19.2.25

Verão, bermuda e imagem pública do professor

 






Claro que o calor está insuportável. Mas será que isso justifica dar aulas de bermuda? Vou assumir, talvez com certo conservadorismo, uma posição contrária. Basta pensar: por que o advogado não entra de bermuda no tribunal? Por que o médico não atende de bermuda? Por que o engenheiro, mesmo debaixo do sol no canteiro de obras, usa calça comprida?

Não é apenas questão de estética. É também de simbolismo. Essas profissões, de grande valorização social, entendem que a imagem fala tanto quanto as palavras — e que a autoridade se constrói também pelo modo como nos apresentamos.

Lembro-me de um texto que li anos atrás. O autor dizia que os professores ajudavam a cavar a própria desvalorização ao abandonar o “pedagogês” e, ao mesmo tempo, descuidar da aparência. Nos anos 70 e 80, não eram raros os professores de chinelo de pneu, cabelo desgrenhado, roupas surradas e bolsas de lã de lhama a tiracolo. Aquele ar alternativo, longe de inspirar respeito, transmitia descompromisso. Qual criança ou adolescente teria vontade de ver num professor assim um modelo a seguir?

A tese continua atual. O professor que aparece diante de sua turma com aparência relaxada reforça uma contradição evidente: exige seriedade, dedicação e futuro promissor dos alunos, mas não projeta esses mesmos valores em si mesmo. É verdade que a docência sofre com salários baixos e reconhecimento insuficiente, mas justamente por isso a construção simbólica de sua imagem deveria ser tratada com mais zelo, não menos.

Nada tenho contra a bermuda. O que me preocupa é a esculhambação da imagem pública do magistério. Uma profissão que já carrega tanto peso não pode dar ao mundo sinais de que também desistiu de se levar a sério.

Quebrantamento da vontade




Ontem publiquei na minha página do Facebook uma lembrança de leitura da infância: o livro Cazuza, de Viriato Correia, que devorei lá pelos doze, treze anos. A recepção dos amigos foi ótima, quase entusiasmada.

Para quem não conhece, a obra conta a história de um menino do interior do Maranhão e sua trajetória pelas escolas do lugarejo natal, depois em uma vila maior e, por fim, em São Luís, a capital do estado. Lembro que li com o mesmo prazer que tive mais tarde com O Ateneu, de Raul Pompeia. As narrativas sobre a infância em ambientes escolares são sempre fascinantes — pena que sejam raras na literatura brasileira.

Na época, ao ler "Cazuza" eu não tinha condições de perceber a crítica embutida àquela escola autoritária, marcada pelo que Paulo Freire mais tarde chamaria de “pedagogia bancária”. Viriato Correia pinta com tintas fortes a figura do professor João Ricardo, que conduzia sua classe multisseriada com mão de ferro. A escola funcionava em dois turnos: pela manhã, crianças de seis e sete anos; à tarde, os mais velhos, de nove e dez. Realidade comum no meio rural, onde a escassez de professores e a ausência de formação adequada eram regra. Eu mesmo estudei em uma dessas escolas em Martins Soares, MG: um prédio simples, dividido entre uma sala cheia de carteiras duplas de ferro e a casa da diretora, dona Alzira Miranda, esposa de seu Quito. Entre os dois espaços, um pátio coberto servia de respiro.

Mas voltemos a Cazuza
Logo no primeiro dia, o menino descobre que a escola estava longe de ser o lugar alegre que imaginara. A palmatória reinava soberana. Os estalos ecoavam nas mãos dos colegas, deixando marcas e inchaços que denunciavam a dor.

João Ricardo parecia menos um professor e mais um capataz. Educava pela submissão, quebrando vontades, silenciando a espontaneidade e o amor-próprio. Sua pedagogia era a do medo — semelhante, em essência, à dos torturadores da ditadura civil-militar que assolou o Brasil entre 1964 e 1985: ambos empenhados em esmagar resistências.

A crítica a esse modelo não tardou. No Brasil, entre outros Paulo Freire foi a voz mais contundente com sua Pedagogia do Oprimido, denunciando a escola como espaço de dominação e instrumento da aristocracia para manter o povo sob controle. Fora daqui, obras como A Reprodução, de Bourdieu e Passeron, também desmontaram a violência simbólica de um ensino voltado a perpetuar desigualdades.

Contudo, a vara continua empenada, como diria Lênin, mesmo após ter sido virada para o lado oposto. A crítica não liquidou a deformação que ainda persiste: de uma escola autoritária passamos a outra que se mostra incapaz de garantir competências básicas para enfrentar os desafios da vida. Continuamos longe de uma educação democrática, universal e de qualidade socialmente referenciada.

Hoje, as políticas educacionais seguem atendendo muito mais aos interesses dos grandes empregadores e do capital do que ao direito de emancipação dos estudantes. Formam-se trabalhadores dóceis, prontos a servir, mas raramente cidadãos críticos.

O sonho de uma escola libertadora, que faça florescer sujeitos plenos, ainda é promessa — e desafio

4.6.24

Quando a escolha é péssima


https://www.nbcnews.com/news/us-news/typhus-zone-rats-trash-infest-los-angeles-skid-row-fueling-n919856


O Estado do Paraná está em processo de privatização da gestão das suas escolas. Isto significa atender à demanda privatista, a mesma que privatiza estradas, hospitais, presídios etc. Segue-se à risca a cartilha neoliberal de diminuição do tamanho do estado.

As empresas privatizantes vitoriosas nos editais emitidos pelo governo do Paraná, em primeiro lugar, garantirão os seus lucros, líquidos e certos, desde a assinatura dos contratos, com a contrapartida de oferecer a qualidade estipulada. Garanto que jamais será uma qualidade educacional superior à de Singapura; efetivamente, com boa ajuda dos céus, talvez se emparelhe com a qualidade da Ucrânia ou da Itália que estão longe de ser referência.

Já acumulamos vários exemplos do que significa privatizar um serviço público. Nem as estradas são como as da Alemanha nem os hospitais e presídios melhoraram conforme a expectativa da sociedade. No Rio de Janeiro, a privatização da telefonia encareceu os serviços e diminuiu a qualidade, inclusive na relação com os clientes: os atendentes desapareceram no ciberespaço. O mesmo aconteceu com a Supervia, que mais do que dobrou o preço das passagens dos trens sem entregar uma melhoria significativa deles: continuam os atrasos e os comboios nem de longe podem ser comparados com os trens suburbanos europeus.

As empresas privadas nunca vão entregar resultados vultosos em qualquer setor de atuação. Tudo é conforme a previsão de lucro e, fica muito claro, que deixando de lucrar oferecerá o pior produto. Havendo pequena margem de realização de lucro, as cargas horárias poderão ser compactadas, um único contrato docente tende a atender a mais de uma matéria e ainda tem grande chance de cuidar da disciplina e da limpeza escolar em tempos vagos... e vai por aí a fora.
Quando a razão do Estado é o mercado, as coisas funcionam em favor das corporações de todos os tamanhos. O Estado se justifica favorecendo-as. É muito reduzido o espaço de preocupação com o bem estar e a felicidade das pessoas. Elas, as pessoas, que se tornem competentes para suprir as suas necessidades.
Quando examinamos a situação de muitos americanos se torna visível que o distanciamento do Wellfare State tem como corolário um estado mínimo com centenas de americanos morando precariamente em áreas desfavorecidas dentro de automóveis e trailers em terrenos baldios e ruas de grandes cidades como Nova Iorque, Chicago, São Francisco etc. O fim da segurança social que culminou na invejável sociedade de bem-estar entre os anos pós-1945 e guerra do Vietnã se traduziu em empobrecimento da população e mais acumulação de riquezas nas mãos de uma minoria egoísta e insaciável. Ou seja, a assunção de políticas em favor da minimização do estado constitui um prejuízo enorme material e espiritual para a população vulnerável, com consequências alarmantes.
A escolha que a população do Paraná faz terá graves consequências para a sua população. Uma mirada sobre o estado da Califórnia nos EUA haverá de trazer à retina a perda da excelente qualidade de vida que o caracterizou.





19.5.24

O que a Inteligência Artificial fala de mim.

 




Aposentei-me, ou como dizem em Portugal: reformei-me. Foram ininterruptos 46 anos em sala de aula, da educação básica à educação superior em escolas particulares e públicas da cidade do Rio de Janeiro. Percorri quase todo o território brasileiro dando palestras e ministrando aulas em cursos de pós-graduação lato-senso. Considerando as minhas viagens docentes e turísticas somente não estive nos estados de Rondônia, Roraima, Amazonas, Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Tocantins. Ou seja dos 27 estados brasileiros deixei de conhecer estes 09; uma façanha considerando o tamanho do Brasil. 

No meu concurso para Professor Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro apresentai extenso memorial à banca que me avaliou, mas, confesso, a melhor síntese da minha trajetória foi feita pelo aplicativo COPILOT, a Inteligência Artificial criada pela Microsoft. Cheguei a ficar surpreso.


Eis o que a IA fala de mim, sobre mim


Zacarias Jaegger Gama é um renomado educador e pesquisador brasileiro. 

Vamos explorar alguns aspectos importantes de sua trajetória:

Formação Acadêmica e Carreira:

Possui graduação em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Concluiu seu mestrado em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 1993. Em 2002, obteve seu doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Realizou pós-doutorado em Educação na Universidade de Lisboa (UL/IE). Atualmente, é Professor Titular na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), vinculado à Faculdade de Educação.

Além disso, Zacarias Gama é Coordenador Geral do Programa de Pós-graduação Desenvolvimento e Educação Teotonio dos Santos (ProDEd-TS) na UERJ. Ele também atuou como chefe do Departamento de Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação (DEPAG/UERJ).

Como docente de pós-graduação, orientou teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de graduação.

É colunista de educação nos jornais eletrônicos Justificando e Brasil 247.

Contexto Educacional no Brasil nas Décadas de 1980 e 1990:

A década de 1980 foi marcada por vitórias políticas, incluindo o fim da ditadura militar e a promulgação da Constituição de 1988. No entanto, tanto a economia quanto a educação enfrentaram desafios durante esse período. Economicamente, os anos 80 foram considerados uma “década perdida”, com alta inflação, dívida externa e estagnação industrial. Na área educacional, a situação também foi desafiadora:

Apenas 22,6 milhões de crianças e adolescentes estavam matriculados no Ensino Fundamental.

A taxa de distorção idade-série era de 79,8% na 7ª série.

O Ensino Médio tinha poucas matrículas (2,2 milhões de estudantes).

O acesso ao Ensino Superior era limitado, com vagas insuficientes nas universidades públicas.

A taxa de analfabetismo permanecia alta, com 25,5% dos brasileiros acima de 10 anos sem saber ler e escrever.

As reformas educacionais implementadas durante a ditadura militar tiveram consequências indesejadas, como sobrecarga curricular e dificuldade de acesso ao Ensino Superior2.

Reflexões sobre Política Educacional:

Palestra sobre Educação e Transformações Societárias: 

Em uma palestra realizada pela TV Inverta, Zacarias Gama abordou a crise estrutural do capitalismo e suas implicações nas transformações sociais. Ele discutiu como essa crise, que está em processo desde os anos 1970, afeta áreas como demografia, urbanização, serviços e educação formal.

Particularmente, analisou a oferta da educação formal como um serviço não exclusivo do Estado, resultado das políticas neoliberais do governo FHC. Essas políticas contribuíram para o crescimento do sistema de ensino superior privado e a atração de investidores estrangeiros para o Brasil1.

Formação de Profissionais de Educação no Brasil:

Ele também se envolve em discussões sobre a formação de profissionais de educação, destacando a importância das competências de conhecimento, prática e engajamento profissional para esses profissionais. Isso inclui habilidades como planejamento de ações de ensino, avaliação do desenvolvimento dos alunos e condução de práticas pedagógicas2.

Atuação Acadêmica e Coordenação:

Além de sua atuação como professor adjunto na Faculdade de Educação, Zacarias Gama é coordenador do Núcleo de Gestão e Avaliação (EDU/UERJ). Ele também é membro do Grupo de Estudo Trabalho, Cultura, Conhecimento e Formação Humana.

Suas pesquisas e reflexões contribuem para a compreensão dos desafios educacionais e sociais no Brasil. Zacarias Gama desempenha um papel significativo na análise crítica da educação e na busca por soluções que promovam a equidade e o desenvolvimento humano. 

Engajamento Político e Social:

Zacarias Gama acredita que todos os cidadãos devem se envolver na política e na construção da sociedade. Ele defende que a indiferença à política é prejudicial e que a participação ativa é essencial para a cidadania. 

Em uma palestra realizada pela TV Inverta, ele abordou a crise estrutural do capitalismo e suas implicações nas transformações sociais. Zacarias analisou como essa crise afeta áreas como demografia, urbanização, serviços e educação formal. Ele também discutiu a oferta da educação formal como um serviço não exclusivo do Estado, resultado das políticas neoliberais.

Suas reflexões contribuem para discussões sobre reforma educacional, equidade e direitos sociais12.

Atuação Acadêmica e Escrita:

Além de suas atividades acadêmicas, Zacarias Gama é colunista de educação nos jornais eletrônicos Justificando e Brasil 247.

Ele também escreve poemas e histórias infantis e está trabalhando em seu novo livro intitulado “Nascimento de um Fascista”.

Reside na cidade do Rio de Janeiro, onde continua a contribuir para o debate público e a conscientização social. Zacarias Gama desempenha um papel relevante na análise crítica da educação e na busca por soluções que promovam a equidade e o desenvolvimento humano no Brasil.

18.11.22

Divagando

 


A rigor, a esquerda latino-americana sempre se colocou de forma radicalmente contrária ao neoliberalismo. A produção acadêmica dos anos 1990 em diante é prova disso: um vasto esforço intelectual de combate ao liberalismo e às suas múltiplas variações vindas de diferentes partes do mundo. No entanto, nesse percurso, percebe-se uma dissociação entre teoria e prática — visível em setores que, mesmo formulando críticas contundentes, acabaram por se deixar contaminar pelo próprio discurso que denunciavam.

Marilena Chauí alertou de forma cristalina: o pós-modernismo é a ideologia do neoliberalismo. Muitos ignoraram essa advertência, e o pós-modernismo se espalhou como tiririca-do-brejo, sem resistência proporcional e com efeitos corrosivos.

Na educação, isso se traduziu num derrame de diplomas esvaziados de conteúdo. Sob a lógica neoliberal, consolidou-se a sentença de que “o mercado é o grande juiz”. A seleção dos “melhores” passou a ser atribuída não ao processo formativo, mas ao próprio mercado de trabalho. Como consequência, instalou-se um darwinismo social às avessas: reprovar estudantes significava prejuízo, e muitas instituições privadas optaram por empurrar a responsabilidade de filtrar a mediocridade para o futuro empregador.

As artes também foram capturadas por esse espírito. Sob o mote da “morte da criatividade”, abriu-se espaço até para produções destituídas do mínimo talento. Como observa Fredric Jameson, “nesse ambiente, as imagens, os signos, tudo parece dado a uma apreciação estética imediatista e presentista, sem nenhum projeto crítico amplo que lhes dê suporte e sentido”. Sem as críticas estruturantes do modernismo, o campo artístico foi inundado pelo pastiche — na maioria das vezes, em sua forma mais efêmera e cínica.

3.11.22

Uma cruzada nacional de amor contra o bolsonarismo e o obscurantismo educacional.

 


O Colégio Eleitoral brasileiro tem um número de eleitores (156.454.011) maior que a população de países como a França, Inglaterra, Espanha, Alemanha e muitos outros. Os números dos nossos indicadores, quase sem exceção, não apenas mostram a grandiosidade do Brasil, mas coloca os habitantes daqueles países no modo perplexidade. E, de fato, não é para menos. Nesta eleição, os eleitores do Presidente Lula (60.345.999) equivalem a toda a população da Itália. Os de seu concorrente, somaram mais de 58 milhões.

Em termos quantitativos é este o quadro que se desenhou neste segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Contudo, o que preocupa a todos, com um mínimo de sensatez, é a qualidade dos 58 milhões de votos que definem o bolsonarismo. Eles avalizam a morte de milhares de vítimas por incúria e perversidade do governante, as queimadas e destruição dos grandes biomas brasileiros, a redução antipática e inumana das políticas sociais, a volta avassaladora da fome, a liquidação de direitos trabalhistas e sociais, a violência contra homoafetivos, mulheres, negros, indígenas e quilombolas e até o isolamento do país no concerto das nações. Os eleitores de Bolsonaro, além disso, dificilmente titubeariam para restabelecer a ditadura militar, a tortura, a suspensão do habeas corpus... a violência e a intolerância passaram a ser a marca registrada deles. Sérgio Buarque de Hollanda ficaria ruborizado e envergonhado ao ver o seu homem cordial mostrando as entranhas que ele jamais poderia imaginar que camuflam a violência que herdou das práticas escravistas; da incrível capacidade de fraudar, extorquir, subornar; submeter as populações mais vulneráveis às suas sanhas de riqueza, poder e prestígio. O que une todos estes homens brancos “cordiais”, por mais díspares e de origens sociais diferentes, é, nos dizeres de Thompson (1977), o “modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do “conjunto de suas relações sociais”, com a cultura e as expectativas a elas transmitidas e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural”. O que faz do bolsonarismo uma massa ignara e bastante uniforme é a defesa que os mais pobres dos seus integrantes – pouco importa que sejam negros, pobres, homossexuais e mulheres ameaçadas de feminicídio – fazem do modo de vida da elite. Todos se acham como seus integrantes. Como o personagem Caco Antibes, do hilariante “Toma lá, dá cá”, eles também têm horror aos pobres e os contemplam de apartamentos mal enjambrados do Jambalaya Ocean Drive.

A despeito das muitas teorias que podem explicar tal fenômeno, entre todas é preciso atribuir à educação brasileira um grande grau de responsabilidade para a sua existência, dada a crônica incapacidade de “educar para afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza” (Brasil/BNCC, 2013), e cumprimento da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) para a construção de um mundo sustentável sem pobreza e sem comprometer a qualidade de vida das próximas gerações. De certo modo, tal onda bolsonarista, e não é descabido afirmar, é o preço que a oferta de educação de baixa qualidade vem cobrando da sociedade. Como se não bastassem os prejuízos econômicos e os atrasos que impõe à nossa competitividade internacional, a sua hegemonia durante os últimos quatro anos fizeram o país recuar, nos dizeres da principal liderança desta massa à Rádio Jornal, de Barretos (SP), seu principal objetivo é que o “Brasil volte a ser igual 40, 50 anos atrás”.

Os principais cientistas brasileiros há muito vêm denunciando a precariedade da educação oferecida às nossas crianças e jovens e o impacto negativo que promove em nosso desenvolvimento. A quantidade de estudos é impressionante, a maioria é baseada em dados empíricos. A própria OCDE (Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), que aplica regularmente os exames do PISA (Leitura, Matemática e Ciências) em estudantes com 15 anos de idade, desde o primeiro exame realizado no ano 2000, vem se mostrando preocupada com o baixo desempenho dos estudantes brasileiros. Na ocasião, o desempenho deles ocupou a última posição entre os participantes. Em vinte e dois anos de aplicação dos testes do PISA, as melhorias conseguidas pelos nossos brasileirinhos são quase imperceptíveis e tendem a permanecer distantes e abaixo da média de desempenho dos seus colegas de outros países participantes.

Ao longo das últimas décadas, com os manuais do neoliberalismo em punho, o Estado jogou para o mercado a seleção dos melhores, condenando os demais a garantir as suas sobrevivências da maneira informal que conseguissem, bem como a dormir sob as incertezas do tempo próximo aos pontos em que montavam as suas bancas de vender desde pequenos ralos para pias à última novidade vinda do Oriente. Os fracassados, bombardeados pela ideologia da meritocracia, foram deixados à própria sorte e a buscar ajuda divina junto a igrejas e pregadores inescrupulosos. Com o Movimento Escola Sem Partido, os conservadores em geral, e os bolsonaristas em particular, se dispuseram a varrer das escolas as disciplinas de História, Geografia, Sociologia e Filosofia admitindo o elitismo estrutural da sociedade que tanto nega a qualificação do estudante para o trabalho improdutivo quanto o alargamento de sua compreensão de mundo. A ideia é que as escolas somente sejam aparelhadas para instruir para o trabalho imediato, de preferência organizada em bases militares.

Estamos perdendo décadas no oferecimento de educação pública de qualidade referenciada socialmente. Nos anos 1990 o IPEA chamou muito atenção para o fato de termos perdido a década de 1980. De lá para cá, pouco ou nada se fez com resultados robustos. Nestas duas décadas do século XXI o que se vê é estarrecedor. É cada vez maior as retrações de verbas, ausência de preocupações sérias com a formação de professores e ataques à liberdade de ensinar. A despeito da vigência das Bases Nacionais Curriculares Comuns, BNCC (2018), em sã consciência é impossível afirmar que os nossos estudantes passaram a ser capazes de “entender e explicar a realidade, colaborar com a sociedade e continuar a aprender; investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções; fruir e participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural; expressar-se e partilhar informações, sentimentos, ideias, experiências e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo; comunicar-se, acessar e produzir informações e conhecimento, resolver problemas e exercer protagonismo de autoria; entender o mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas à cidadania e ao seu projeto de vida com liberdade, autonomia, criticidade e responsabilidade; formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns com base em direitos humanos, consciência socioambiental, consumo responsável e ética; cuidar da saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções e a dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas; fazer-se respeitar e promover o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade, sem preconceito de qualquer natureza; tomar decisões com princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e democráticos” (Educação online)

Quem já teve a oportunidade de debater alguma ideia com algum adulto ou jovem identificados com o bolsonarismo, que chamam o presidente de “mito”, pode comprovar com facilidade o quão longe estão da aquisição das competências da BNCC ou dos princípios e objetivos que norteiam e justificam a nossa Lei de Diretrizes e Bases (LDB).

A vitória do Presidente Luis Inácio Lula da Silva nestas eleições presidenciais é o renascer da esperança. Caberá ao seu ministro da educação empreender uma cruzada contra o obscurantismo que alimenta a massa de 58.206.354 votos e estancar a produção de novos indivíduos dispostos a negar os avanços da ciência, a acreditar que a Terra é plana e a preferir a Bíblia à Constituição. Será este ministro o líder de uma cruzada de amor contra o bolsonarismo e o obscurantismo educacional.


Publicado no Brasil 247 - https://www.brasil247.com/blog/uma-cruzada-nacional-de-amor-contra-o-bolsonarismo-e-o-obscurantismo-educacional 

6.10.22

Avaliação da Aprendizagem e Reprodução da Elite

 

Foto de Zacarias Gama




Quem é professor sabe as dificuldades de avaliar os alunos, em especial por causa da necessidade de aprovar e reprovar. Já convivi com muitos colegas que entram em crise todo final de ano. Há quem perca peso, fique uma pilha de nervos e passe noites em claro. De fato, não é fácil. A cultura avaliativa que separa o joio do trigo é muito forte e está entre as razões de tantas dificuldades. Esta cultura procura distinguir, nos dizeres de Charles Wright Mills (1975), o grupo de crianças e jovens que poderá ter o máximo que se pode ter, bem como acesso aos modos de vida inacessíveis à massa de homens e mulheres comuns; pouco importa que sejam ricas ou pobres, que tenham altas posições ou não - são candidatos à elite por serem como são. De um ponto de vista moral acredita-se no ambiente escolar que constituem uma elite pelo simples fato de seus desempenhos acadêmicos serem mais elevados e serem possuidores de melhor caráter e energia superiores. Isto, entretanto, não se sustenta. A obtenção de notas elevadas nunca eximiu alguém de ser egoísta, retraído em si mesmo, em seu interesse e em sua arbitrariedade privada, e dissociado da comunidade. As relações que acaso mantêm com a comunidade são pautadas por interesses particulares de maior acumulação e conservação das suas propriedades.

Na crise política, econômica, social e sanitária na qual o Brasil foi mergulhado, em grande parte por inépcia do Governo Jair Bolsonaro, isto fica muito evidente. Os chamados homens-de-bem que compõem a elite bolsonarista, com raríssimas exceções, se mostram insensíveis à depredação dos grandes biomas nacionais, à morte de mais de 650 mil pessoas infectadas pelo coronavirus desassistidas pelo governo federal e à fome de milhões por retração das políticas sociais de assistência social aos mais vulneráveis. Antes, o historiador francês Christian Ingrao (2015) já demonstrou que jovens alemães das melhores famílias, formados em instituições de excelência e com excelentes desempenhos, com bastante facilidade se tornaram oficiais da SS nazista (Schutztaffel) e desenvolveram grande participação ativa e direta na construção dos campos de extermínio, na criação de "grades de leitura do mundo e na disseminação de discursos de legitimação que deram suporte aos massacres e ao genocídio". Ou seja, o melhor histórico escolar não se comuta em altivez de caráter; instruir não é o mesmo que educar para uma vida pautada pelos mais elevados valores humanos, éticos e morais.

Avaliar é qualificar, atribuir qualidade no sentido do desenvolvimento do espírito humano, isto é, no sentido de superar a nossa essência animal, nos tornar homens e mulheres sujeitos de uma sociedade mais igualitária, justa, fraterna, pacífica e democrática. Avalia-se para elevar a qualidade do trabalho realizado, indicando as fragilidades existentes e os caminhos de superação. Avaliar e classificar ou demarcar posições é elitismo. É reproduzir a sociedade de classes, é ser conivente com as estratificações existentes.

O MEC Avança, mas o Problema Central Continua Intocado

O Ministério da Educação do Brasil, sob a liderança de Camilo Santana, tem sido bastante ativo ao propor um conjunto de medidas voltadas à m...