Zacarias Gama
Os anos de 1980 foram de vitórias políticas que
interromperam a ditadura militar que se abateu sobre o Brasil a partir de 1964
e culminaram com a promulgação da Constituição de 1988, chamada de Cidadã. Iniciou-se
a partir dos últimos dias de governo do ditador General João Batista Figueiredo
a Nova República e a redemocratização do país. O mesmo, todavia, não se pode
dizer em relação à economia e à educação. A década de 1980 foi considerada como
perdida: “das taxas de crescimento do PIB à aceleração da inflação, passando
pela produção industrial, poder de compra dos salários, nível de emprego,
balanço de pagamentos e inúmeros outros indicadores, o resultado do período é
medíocre. No Brasil, a desaceleração representou uma queda vertiginosa nas
médias históricas de crescimento dos cinquenta anos anteriores” (Marangoni, 2012). A
inflação média ao longo da década foi superior a 230% ao ano, em consequência
dos gastos públicos, elevação do endividamento externo e aumento dos preços do
petróleo durante o período ditatorial. Economicamente a década foi
caracterizada pela inflação galopante, elevação do endividamento externo e
defasagem industrial.
Em relação à educação a situação foi igualmente de década
perdida: somente 22.598 milhões de crianças e adolescentes tinham matrículas no
Ensino Fundamental e a taxa de distorção idade-série era de 79,8% na 7ª série; no
Ensino Médio as matrículas só atingiam a 2.189 milhões de estudantes; no Ensino
Superior as 492.232 vagas oferecidas nas universidades públicas eram
insuficientes para a população em idade universitária e havia apenas 27
programas de pós-graduação em todo território com a maior avaliação realizada
pela Capes – nota 7 (IPEA,
2006). Nesta década, 25,5% dos brasileiros acima dos 10 anos não sabiam ler
e escrever. O impacto da reforma educacional feita pela ditadura militar (Lei
de Diretrizes e Bases nº 5.692 de 1971) para as escolas públicas de educação
básica foi catastrófico por conta da determinação de conferir certificação
profissional ao final do Ensino de 2º grau, o que sobrecarregou a grade
curricular e dificultou o acesso de muitos ao Ensino Superior. A política
educacional brasileira foi vinculada de forma direta às demandas da economia
com prejuízo das preocupações pedagógicas. A formação de um corpo técnico de
nível médio tornou-se central na reorganização educacional conforme os
interesses ditatoriais.
A década de 1990 requereu, por conseguinte, consideráveis
esforços teóricos e de investigação para superar a década anterior, a começar
pela crítica à escola tradicional e às suas práticas avaliativas, ambas
essencialmente reprodutivistas, autoritárias e excludentes. Neste sentido,
foram importantes os estudos de Louis Althusser, Cristian Baudelot e Roger
Establet, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Samuel Bowels e Herbert
Gintis, Mariano Enguita, Dermeval Saviani e diversos outros, como inspirações e
referências teóricas da intensa produção textual no Brasil.
As práticas avaliativas, fundamentalmente pautadas pelas
teorias e práticas docimológicas e comportamentalistas, também foram amplamente
criticadas. O destaque brasileiro cabe a Carlos
Cipriano Luckesi que as criticou visceralmente e levou o professorado a
aceitar a avaliação como ato amoroso e inclusivo, sem classificações e
reprovações. A ordem avaliativa passou a ser acolher e qualificar com base em
dados relevantes. A entrada em cena de outras teorias, sobretudo a
Fenomenologia e a Gestalt, geraram outros formas de observar e avaliar os
produtos escolares realizados pelos estudantes.
Mas, como bem observou Saviani
(2013) ao estudar a escola tradicional e a escola nova, também aqui a vara
foi curvada com muita força para o outro lado, sem que encontrasse um ponto de
equilíbrio a partir do qual ficaria desenvergada. Com a inflexão realizada, é verdade que a
pedagogia tradicional teve o seu espaço reduzido, mas tal redução deu lugar a
uma nova pedagogia que tenha sido capaz de melhorar os indicadores de qualidade
da educação básica oferecida na rede pública de escolas? Quarenta anos depois,
a resposta está longe de ser positiva. Muito embora sejam evidentes diversas
melhorias no sistema nacional de educação, o Relatório
do PISA 2018 destaca que muitos alunos ainda conseguem pontuação abaixo do
nível mínimo em leitura, matemática e ciências” e que somente 1% dos alunos
brasileiros obteve notas altas em matemática.
Por hipótese, a superação da pedagogia tradicional, considerada
como cheia de vícios e nenhuma virtude, deixou de ser acompanhada de uma nova
pedagogia e práticas avaliativas que pudessem levar os nossos estudantes “a compreender,
usar, avaliar, refletir sobre e envolver-se com textos, a fim de alcançar um
objetivo, desenvolver conhecimento e potencial, e participar da sociedade;
formular, empregar e interpretar a matemática em uma série de contextos, o que
inclui raciocinar matematicamente e utilizar conceitos, procedimentos, fatos e
ferramentas matemáticos para descrever, explicar e prever fenômenos; envolver-se com as questões relacionadas com
a ciência e com a ideia da ciência, como cidadão reflexivo; participar de
discussão fundamentada sobre ciência e tecnologia, o que exige as competências
para explicar fenômenos cientificamente, avaliar e planejar investigações
científicas e interpretar dados e evidências cientificamente” (PISA
2018).
A nossa lerdeza para desenvolver uma nova pedagogia e
instrumentos de avaliação adequados, em uma sociedade marcada pela desigualdade
social, agrava-se ainda mais frente aos desafios trazidos pela revolução
científico-tecnológica que vivemos. É imperativo que mundo da educação
instrumentalize os nossos estudantes para que possam viver num mundo
digitalizado no qual, a cada dia, as forças produtivas exigem menos trabalho
vivo. Segundo dados do IBGE
(2020), na comparação com o primeiro trimestre deste ano (2020), a taxa de
desocupação subiu 1,1 ponto percentual e fechou o segundo trimestre em 13,3%. O
percentual de desocupados chegou a 12,8 milhões de pessoas. O nível de ocupação
da força de trabalho caiu 5,6 pontos percentuais frente ao trimestre anterior,
atingindo 47,9%, o menor da série histórica. Em outras palavras, mais da
metade da força de trabalho do Brasil está desocupada e cada vez mais com restrições
de direitos trabalhistas.
Lamentavelmente, estamos longe de estar compensando as
nossas perdas ao longo dos últimos quarenta anos. Estamos nos enredando nas
teorias pós-modernas que individualizam e fragmentam tudo e todos e ainda
propõem transformar as instituições escolares em organizações socais como se
não houvesse diferenças entre as escolas e as montadoras de veículos, por
exemplo. Em termos de avaliação da aprendizagem escolar o que foi produzido a partir
de Luckesi é deveras incipiente e idealista. As teorias que campeiam hoje, vem
de fora. Este é o caso de Phillipe
Perrenoud que coloca a avaliação entre a lógica de seleção e uma
formatividade conforme os anseios dos neoliberais e em atenção às demandas
imediatas do mercado de trabalho.
Como tantas outras teorias também esta condena
eternamente os jovens ao trabalho como se nascessem exclusivamente para ele.
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