Zacarias Gama[1]
A LDB
A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LEI Nº
9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996), como seu nome
indica, fornece as instruções ou indicações para a devida concretização do
plano ou projeto de educação que o Estado brasileiro se dispõe a oferecer à
sociedade.
Os seus 92
artigos estão distribuídos nos seguintes títulos:
TÍTULO I - Da Educação
TÍTULO II - Dos Princípios e Fins da Educação Nacional
TÍTULO III - Do Direito à Educação e do Dever de Educar
TÍTULO IV - Da Organização da Educação Nacional
TÍTULO V - Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino (educação básica, formada
pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e educação superior.
TÍTULO VI - Dos Profissionais da Educação
TÍTULO VII - Dos Recursos financeiros
TÍTULO VIII - Das Disposições Gerais
TÍTULO IX - Das Disposições Transitórias
O projeto
original desta lei surgiu por iniciativa da comunidade educacional imediatamente
à promulgação da Constituição da República em 1988, a qual se encontrava
fortemente mobilizada para assegurar suas propostas para a organização da
educação.
No período de
tramitação (1988 -1996), o projeto relatado pela Deputada Angela Amim passou
por diversos embates tantas as tensões advindas da luta de classes no campo da
educação; de um lado os capitalistas de educação – proprietários de
instituições de ensino presenciais e a distância – e de outro, os trabalhadores
de educação e defensores do oferecimento de uma educação pública, de qualidade
referenciada socialmente, universal, laica e gratuita.
Uma vez aprovado
na Câmara e na Comissão de Educação do Senado o relatório da Deputada Angela
Amim, que contemplava bastante os anseios dos defensores da escola pública de
qualidade, foi objeto de um golpe político, que mudou inteiramente seu rumo,
tendo sido substituído por um projeto induzido pelo Ministro da Educação do
governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Paulo Renato de Souza (PSDB),
relatado e assinado pelo Senador Darcy Ribeiro. E este foi o projeto aprovado e
promulgado em 20 de dezembro de 1996, muito de acordo com as pressões do
empresariado nacional de educação e distante das aspirações da comunidade
educacional em favor da escola pública democrática.
De sua
promulgação até os dias de hoje, a LDB já sofreu 331 alterações por meio de 287
novas leis e 44 medidas provisórias, a maioria provinda dos lobbies do
empresariado de educação, no qual estão incluídas as igrejas católica,
presbiteriana, metodista e diversas outras denominações, todas elas donas de
redes de escolas no país.
A esta luta de
classes interna se somam as pressões provenientes de organismos multilaterais
internacionais: Organização das Nações Unidas (ONU), Fundo Monetário Internacional
(FMI), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco Mundial, Conselho de
Estabilidade Financeira (Financial Stability Board), G20, BID, OEi. O Brasil, por
ser membro de tais organismos ou signatário de documentos que emitem não tem
força para simplesmente lhes fazer ouvido mouco.
O fato é que a
soma de todas as forças do bloco de poder a favor do capital acabou por
subordinar a educação aos seus interesses; o estado atual em que se encontra a
educação brasileira é de estrita subordinação ao mercado. São fortes as
organizações que defendem a privatização da educação ou a organização da
educação pública conforme as suas demandas. Entre tais organizações se destacam
o Movimento Todos pela Educação que agrupa em torno de si as seguintes
fundações e grupos empresariais: Associação Crescer Sempre, Família Kishimoto,
Fundação Bradesco, Fundação Grupo Volkswagen, Itau Social, Fundação Lemann,
Fundação Lúcia & Pelerson Penido, Fundação Telefônica Vivo, Fundação Vale,
Gol, IFood, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Burger King, Fundação Educar
DPaschoal, Fundação Roberto Marinho, Instituto Cyrela, Instituto Votorantim e
Grupo Suzano etc.
TÍTULO I – Da Educação
Neste título
está o conceito de educação, explicitado como sendo “os processos formativos
que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais”
Reconhece a
existência de outros agentes educativos para além da escola: família, convívio
social, trabalho e locais de trabalho, instituições de ensino, movimentos
sociais (feministas, negros, LGBTQI++, indígenas, quilombolas, estudantis,
ambientalistas, trabalhistas etc.
A LDB, no
entanto, somente trata da educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias; ela determina
que esta educação deve estar vinculada ao mundo do trabalho e à prática social.
Aqui cabe uma
observação: quando a LDB se refere ao trabalho sempre deixa transparecer a sua
preferência pelo trabalho produtivo, aquele que produz mais valia. Pouco ou
nenhum apreço dá ao trabalho improdutivo que não gera mais valia, ele é
considerado como gasto desnecessário/ custo no jargão econômico e tratado como
inutilidade pelo empresariado. Assim, não é por acaso ser grande a desconsideração
da LDB com as disciplinas das áreas humanas e artísticas: história, filosofia,
letras, artes, sociologia, teologia etc.
TÍTULO II – Dos Princípios e Fins da Educação Nacional
A LDB atual é a primeira
a dividir o dever do Estado de educar as crianças e jovens com as famílias;
todas as anteriores consideravam exclusivo e inalienável este dever. Dividir tal
dever com as famílias abre uma larga porta para a privatização da educação
pública e revela uma vontade de saciar a voracidade de lucro do empresariado de
educação. De acordo com a doutrina neoliberal de minimização do Estado, quanto
maior o poder aquisitivo das famílias maior será o acesso às escolas
particulares e consumo de produtos materiais pedagógicos e escolares.
Os fins ou
objetivos da educação pública, conforme o Art. 2º da LDB, são “o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho [produtivo].
A Constituição
e a LDB ficam a dever o entendimento sobre “pleno desenvolvimento do educando”.
A UNESCO
o relaciona à humanização do educando, ao seu crescimento interior e desenvolvimento
da consciência de liberdade e responsabilidade. Na prática, porém, a intenção é
mais a de formar e qualificar o melhor e mais eficiente trabalhador do que oferecer
uma educação que vise verdadeiramente o pleno desenvolvimento da personalidade.
É, no entanto, difícil falar de pleno desenvolvimento do educando em face às condições
de pobreza e bem-estar, questões de gênero e de discriminação sexual e
relativos ao desenvolvimento social, entre outros. Para Amartya Sen (apud Zambam in “A Teoria da Justiça
de Amartya Sen: as capacidades humanas e o exercíco das liberdades substantivas”,
2014) a persistência de tais condições “representam os desafios que
precisam ser integrados às políticas de desenvolvimento. Sendo assim, não se
pode falar em garantia das liberdades substantivas”. Por fim, é preciso
acrescentar que a exacerbada pressão pela qualificação para o trabalho
produtivo abafa o desenvolvimento de muitos talentos jovens e brilhantes em
muitas áreas compreendidas no campo das humanidades.
O Art. 3º da
LDB define quais princípios devem nortear o ensino nas escolas brasileiras. São
estes os princípios: igualdade, liberdade, pluralidade de ideias e concepções
pedagógicas, respeito e tolerância, gratuidade nos estabelecimentos oficiais,
valorização docente, gestão democrática, garantia de padrão de qualidade, valorização
da experiência extraescolar, vinculação entre a educação escolar, o trabalho e
as práticas sociais e de consideração com a diversidade étnico-racial.
TÍTULO III – Do Direito à Educação e do Dever de Educar
A
educação básica é um direito de todos e dever do Estado e da família, conforme
é estabelecido na Constituição Federal. Conforme
o Art.5º da LDB o acesso obrigatório a ela, dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete
anos de idade) é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão acionar o
poder público para exigi-lo”. A garantia de acesso ao ensino obrigatório (educação
básica) é o primeiro dever do estado, os demais são atendidos conforme as
prioridades constitucionais e legais.
Observem,
porém, que a existência do Art. 5º da LDB, a rigor, não precisaria existir se o
Estado, de fato, democraticamente, criasse vagas para todas as crianças e
jovens em todo território nacional, que radicalmente tivesse intenções de universalização
da educação. Hoje em dia, 2021, para se ter uma ideia, ainda persistem déficits
de matrículas na pré-escola, somente 81% das crianças estão matriculadas, o que
significa que cerca de 1,2 milhão de crianças dessa faixa etária ainda não
frequentam a escola.
[1]
Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Coordenador do Programa de Pós-graduação Desenvolvimento e Educação
Theotonio dos Santos (ProDEd-TS) e membro do Comitê Gestor do Laboratório de
Políticas Públicas (LPP-UERJ).
3 comentários:
É surreal como o mínimo de direitos são tão rasos e sem valor de equidade, o que desestimula cada vez mais um ensino crítico e reflexivo. Entende-se muito bem como é vantajoso a criação de uma falsa sensação de respaldo. Muito bom o texto! Bastante reflexivo.
Obrigado pelo comentário. É de fato surreal como restringem ou sonegam direitos, mas o nosso aluno não pode ser prejudicado por nós, os professores. Nossa ação é política contra isto, até revolucionária.
Estou me esforçando para lhes oferecer textos e vídeos bastante reflexivos. O próximo será muito mais.
Você se inscreveu no Blog? Faz isto, por favor
Oi, Professor. Existe um perfil de pais ou responsáveis que não matricularam as crianças ou esse número (80%) seria em função da pandemia?
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