16.1.21

Noção, Conceito e Categoria: um esforço de precisão

 





Zacarias Gama[1]

 

Introdução

A demanda do presente texto surge das reflexões e debates realizados nos encontros da disciplina Fórum Interdisciplinar II e IV, ministradas às quartas feiras, para estudantes em nível de Mestrado e Doutorado do curso de pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O princípio de rigor metodológico que a disciplina determina torna-se imperativa a maior precisão dos termos “noção”, “conceito” e “categoria”, dada a necessidade de não serem usados indistintamente.

O esforço de precisar os termos noção, conceito e categoria é também um exercício de mediação possível de ser feito, principalmente quando não se pretende embarcar na estranha onda da “novilíngua”, ou da nova “vulgata planetária”, que se difunde pela mídia internacional com idéias ou noções de globalização, flexibilidade, governabilidade, empregabilidade, exclusão, comunitarismo, etnicidade, minoridade etc., obliterando categorias importantes como capitalismo, classe, exploração, dominação, desigualdade etc. sob “o pretexto de obsolescência ou de presumida impertinência”, e, mais grave, fazendo “tábula rasa das conquistas sociais e econômicas resultantes de lutas sociais” (Bourdieu e Wacquant (2000)[2].

Ao contrário dos “mestres da economia” do capitalismo tardio que, segundo Bourdieu e Wacquant, “podem dormir tranquilos porque encontraram o seu Pangloss”[3], eu prefiro estar vigilante. Afinal, como diz o poeta gaúcho, “não desculpes, porém, coisa nenhuma, que eles bem sabem o que estão fazendo...” (Quintana, 1997)[4].

Noção

O termo “noção” (de origem Greco-latina), no Novo Dicionário Aurélio em sua versão eletrônica é traduzido como “conhecimento”, “ideia”, e também como “concepção”, “conceito”. Esta sinonímia é coerente com a que encontramos no Dicionário de Filosofia de N. Abbagnano (1970)[5], no qual a noção aparece também como conhecimento ou ideia que se tem de alguma coisa, e significa qualquer ato simples de operação cognitiva; como concepção indica uma classe especial de atos ou operações cognitivas.

Na Antiguidade e na Idade Média, o termo foi empregado com o seu sentido geral sempre indicando a primeira expressão ou impressão de uma coisa. Para Kant, segundo Abbagnano, o termo tinha significado restrito. Era utilizado por Kant como “conceito puro enquanto tem sua origem unicamente no intelecto”. Para expressar o significado geral Kant usava a palavra “representação”.

Ainda segundo Abbagnano, o termo permanece hoje com o seu significado genérico.  Bourdieu e Wacquant (2000) no texto “A nova bíblia de Tio Sam”, usam-no com esta significação geral, inclusive aproximando-o ao de “ideia”, isto é, no sentido de “ter alguma ideia sobre determinada coisa”, como por exemplo, sobre o que significa “eficácia” do mercado, “identidades” (culturais), “responsabilidade” (individual).

No sentido em que estes autores franceses usam o termo, a ideia geral ou noção tende “a ocultar as condições e os significados originais”, isto é, as suas raízes históricas. Neste caso, apresenta-se impregnado ideologicamente, prestando a transformar-se “num senso comum universal, fazendo esquecer que, na maioria das vezes, apenas exprime (de forma truncada e irreconhecível) realidades complexas e contestadas de uma sociedade histórica particular”. Além de tais impregnações, conforme Gramsci nos adverte, as noções de senso comum contêm equívocos, podem ser contraditórias e multiformes; referir-se a ele, senso comum, como prova de verdade é um contrassenso (Gramsci, 199, p. 118)[6]. A mídia internacional, como se pode constatar, de fato, difunde noções como ‘globalização’, ‘flexibilidade’, ‘governabilidade’ etc., “patrões, altos funcionários internacionais, intelectuais de projeção e jornalistas de primeiro escalão”, sem preocupações de depurar as ideias que contêm. Segundo afirmações de Bourdieu e Wacquant ela fala uma estranha novilíngua.

O termo ideia, em filosofia, como qualquer objeto do pensamento humano ou como representação geral de uma coisa, foi usado nesse sentido por Descartes, pelos empiristas, e ainda hoje é usado com esta mesma significação pelos filósofos contemporâneos conforme as informações de dicionarista de filosofia.  Nos dicionários da maioria das línguas modernas também é usada como representação de alguma coisa; até para Descartes, a ideia “tem, em primeiro lugar, uma realidade como ato de pensamento subjetivo ou mental. Mas em segundo lugar, tem também uma realidade objetiva, conquanto represente um objeto” (cit. por Abbaganano)

Na perspectiva da filosofia materialista e histórica de Marx ter noção de uma coisa indica o grau de conhecimento dessa mesma coisa na sua essência, pelo fato de a “obviedade não coincidir com a perspicuidade e a clareza de uma coisa em si” (Kosik, 2002)[7]. A noção é construída pela aparência da coisa, por sua aparência fenomênica. Os fenômenos e as suas formas mais imediatas são reproduzidos espontaneamente no pensamento comum como realidade. A práxis utilitária cotidiana é que cria o pensamento comum, nos familiariza com as coisas, cria-nos o mundo da aparência.

Em Gramsci o termo noção é o mesmo que senso comum, o que é, em si mesmo muito limitado, difuso e incoerente. A noção como senso comum, diz esse pensador, não é única, é coletiva. Há muitas noções sobre a mesma coisa porque elas “são produtos e um devir histórico” (1999, p. 99)[8]. A noção é a primeira ideia que formamos das coisas a partir dos sentidos. Por esta razão é empírica, imediata, superficial.

É Gramsci quem ainda afirma que o senso comum tem, no entanto, um núcleo sadio que merece ser desenvolvido e transformado “em algo unitário e coerente”. De fato, as noções que nós, maioria de brasileiros, temos acerca do Planeta Júpiter ou da longínqua Mongólia podem ser e, evidentemente, são superficiais, mas de maneira alguma são descartáveis. Segundo o pensador sardo, as noções desde que desenvolvidas podem vir a ser chamadas de bom senso, uma vez transformadas em algo unitário e coerente. Torna-se evidente, assim, porque não é possível, para Gramsci, a separação entre a chamada filosofia “científica” e a filosofia “vulgar” e popular, sendo esta última tão somente um conjunto desagregado de ideias e de opiniões.

Conceito

O Novo Dicionário Aurélio em sua versão eletrônica, significa-o como “representação dum objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais”. O Dicionário Michaelis online também o explica como “representação mental das características gerais de um objeto”. Ambas as significações, ainda pouco distanciadas das nossas primeiras noções, supõem a existência de um processo mental no qual ocorre a conceituação. Interessante observar a influência de Hegel em ambos os dicionários lhes dando uma fundamentação teórica para situar a conceituação e o conceito no âmbito da mente, como resultado de uma mediação intelectiva, de uma idealização.                             

Filosoficamente, no entanto, nos dizeres de Abbagnano (1970), o significado do termo conceito pode ser mais amplo, “podendo incluir toda espécie de sinal ou procedimento semântico, qualquer que seja o objeto a que se refere, abstrato ou concreto, próximo ou longínquo, universal ou individual”. O conceito, neste sentido, pode ser referente a coisas ou fatos reais: podemos ter conceitos sobre coisas inexistentes (dragões, elfos, nirvana, Atlântida etc.) ou passadas (o assassinato de César, o dilúvio bíblico etc.), cujas “existências” têm um sentido específico e difícil de ser verificado. A função primeira e fundamental do conceito é a mesma da linguagem conforme Abbagnano, ou em outras palavras: sua função é a comunicação.

Os filósofos encontram dois problemas relativos ao termo conceito: o primeiro relaciona-se à sua natureza, e o segundo, à sua função. Para o problema de natureza eles, também conforme Abbagnano, apresentaram duas soluções: tomar o conceito como expressando a essência das coisas, pela qual não podem existir de modo diferente daquilo que são; e como sendo um signo. Esta segunda solução não será objeto das minhas preocupações neste texto.

Entre os filósofos que tomaram o conceito como essência das coisas encontramos Hegel. Em sua acepção “o conceito acaba por penetrar para surpreender a pulsação interna e senti-la bater debaixo da aparência exterior”. É “a essência necessária da realidade, o que faz com que ela (a essência) não possa ser diferente do que é” (Hegel, 1997, prefácio, p. xxxvi)[9]. Quando se apreende o que está por debaixo da essência é preciso então representar a coisa e expressá-la em linguagem. Se a representação é verdadeira em seu conteúdo, ela então assume a forma do conceito, ela, a representação, “recebe dele a sua verdade, por ele se corrige e se conhece” (1997, p. 3).       

A solução relativa à sua função, ainda segundo o mesmo dicionário de filosofia, apresenta quatro alternativas: final, instrumental, organizadora e previsão. A função final não é outra senão o expressar ou o revelar a substância das coisas – nesse sentido o que lhe compete é a descrição dos objetos de forma a permitir o seu conhecimento; a instrumental vincula-se ao seu caráter classificador; a organizadora diz respeito à organização dos dados da experiência de modo que se estabelecem entre eles conexões de natureza lógica; e por último, a função de prever, que implica em antecipar ou projetar a solução de dado problema. Para diversos filósofos, diz Abbagnano, essa função antecipadora “é o instrumento de que a ciência se serve para predizer a experiência futura à luz da experiência passada”. O mesmo dicionarista também nos informa que são as funções de organizar e prever os tipos fundamentais dos conceitos científicos que estão presente nas ciências, não são, portanto, descritivas nem classificatórias. Na Matemática e na Física os conceitos, como instrumentos de previsão, permitem introduzir procedimentos especiais de cálculo.

Mas nem sempre os conceitos são exatos e verdadeiros. Hobsbawn, por exemplo, em seu texto “Etnia e Nacionalismo na Europa de hoje” (2000)[10], evidenciou as dificuldades do uso generalizado deles ao se debruçar, nomeadamente, sobre os conceitos de “etnia” e “nacionalismo”. Para ele o conceito de etnia não constitui um “conceito político e, que, apenas em certas circunstâncias pode adquirir funções políticas”; em seu ponto de vista, a etnia é tão somente um modo “definível de expressar um sentimento real de identidade grupal”, nada mais do que isto. O nacionalismo, por sua vez, diz-nos o historiador inglês, quando destituído de um projeto político, “é uma palavra vazia”.      

Em Marx o conceito resulta de um processo de reflexão/mediação sobre a coisa, diante dela. É no momento da conceituação que se torna possível a sua análise, isto é, a decomposição do todo ainda em seu estado de pseudoconcreticidade para tentar apreender a sua essência, captar o movimento existente nela, assim como “as relações existentes na realidade social dos homens como uma união dialética entre o sujeito e objeto”. É neste momento de mediação que se historiciza o todo, ao ser considerado como produto da práxis humana.

O conceito, no entanto, contém ainda alguns equívocos, contradições e múltiplas formas. Marx mais de uma vez nos adverte para as ciladas que um conceito pode apresentar, como por exemplo nesta passagem um pouco longa:

O capital provém inicialmente da circulação, na verdade, do dinheiro como seu ponto de partida. Vimos que o dinheiro que entra na circulação e ao mesmo tempo dela retorna a si é a última forma em que o dinheiro supera a si mesmo. É ao mesmo tempo o primeiro conceito do capital e a sua primeira forma fenomênica (Marx, 2011, p. 309)[11].

 

O fato de ainda ser possível existir no conceito alguns resíduos inadequados impede-nos tomá-lo como prova de verdade, embora já seja hierarquicamente superior à noção. Ele já se contrapõe ao senso comum e pode “aniquilar quase fulminantemente os efeitos do ópio intelectual” (Gramsci, 2001, p. 266)[12]. Mas, somente encontraremos o bom senso científico como categoria, como síntese construída em conformidade com os rigores dos métodos científicos.

Categoria

O termo categoria no Novo Dicionário Aurélio, filosoficamente, quer dizer “alto grau de generalidade que define, em perspectivas e níveis diversos, domínios do conhecimento e da ação. O seu dicionarista afirma que, segundo Kant, a categoria define cada um dos conceitos fundamentais do entendimento puro, que confere unidade aos juízos”.

No Dicionário de Filosofia que estou usando, o mesmo termo quer dizer “qualquer noção que sirva como regra para a investigação ou para a sua expressão lingüística em qualquer campo”. Está dito nele que as categorias historicamente foram consideradas como “determinações da realidade e em segundo lugar, noções que servem para indagar e para compreender a própria realidade”. Aristóteles, nos dizeres de Abbagnano, a compreendeu como sendo “os modos em que o ser se predica das coisas nas proposições, portanto, como sendo os predicados fundamentais das coisas”.

Como determinação do ser, segundo Abbagnano, Hegel a retomou na perspectiva do entendimento aristotélico, considerando as categorias como “determinações do pensamento”. O mesmo dicionarista nos informa que, na verdade para Hegel, as “determinações do pensamento são, ao mesmo tempo, as determinações da realidade (pela identidade por ele formulada de realidade e razão e que a única categoria que o mestre do idealismo alemão reconheceu verdadeiramente como tal foi a própria “realidade-pensamento, isto é, autoconsciência: o Eu é a única essencialidade pura do ente ou a categoria simples”. Para Hegel, continua, a categoria deve ser considerada não como uma determinação do ser em geral, mas como a consciência, isto é, a própria realidade construída mentalmente. Esta teoria do Eu e da Consciência ou do Espírito como única categoria hegeliana tornou-se lugar comum às diversas formas do idealismo. Heidegger, ainda segundo o nosso dicionário, se opôs a Hegel afirmando que a categoria “é a determinação, não da autoconsciência ou do Eu, mas do ser das coisas”.

Indo diretamente à fonte hegeliana é possível comprovar a sua consideração às ciências como categorias:

Se elas são na verdade ciências, de modo algum se situam no terreno da opinião e das considerações subjetivas, e não consiste a sua exposição numa arte de alusões, de subentendidos, mas são antes um enunciado inequívoco, aberto e bem definido do significado e do alcance daquilo que se diz. Não pertencem, assim, à categoria do que constitui a opinião pública (1997, p. 293)[13].

Em outras correntes da filosofia contemporânea, conforme o mesmo dicionarista, como por exemplo no empirismo lógico e no próprio marxianismo, a categoria subordina o conceito, elas se apresentam como novas regras convencionais que presidem ao uso dos conceitos. Hoje é consensual ser sempre possível a proposição de novas categorias como instrumentos conceituais de investigação e de expressão lingüística. Observe-se, porém, que tanto no empirismo lógico como no marxianismo, as categorias deixam de ser consideradas à moda hegeliana “como determinação do ser em geral” e passam a ser consideradas como a consciência”. Em ambos, empiristas e marxianos, as categorias derivam de mediações[14] em face à realidade concreta, e não como reflexões intelectivas circunscritas ao âmbito da mente. Marx adverte que a aceitação sem críticas das categorias, como por exemplo as de “valor do trabalho” e “preço natural do trabalho”, gerou confusões e contradições insolúveis, “enquanto ofereceu à Economia vulgar uma base segura de operações para sua superficialidade, dedicada principalmente ao culto das aparências” (Marx, 1996, p. 168)[15]. Mais adiante, Marx chama atenção para o fato de a Economia vulgar “substituir uma categoria econômica por uma frase sicofanta” (Idem, p. 230).                 

Cury, seguindo a linha marxiana, no livro “Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo” (1987)[16], define as categorias como conceitos básicos “que pretendem refletir os aspectos gerais e essenciais do real, suas conexões e relações. Elas surgem da análise de multiplicidade dos fenômenos e pretendem um alto grau de generalidade”. Elas, porém, não são definitivas nem possuem fim em si mesmas. Só adquirem sentido como instrumento de compreensão de uma realidade social concreta e, ainda assim, precisam ser assumidas pelos grupos ou agentes que participam de uma determinada prática transformadora. As categorias, na perspectiva de Cury, não “dão conta de toda e qualquer realidade para todo o sempre”, elas estão diretamente relacionadas aos movimentos do real e das nossas mediações concretas.

À compressão de Cury, eu acrescentaria uma pequena observação, enfatizando que as categorias não apenas se apresentam como sínteses de uma realidade social concreta. Elas se apresentam também negação da negação, porquanto é a negação do conceito que, por sua vez, já negara a noção. Objetivamente o que elas estabelecem são novos conceitos sobre os fundamentos rigorosos do materialismo histórico-dialético.  

As categorias assim compreendidas possuem duas funções: como sínteses do real e indicadores de uma estratégia política. Contudo, somente adquirem consistência se contextualizadas historicamente, na medida em que a realidade, como síntese de múltiplas determinações, está em constante movimento e expansão. Saturá-las, portanto, de historicidade é o que impede se isolarem em estruturas conceituais intelectualizadas e o que lhes permite se mesclarem de realidade e movimento.

Acácia Kuenzer (2008)[17] afirma ser difícil o trabalho com as categorias, porque conduz nossas investigações “à produção de conhecimento objetivo e [nos] permitem avançar, para além das aparências fenomênicas, na progressiva e histórica compreensão da realidade”. Ela argumenta que são as categorias “que servem de critério de seleção e organização da teoria e dos fatos a serem investigados, a partir da finalidade da pesquisa, e fornecem o princípio de sistematização que vai lhe conferir sentido, cientificidade, rigor, importância”.

Kuenzer estabelece didaticamente uma diferenciação entre categorias metodológicas e categorias de conteúdos. As primeiras são as do próprio materialismo histórico-dialético: práxis, totalidade, contradição, mediação etc., e correspondem “às leis objetivas, e, portanto, universais, no sentido de permitirem investigar qualquer objeto, em qualquer realidade”. As demais, as categorias de conteúdos, emergem de “recortes particulares” definidos a partir do objeto e da finalidade da investigação em curso, e podem ser passiveis de detalhamentos em subcategorias.

Uma chave importante

O texto de Barata Moura (1997)[18] neste momento nos é bastante é útil e serve como chave para mais esclarecer o presente texto, principalmente quando retomamos as respostas que dá às questões: “por que é necessário o saber que se qualifica como científico” e “qual o télos da ciência? ”.

Ora, a construção do presente texto que busca apurar os termos “noção”, “conceito” e “categoria”, como já disse inicialmente, surgiu em virtude do rigor metodológico que vem regendo a disciplina Fórum Interdisciplinar II e IV, assim nada melhor do que enfatizar que a elaboração do saber científico é mais do que um exercício para simples erudição; esta elaboração indica momentos de mediação e de desalienação e é, então, por seu intermédio que superamos os saberes cristalizados, intuitivos, fundados nas aparências enganadoras das coisas: as noções de senso comum. A cientificidade do saber tem a ver, portanto, com a possibilidade concreta de compreensão do real, indispensável, inclusive, à sua transformação.

A finalidade da ciência, nos dizeres de Barata-Moura, é a de dar inteligibilidade aos processos, e é por meio de procedimentos científicos rigorosos que podemos estabelecer a conexão dos fenômenos, seus vínculos internos, e quais os seus movimentos e tendências. Um trabalho “científico” que se apóie nas vulgatas divulgadas e propaladas pela mídia internacional, em noções e conceitos abstratos, não nos permite avançar, quando muito favorece a construção de saberes em bases tautológicas, inúteis para a transformação da realidade.  

 

Rio de Janeiro, 2016[19]

 

 



[1] Professor Titular da Faculdade de Educação, Coordenador Geral do Programa de Pós-graduação Desenvolvimento e Educação Theotonio dos Santos (ProDEd-TS), Colaborador do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) e Membro do Comitê Gestor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

[2] BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Löic. A nova bíblia do Tio Sam. São Paulo: Le Monde Diplomatique- Brasil, maio de 2000.

[3] Pangloss é personagem do romance “Candide”, de Voltaire, de l759, e é um otimista por excelência, assim como possuidor de uma impressionante ingenuidade. Para ele o mundo era naturalmente perfeito e acreditava que todo mal é passageiro, porque a ele sucede um bem maior. Pangloss vive num mundo irreal e nega o real. Para ele tudo estava certo, que tudo o que existia era naturalmente assim mesmo. Na aventura voltairiana, Pangloss adoece, vira mendigo, fica cego e sem orelha.  Não morre apesar de ter sido enforcado e passar parte da vida preso nas galeras. Nada arrefece o seu otimismo, para ele as coisas vão da melhor forma possível.

[4] QUINTANA, Mário. De como perdoar aos inimigos. In Espelho Mágico. Porto Alegre: Globo, 1951.

[5] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1970.

[6] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, volume 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

[7] KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

[8] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, volume 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

[9] HEGEL, G. W. Friedrich. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Clássicos)

[10] HOSBAWN, Eric. Etnia e nacionalismo na Europa de hoje. In BALACRISNAN, Gopal (Org.). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. Pp. 271-282.

[11] MARX, K. Grundrisse. Rio de Janeiro: Boitempo/Editora UFRJ, 2011.

[12] GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, volume 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

[13] HEGEL, G. W. F. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Clássicos)

[14] Há grande diferença entre as concepções de mediação tal como foram desenvolvidas por Hegel e Marx. No presente trabalho, estou assumindo a categoria mediação na perspectiva marxiana. Para mais aprofundamento ver GAMA, Z. A categoria mediação em Hegel, Marx e Gramsci: para suprimir ruídos conceituais. Rio de Janeiro: Ciência & Luta de Classes, 46 Ano I Vol.2 N°2, 2015.

[15] MARX, K. O Capital – Livro Primeiro, Tomo II. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996. (Os Economistas).

[16] CURY, C. R. J. Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1987.

[17] KUENZER, Acácia. Desafios teórico-metodológicos da relação trabalho-educação e o papel social da escola. In FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes, 2008, pp. 55-75.

[18] MOURA, José Barata. Marx e a cientificidade do saber. In Marxismo e Subjetividade. Lisboa: Editorial “Avante!”, 1997.

[19] Uma primeira versão deste texto, foi socializada com os meus orientandos no segundo semestre de 2008. Esta atual foi revista, está mais ampliada e aprofundada.

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