obrigatoriedade de oferecimento seguramente vai desguarnecer o quadro docente da graduação e da pós-graduação stricto sensu mesmo que esteja acompanhada da possibilidade de os professores poderem incluir a carga horária de especialização em seus planos de trabalho. Nas universidades públicas ela é cobrada porque é oferecida como trabalho extra dos docentes. Somente a graduação e a especialização stricto sensu são computadas como trabalho docente.
VC - Com o fim da cobrança das taxas o acesso aos cursos de especialização seria mais democrático?
Claro que sim, mas imaginar que isto simplesmente democratiza a pós-graduação lato sensu é um equívoco. Quando a escola básica deixou de cobrar taxas tornou-se mais democrática, mas em compensação verificou-se a perda de sua qualidade nos anos 1970/1980. Estas propostas pontuais têm efeitos eleitoreiros e não consideram o ensino superior como uma totalidade. As mudanças demagógicas desequilibram outros setores do ensino superior.
VC - O princípio constitucional de gratuidade do ensino também deve valer para os cursos de especialização?
Do modo como a questão está formulada é claro que sim. Mas é preciso alertar para a falta de professores nos cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu. A ampliação da oferta de ensino gratuito nas universidades públicas precisa ser acompanhada de medidas que liquidem os déficits estruturais de professores. Não se pode vestir um santo despindo o outro.
Entrevista concedida ao Jornal Brasil de Fato – Jornalista Patricia Benvenuti, em 06/05/2013
JBF- Na sua avaliação, o que representa a fusão entre o Grupo Kroton e a Anhanguera, que deverão formar o maior grupo educacional do mundo?
Esta fusão traduz o ímpeto voraz do capital nacional e estrangeiro no campo da educação brasileira. Desde que a Organização Mundial do Comércio (OMC) passou a considerar a educação como um serviço prestado como qualquer outro, tem sido crescente a busca de lucro rápido neste segmento da economia mundial. No Brasil há grupos de instituições privadas obtendo lucros superiores à média de outros grupos e empresas nas bolsas de valores.
A fusão entre o Grupo Kroton e a Anhanguera tem suscitado muito a questão da entrada de capital estrangeiro na educação superior brasileira. Qual é a origem desse processo de “desnacionalização” do ensino superior no Brasil?
A origem é a avidez de lucros dos investidores. A entrada deste capital no Brasil resulta da falta de regulação por parte do governo brasileiro. Também o mito arraigado na mente de importantes segmentos sociais brasileiros de que o serviço prestado por instituições privadas é superior contribui largamente para apoiar esta entrada. As críticas aos exames da OAB, por exemplo, só ficam nos efeitos da expansão das faculdades de direito pelo Brasil afora. Contestam os 90% de reprovações, mas não a qualidade da oferta.
JBF - O senhor tem notícia de que processos semelhantes – entrada de capital financeiro em instituições educacionais – estejam ocorrendo em outros países nesse mesmo nível de velocidade?
Infelizmente não tenho dados concretos para afirmar com certeza. Mas certamente isto não é exclusivo do Brasil. A luta pela liberação dos mercados nacionais é isso. Onde houver oportunidade de lucro imediato e significativo ai estarão os investimentos, pouco se importando com o projeto de sociedade dos países. No Chile toda a educação nacional já foi privatizada, certamente por investidores pouco preocupados com a qualidade de ensino oferecido e com o futuro do próprio Estado Chileno. Não é por acaso a luta que os estudantes do Chile vem travando há muito tempo.
JBF - Quais podem ser as consequências de uma fusão desse tipo?
O poder de um grupo deste tamanho é grande não só em termos de investimentos educacionais, mas também em termos políticos. Ele facilmente pode constituir lobbies e até uma bancada parlamentar junto ao Congresso Nacional e ao MEC no sentido de ampliar e favorecer sua atuação. Já vimos historicamente como isto ocorre e seus impactos sobre a educação pública no sentido de desviar verbas públicas para seus empreendimentos. Atualmente o PROUNI - Programa Universidade para Todos e o FIES - Fundo de Financiamento Estudantil, ambos os programas financiados pelo Ministério da Educação para garantir a graduação de estudantes matriculados em instituições não gratuitas, são exemplos disto. Ambos são operados com verbas públicas que não deveriam ser transferidas para a iniciativa privada. Este negócio da China coloca em risco a própria segurança nacional quando nos perguntamos sobre a qualidade e a competência de futuros pesquisadores, engenheiros, magistrados, médicos, políticos, professores etc.? Que profissionais, para qual sociedade?
JBF - Diversas entidades têm alertado para a possibilidade de aumento da precarização do ensino a partir de fusões desse tipo. Que tipos de medidas podem e devem ser tomadas para evitar prejuízos para a qualidade do ensino e para os trabalhadores que atuam nessas instituições?
Todos os que se preocupam com a educação nacional têm denunciado este avanço do capital privado. Esta precarização acontece na medida em que a melhoria qualitativa das instituições públicas de ensino no que diz respeito à oferta de ensino, pesquisa e extensão fica restringida em termos de novos investimentos por parte do governo. As verbas destinadas ao PROUNI e ao FIES, as desonerações fiscais obtidas a partir de pressões políticas e o volume de bolsas concedidas pelo Poder Público aos estudantes destas instituições contingenciam a educação pública em todos os níveis e modalidades. Não bastasse tudo isto, a CPI da ALERJ, que investiga as práticas das Instituições Privadas de Ensino no Estado do Rio de Janeiro, trouxe à luz informações alarmantes a respeito de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, sonegação fiscal, desrespeito às leis de ensino e de trabalho.
A primeira medida a tomar é, portanto, regular com eficiência esta expansão. Outra poderia ser a constituição de um fundo educacional com dinheiro privado para financiar a melhoria da educação pública. Poderia ainda pressionar o desenvolvimento de pesquisas nas instituições privadas; a cada milhar de estudantes matriculados tais instituições deveriam ser obrigadas com fiscalização da CAPES a disponibilizar laboratórios, centros de investigações etc. Também as suas avaliações não deveriam se restringir apenas à qualidade da oferta de ensino; elas deveriam incluir as condições e as relações de trabalho, acesso a informações etc.
Esta fusão traduz o ímpeto voraz do capital nacional e estrangeiro no campo da educação brasileira. Desde que a Organização Mundial do Comércio (OMC) passou a considerar a educação como um serviço prestado como qualquer outro, tem sido crescente a busca de lucro rápido neste segmento da economia mundial. No Brasil há grupos de instituições privadas obtendo lucros superiores à média de outros grupos e empresas nas bolsas de valores.
A fusão entre o Grupo Kroton e a Anhanguera tem suscitado muito a questão da entrada de capital estrangeiro na educação superior brasileira. Qual é a origem desse processo de “desnacionalização” do ensino superior no Brasil?
A origem é a avidez de lucros dos investidores. A entrada deste capital no Brasil resulta da falta de regulação por parte do governo brasileiro. Também o mito arraigado na mente de importantes segmentos sociais brasileiros de que o serviço prestado por instituições privadas é superior contribui largamente para apoiar esta entrada. As críticas aos exames da OAB, por exemplo, só ficam nos efeitos da expansão das faculdades de direito pelo Brasil afora. Contestam os 90% de reprovações, mas não a qualidade da oferta.
JBF - O senhor tem notícia de que processos semelhantes – entrada de capital financeiro em instituições educacionais – estejam ocorrendo em outros países nesse mesmo nível de velocidade?
Infelizmente não tenho dados concretos para afirmar com certeza. Mas certamente isto não é exclusivo do Brasil. A luta pela liberação dos mercados nacionais é isso. Onde houver oportunidade de lucro imediato e significativo ai estarão os investimentos, pouco se importando com o projeto de sociedade dos países. No Chile toda a educação nacional já foi privatizada, certamente por investidores pouco preocupados com a qualidade de ensino oferecido e com o futuro do próprio Estado Chileno. Não é por acaso a luta que os estudantes do Chile vem travando há muito tempo.
JBF - Quais podem ser as consequências de uma fusão desse tipo?
O poder de um grupo deste tamanho é grande não só em termos de investimentos educacionais, mas também em termos políticos. Ele facilmente pode constituir lobbies e até uma bancada parlamentar junto ao Congresso Nacional e ao MEC no sentido de ampliar e favorecer sua atuação. Já vimos historicamente como isto ocorre e seus impactos sobre a educação pública no sentido de desviar verbas públicas para seus empreendimentos. Atualmente o PROUNI - Programa Universidade para Todos e o FIES - Fundo de Financiamento Estudantil, ambos os programas financiados pelo Ministério da Educação para garantir a graduação de estudantes matriculados em instituições não gratuitas, são exemplos disto. Ambos são operados com verbas públicas que não deveriam ser transferidas para a iniciativa privada. Este negócio da China coloca em risco a própria segurança nacional quando nos perguntamos sobre a qualidade e a competência de futuros pesquisadores, engenheiros, magistrados, médicos, políticos, professores etc.? Que profissionais, para qual sociedade?
JBF - Diversas entidades têm alertado para a possibilidade de aumento da precarização do ensino a partir de fusões desse tipo. Que tipos de medidas podem e devem ser tomadas para evitar prejuízos para a qualidade do ensino e para os trabalhadores que atuam nessas instituições?
Todos os que se preocupam com a educação nacional têm denunciado este avanço do capital privado. Esta precarização acontece na medida em que a melhoria qualitativa das instituições públicas de ensino no que diz respeito à oferta de ensino, pesquisa e extensão fica restringida em termos de novos investimentos por parte do governo. As verbas destinadas ao PROUNI e ao FIES, as desonerações fiscais obtidas a partir de pressões políticas e o volume de bolsas concedidas pelo Poder Público aos estudantes destas instituições contingenciam a educação pública em todos os níveis e modalidades. Não bastasse tudo isto, a CPI da ALERJ, que investiga as práticas das Instituições Privadas de Ensino no Estado do Rio de Janeiro, trouxe à luz informações alarmantes a respeito de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, sonegação fiscal, desrespeito às leis de ensino e de trabalho.
A primeira medida a tomar é, portanto, regular com eficiência esta expansão. Outra poderia ser a constituição de um fundo educacional com dinheiro privado para financiar a melhoria da educação pública. Poderia ainda pressionar o desenvolvimento de pesquisas nas instituições privadas; a cada milhar de estudantes matriculados tais instituições deveriam ser obrigadas com fiscalização da CAPES a disponibilizar laboratórios, centros de investigações etc. Também as suas avaliações não deveriam se restringir apenas à qualidade da oferta de ensino; elas deveriam incluir as condições e as relações de trabalho, acesso a informações etc.
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