6.11.18

Escola Sem Partido: Prenúncio do fim das liberdades individuais?

O debate em torno do Projeto de Lei Nº 867, de 2015, de autoria do parlamentar Izalci Lucas (PSDB-DF), que altera substantivamente os artigos 2º e 3º da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996), é acalorado, intenso e profundo, mas ainda restrito aos meios educacionais. Se transformado em lei, as escolas brasileiras de educação básica se tornam escolas sem partido, isto é, neutras política, ideológica e religiosamente, sendo vedadas a veiculação de conteúdos que conflitem com as convicções familiares dos estudantes. Há quem já o adjetive, com razão, de projeto da mordaça escolar.
À primeira vista, os seus defensores pretendem restringir as escolas à exclusiva tarefa de instruir, deixando às famílias a árdua tarefa de educar conforme os valores que prezam e às suas concepções de mundo. Querem, com muita limitação de visão educacional, que o ensino de determinadas competências e habilidades ocorra com absoluta neutralidade, como se a ciência fosse neutra e osseus problemas decorressem ética e exclusivamente do uso que é feito de seus produtos. A ideia que os norteiam, além da limitação da liberdade de ensino, portanto, é a de quebrar a unidade dialética educação-instrução, em cujo interior as ações reciprocas são de transformação e enriquecimento das práticas e horizontes de uma e de outra; somente de um ponto de vista metafísico tal isolamento seria possível.
O Supremo Tribunal Federal, agora em outubro, por ocasião do assédio autoritário e repressor à liberdade de expressão e pensamento das universidades brasileiras às vésperas da realização do segundo turno das eleições presidenciais, não apenas considerou inconstitucional as ações de vários tribunais regionais eleitorais, como também sinalizou sua dificuldade de ser favorável ao PL Nº 867, de 2015, pelas mesmas razões. O Ministro Luis Roberto Barroso chegou a declarar que o Projeto Escola Sem Partido é vago, genérico e capaz de servir a imposições ideológicas e a perseguições aos que dela divergem. A posição do STF veda a aplicação da Escola Sem Partido em Alagoas e, como efeito colateral, deverá suspender a tramitação de todos os projetos semelhantes nos legislativos dos estados e municípios.
À primeira vista a pendenga é esta. Mas, mais profundamente há questões muito mais preocupantes que advém da teoria neoliberal, a começar daquela desenvolvida pelo pai do neoliberalismo: Friedrich August von Hayek (1899-1922) na obra O Caminho da Servidão (Instituto Liberal, 1990). Sem dúvida, a mais importante e essencial ao debate em curso é a questão da liberdade e, neste sentido, é imperioso questionar o apreço de sua teoria à liberdade que herdamos do Iluminismo e que se acha inscrita na Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente em seu Artigo 19º:
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras (ONU, 2009)[2]
Para o neoliberalismo a defesa intransigente da liberdade individual tem elevado preço, e, por essa razão talvez fosse adequado trocá-la pelo termo “tolerância”. Entre optar pela liberdade e um bem maior, é preferível a opção pelo último. O que pode facilitar tal tomada de decisão é a existência de uma escola “neutra” e, por consequência, alienante, que leve os indivíduos a abrir mão de suas liberdades.
A liberdade, entretanto, sempre vista com exclusividade de uma perspectiva econômica,precisa existir como condição de progresso. É também fundamental garantir que exerça a sua função de impulsionadora do progresso intelectual, sem que isto denote “que todos sejam capazes de pensar ou escrever”; antes significa somente que “toda causa ou ideia pode ser contestada” (Hayek, 1990, p. 177)[3], mas por grupos restritos, nem todos estarão aptos as fazê-las. Na sociedade regulada pelo livre mercado,o grau de liberdade individual, então,será variável conforme as circunstâncias materiais e hierarquizado. O descarte da liberdade pela maioria poderá sempre que necessário ser sacrificado em nome de bens maiores com os devidos aceites das consequências dessa decisão. 
Da mesma forma a democracia também merece pouco apreço dos neoliberais. Como realizar um plano econômico coerente em uma assembleia democrática? Seria possível diante de um todo econômico, grande e complexo, ajustar todas as suas partes umas às outras e ainda assim acomodar as ideias conflitantes? Para Hayek isto seria inimaginável numa sociedade plenamente democratizada, tanto quanto conduzir uma campanha militar por processos democráticos (Hayek, 1990, p. 88). 
Como se pode deduzir, a tentativa de transformar em lei o projeto Escola Sem Partido não constitui uma ação isolada de parlamentares leigos e religiosos; é uma peça inicial e importante no canteiro de edificação da sociedade neoliberal em sua plenitude, é como se fosse uma escola preparatória.  Neutralizar as ideias e valores em crianças e jovens que possam futuramente se conflitar com as leis do mercado livre é essencial. Afinal, a mercadoria em si mesma não tem pátria, religião ou quaisquer outros valores que não sejam os de troca e de uso, pouco importa se é produzida num país católico, islâmico, protestante ou budista.
À luz da laicidade do neoliberalismo, os elementos moralistas e religiosos que hoje são fortes e se encontram entranhados em tal projeto, tais como a negação da questão de gênero e a recusa das teorias evolucionistas, aglutinam forças e interesses diferentes, mas têm, entretanto, data de vencimento marcada. O livre mercado não poderá ele próprio excluir consumidores potenciais. Dificilmente, perder-se-á um nicho de consumidores transgêneros e evolucionistas. Da mesma forma como é antieconômica a produção de automóveis com volantes do lado esquerdo e do lado direito e a variedade de padrões de medidas em diversas partes do Planeta, também haverá de ser a dualidade de mercado. A racionalidade mercadológica é inclemente e ciosa de realizar a maior acumulação.
A sociedade na qual vivem os personagens da obra de Aldous Huxley – Admirável Mundo Novo – parece estar a se desenhar no horizonte imaginado por Hayek e tantos outros seguidores. Nela tudo, também, seria organizado conforme as determinações do mercado, todos estariam presos às suas castas e condicionados a abrir mão das suas vontades individuais, aceitariam a servidão e seriam felizes com boas doses de felicidade química, as ortodoxias e ideologias seria ministradas por hipnopedia, sem necessidade de professores ou textos de Shakespeare que poderiam quebrar e subverter a ordem indispensável à prosperidade econômica.
Para algumas pessoas estas reflexões talvez possam parecer exercícios de futurologia, mas se voltamos os nossos olhos para os resultados eleitorais de 2018 a realidade toma um vulto que nos assombra. Como desconsiderar que a sociedade brasileira dá passos largos para sacrificar a democracia e as nossas liberdades individuais e coletivas em nome de “bens maiores”, ao eleger um candidato sem qualquer apreço pela democracia, liberdade e direitos humanos?

28.10.18

O “mito” Bolsonaro e a proposta de EAD para crianças e jovens.



A proposta de Educação à Distância (EAD) até para a alfabetização de crianças da educação infantil e fundamental está longe de ser um ato tresloucado do candidato ex-capitão Jair Messias Bolsonaro. Supõe cobertura universal com baixo custo, além de diminuir a quantidade de defensores e propagadores da ideologia de gênero, das ideias evolucionistas de Darwin e reprodutores das ideias de igualdade, fraternidade e democracia. 

A necessidade de merecer algumas reflexões é imperativa, a começar pelo fato de a eletricidade de qualidade e o sinal de banda larga estarem longe de ser universalizados no território brasileiro. Em muitas localidades a luz elétrica é precária: são muitos os picos e interrupções que liquidam os computadores, e o sinal de Internet é de desesperar os usuários, além de serem caros. Pretender, portanto, estender a EAD sem resolver a infraestrutura necessária é o primeiro sintoma de insanidade mental.

O Brasil está próximo de universalizar a educação básica presencial, apenas 2,8 milhões de crianças e jovens, entre 4 e 17 anos, ainda deixam de estar matriculados e frequentando às aulas. As razões dessa infrequência são muitas e têm início na situação de pobreza em que vivem e nas dificuldades de acesso. Grande quantidade vive em meio rural e áreas muito interiorizadas, às vezes somente com acesso fluvial e sem fornecimento de energia elétrica. Oferecer a essa nossa gente uma modalidade de educação fundada em novas tecnologias de informação é, no mínimo, zombar da paciência alheia e atestar para si e publicamente o próprio grau de cegueira em questões educacionais.

O que o país precisa com urgência, como imperativo categórico, é de professores de qualidade e em regime de dedicação exclusiva para enfrentar os desafios concretos do cotidiano educacional. É um contrassenso absurdo demonstrar a intenção de realizar cortes na folha de pagamentos da educação, quando se precisa de mais e melhores professores bem remunerados.

Também ainda estamos longe de abrir mão da presença física das crianças e jovens nas escolas e nas salas de aulas. Ao contrário do que alguns “entendidos” possam considerar impedir o acesso e a permanência de crianças e jovens nas escolas, isso significa negar-lhes viver coletivamente os melhores anos de suas vidas, as trocas materiais e simbólicas que podem fazer no ambiente escolar e o desenvolvimento cognitivo potencial em interações com seus iguais e membros do corpo pedagógico. Fixá-las em suas casas e imediações, sob a atenção das mães ou cuidadoras, tornam-nos atávicos, presos aos seus locais de pertencimento e incapazes de se tornarem senhores do mundo criado divinamente para as suas delícias. O mesmo vale para colocar em perspectiva os impactos da educação familiar, também chamada de homeschooling, com muitos adeptos no Brasil, mas que, em boa hora, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

Como se ainda não bastassem os aspectos negativos mais evidentes, a proposta do candidato Jair Bolsonaro de estender a EAD à educação básica, como sói ocorrer a personalidades semelhantes, tem, ademais, importantes sinais de machismo, misoginia e patriarcalismo. De pronto recusa a ideia de igualdade dos direitos entre homens e mulheres, ao segregar as mães em seus lares e lhes imputar as responsabilidades da educação domiciliar e o acompanhamento das aulas à distância dos seus filhos pelo computador, rádio, televisão ou qualquer outro meio. Transparece-se com intensidade em tal proposta a repulsa ao contato com as mulheres em ambientes públicos, longe das dependências privadas da casa. Aviva-se – por fim, mas não por último - o velho e reacionário saudosismo das sociedades patriarcais perdidas no tempo histórico, quando as mulheres sequer tinham o direito de votar conforme as suas escolhas ou ausentar-se de sua casa sem o consentimento dos patres famílias. 

Somente ganham com a concretização dessa proposta os grandes grupos privados que oferecem essa modalidade de educação, incluindo os empresários vendedores de softs, hardwares e manutenção de máquinas. Ganham também as fundações e institutos culturais e educacionais que já atuam no ramo, do tipo Fundação Roberto Marinho, Instituto Ayrton Senna, Fundação Victor Civita e tantas outras.

O grande perdedor é a sociedade, nomeadamente as classes sociais mais pobres, já situadas perifericamente ao acesso à educação de qualidade referenciada socialmente, pública, laica e gratuita. São essas classes as que mais perdem, embora, paradoxalmente sejam aquelas que teimam em dar sustentação ao candidato ex-capitão.  

15.10.18

Cadê a Sociedade Educadora?


Desde sempre é difícil ser professor em qualquer nível ou modalidade de educação, nunca foi fácil. Sempre estivemos pressionados pelos saberes que os estudantes adquirem fora da escola. Nestes dias sombrios de ameaças físicas e simbólicas as nossas dificuldades aumentam e nos levam a muitas indagações, a começar por aquelas que nascem diante da massa de homens massa de ultradireita e esquerda que ameaça a nossa frágil democracia. A maioria passou por nossas classes escolares e hoje nos ameaça com a escola sem partido, com a militarização das escolas, banimento de livros contrários às suas ideias e até nos agridem fisicamente. Trata-nos a todos como subversivos como se isto fosse verdade e nos acusam de querermos pintar de vermelho a nossa bandeira, transformar o Brasil numa nova Cuba ou Venezuela. 

 Vivemos tempos de uma irracionalidade cruel que sequer percebe a contradição das suas afirmações: sempre acusou a escola de ser reprodutora do modo de viver, pensar e ser da classe dominante e agora vem a público nos acusar de ideologizadores do comunismo e da crise de valores que a sociedade atravessa. Teríamos nos libertado das estruturas autoritárias do sistema escolar que impõe os currículos, conteúdos, livros, procedimentos didáticos e controles pedagógicos e administrativos? Que poder é esse que atribuem a nós professores? Fizemos uma revolução sem nos darmos conta dela?

 Não, não somos os professores os responsáveis exclusivos pela libertação dessa massa de homens ignaros que picham igrejas, tatuam suásticas a canivete, perseguem negros e homossexuais, matam indígenas, hostilizam imigrantes, espancam, assassinam mulheres e agridem os seus opositores políticos. É preciso que a sociedade volte os seus olhos críticos para as demais agências educativas: famílias; igrejas; quarteis e hospitais; jornais e televisão; sindicatos, movimentos e organizações sociais; empresas públicas e privadas e se pergunte que tipo de educação têm oferecido. 
Apenas responsabilizar os professores é fácil e se manter cego à totalidade do problema é de uma miopia sem tamanho. 

A sociedade é que não está sendo educadora como deveria. É ela que não consolida e aprofunda os saberes adquiridos nas escolas, que não exige mediações importantes diante da realidade concreta. É ela que mercantiliza e empobrece a música, o cinema, as colunas de jornais, o teatro, os cultos religiosos, a ordem unida, as assembleias, as reuniões corporativas, as conversas familiares, os simples saraus e tertúlias nas praças.


Nós, os professores, não temos tamanha capacidade e abrangência.

2.10.18

De onde nascem os fascistas


Tenho por hipótese que os fascistas de qualquer idade nascem de uma existência individual espiritualmente pobre, pouco importando se têm ou não alta escolaridade, pautada por experiências próprias que formam os seus juízos de valor. Um fascista não faz mediações tendo como objeto a realidade, quando muito faz meditações como se fosse um monge, descoladas da realidade concreta e que acabam por produzir uma outra realidade que não é verdadeira, é mistificada.

Eles podem ter cursos de mestrado e doutorado, terem estudado nas melhores universidades, e não superarem a categoria de homens-massa. São homens e mulheres que não atuam por si mesmos; são dirigidos, influenciados e, com frequência, membros de clubes de serviços e organizações similares.

Regra geral se dizem neutros e indiferentes à política e a todas as questões sociais, a despeito de serem mulheres e homens, jovens e velhos. É comum à maioria a grande dificuldade de refutar argumentos bem elaborados porque nunca se envolvem em embates de ideias. Com facilidade aceitam como verdade o que lhes é dito pelo noticiário da TV, jornais e revistas informativas. Tendem a ser pródigos em clamores pelo controle militar da ordem social dadas as suas dificuldade de compreender a complexidade e a liberdade dos regimes democráticos.  

Os fascistas desde que nascem veem a pobreza e até se condoem com ela, mas a atribuem aos indivíduos, tidos por eles como preguiçosos e indolentes, sem se darem conta dos processos históricos que promovem a concentração de riquezas nas mãos de poucos. Em termos educacionais lhes é fácil dizer que a educação brasileira é péssima, mesmo que sequer saibam definir o que é uma educação de qualidade. Eles são rápidos em críticas e condenações ao sistema escolar e não se importam com as causas estruturais que lhes dão origem; poucos sabem que a maioria das escolas de ensino infantil e fundamental é da competência de municípios pobres; que 75% destes apenas contribuem economicamente com 0,6% para a composição do PIB; que 25% dos municípios contribuem com 0,1%; e que a maioria está sob o cabresto curto de políticos repassadores de emendas parlamentares, já que vivem sem verbas próprias para o oferecimento de serviços públicos de qualidade.

Os fascistas têm propensão de nascer em sociedades mais despolitizadas, nas quais as razões tendem a desaparecer e a ceder espaço ao domínio da irracionalidade – atualmente difundida e valorizada pelos intelectuais da pós-modernidade que insistem no extermínio dos tribunais da filosofia, história, sociologia, ética etc. como é o caso, por exemplo, do filósofo pós-moderno Richard Rorty. Nessa mesma sociedade, as famílias, os partidos e associações de classe, a mídia e as igrejas, o direito, os quarteis e demais agentes soem se eximir de suas responsabilidades educacionais, transferindo ao aparelho escolar a exclusividade de educar e instruir, como se estivessem plenos de capacidade para tal tarefa e recebessem financiamentos suficientes.

Os fascistas, sem nunca fazer as suas próprias mediações, se deixam cativar pelos seus pontos de vista externos e estéticos. Pouco lhes importam se tal ordem é autoritária, repressiva e classista; como eles conseguem viver o seu dia a dia submerso na própria alienação, teimam em advogar sempre a sua continuidade. Pouco se importam com a qualidade e a abrangência democrática dos regimes políticos, porque são incapazes de ter os seus próprios argumentos racionais; eles acompanham o que os seus amigos pensam; eles são maria-vai-com-as-outras. Com facilidade se tornam anticomunistas, homofóbicos, xenofóbicos etc. porque alguém lhes disse que os comunistas são perigosos, que os gays são degenerados e os imigrantes lhes tomam os postos de trabalho; só mudam de julgamento se seus influenciadores mudarem de opinião.

Os fascistas nascem e se multiplicam, portanto, em ambientes sociais e familiares onde os bons livros e autores, a boa música e seus compositores, as consagradas peças de teatro e os grandes dramaturgos, a política e a história foram destituídas dos seus lugares ou simplesmente queimados em praça pública, na Alemanha nazista, em 1933.

 Por estas razões não constitui surpresa que os indivíduos fascistas possam nascer até dentro das nossas próprias casas e ser nossos parentes e amigos mais próximos. Basta que o ambiente se caracterize pela pobreza de espírito.

12.9.18

Despenca a qualidade da educação pública ofertada no estado do Rio de Janeiro


A qualidade da educação fluminense ofertada nas escolas públicas de educação básica apurada pelo Índice da Educação Básica (Ideb) de 2018 vai de mal a pior. Na avaliação nacional realizada pelo MEC ela despencou obtendo tão somente 3.7 pontos de média, bem abaixo da meta estipulada (4.6). A tendência de melhoria que se desenhava entre outubro de 2010 e dezembro de 2014, quando era apenas melhor do que a educação oferecida no estado do Piauí (2,9) se esfumaçou no ar. E por quê?

Há diversas razões que podem explicar tal desastre. Para o atual secretário de educação as causas foram provocadas pelas greves docentes que impuseram descontinuidade ao processo educativo e, consequentemente, os maus resultados. Tal razão, entretanto, não é suficiente. Para além da solução única que, claramente, faz recair sobre os docentes e discentes a responsabilidade pelo fracasso, há outras razões bem mais concretas.

A primeira razão que emerge imediatamente é a crônica prática do ziguezague na história da educação brasileira e que se caracteriza pela descontinuidade das práticas anteriores. O que é feito, especialmente se por partidos políticos contrários, é desfeito pela administração subsequente. Cada uma tenta imprimir as suas marcas partidárias e pessoais, muitas vezes desconsiderando os avanços positivos e o volume de investimentos. As duas administrações posteriores a 2014 são emblemáticas a esse respeito. Os dois últimos secretários de educação sequer tentaram alguma marca pessoal às suas administrações, simplesmente cruzaram os braços e fruíram o status de autoridades do governo. Faliram o Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro, transformaram em letra morta a Gestão de Impacto da Educação (GIDE), deixaram a educação fluminense seguir o caminho que quisesse e a capacitação docente foi desestimulada. Praticamente predominou na gestão de ambos o laissez-faire que os fisiocratas do século XVIII advogavam para a economia. No caso da educação fluminense predominou a não-intervenção do estado no sistema educacional, exceto por algumas medidas paliativas e inócuas, próprias de governos sem compromissos com a oferta de educação de qualidade referenciada socialmente.

Outra razão deriva da nomeação de secretários que desconhecem os problemas mais comezinhos da educação brasileira. Regra geral são quadros políticos que ocupam as pastas disponíveis para atender à repartição do poder combinada com os partidos que constituem a base do governo. O que prevalece são os interesses particularistas dos partidos aliados no loteamento das secretarias de estado. A ideia de totalidade de um projeto de governo, nesses casos, se fragmenta muitas vezes imprimindo-lhe feições frankensteinianas que pouco servem à sociedade; antes servem àqueles que se locupletam com as sinecuras que muitos cargos públicos possibilitam.    

Uma terceira razão tem a ver com o desprezo à educação como valor universal, como objetivamente necessária por si mesma para todos, sem qualquer discriminação, exclusão e finalidades imediatas. Nesses termos a educação é direito fundamental e inalienável; seu oferecimento é função suprema do estado e sua primeira responsabilidade financeira. A sua concretização supõe contínuas e efetivas políticas públicas de estado distanciadas dos padrões estandardizados desenhados pelos organismos multilaterais internacionais; supõe serem construídas conjuntamente com a sociedade nacional. Os países ricos e pobres que oferecem a educação de maior qualidade referenciada socialmente, consideraram-na como valor universal e conseguem ocupar as mais altas posições nos rankings internacionais. A Bolívia, uma das mais pobres economias da América Latina não apenas conseguiu erradicar o analfabetismo, como também aumentou os seus investimentos na educação, intensificou a qualificação docente em nível superior e valorizou a carreira dando-lhe mais atratividade e competitividade, sem solução de continuidade nos últimos dez anos.

A liquidação das causas de fracasso apontadas seria o primeiro grande passo rumo à oferta da educação de qualidade socialmente referenciada. Se combinada com um projeto de estado para que tal oferta seja realizada, a sociedade seria satisfeita e em dez anos, no máximo, o estado do Rio de Janeiro atingiria outro patamar educacional. 
A sociedade brasileira agradeceria.

8.8.18

Educação a distância para crianças e adolescentes?

Ir à escola todos os dias, cumprir os seus horários, assistir às aulas e acompanhar as exposições de conteúdos feitas pelos professores em sala de aula pode ser a coisa mais chata do mundo para muitas crianças e adolescentes. Essa rotina, no entanto, tem a capacidade de criar hábitos e disciplina, coisas difíceis de ser adquiridas solitariamente. No conforto dos lares é quase impossível adquirir a disciplina necessária para um programa de estudos. São poucas as pessoas autodisciplinadas e os pais que conseguem que os seus filhos sejam disciplinados para os estudos.

Muitos já escreveram sobre isto. Grande quantidade de pesquisadores veem a escola como a instituição intermediária entre a família e a sociedade, de grande importância quando a autoridade paterna ou materna passa a ser contestada pelos adolescentes.  Os professores, com o mandato pedagógico que recebem da sociedade, substituem-nos e são capazes de conseguir bons resultados a despeito de todas as críticas que lhes podem ser feitas.

A centralidade da rotina escolar na vida das crianças e adolescentes é capaz de controlar desde os seus tempos livres diários às férias e finais de semana. Se há atrasos nas tarefas escolares, os tempos livres são diminuídos colocando-se em risco até as férias.

E por que estou falando isto?

Porque há quem recomende para as crianças e jovens as suas matrículas em cursos à distância de educação fundamental e média, com o uso de tecnologias de informação, desobrigando-os de ir às escolas diariamente. De um lado, apostam em maior efetividade de aprendizagem à luz das críticas feitas às escolas brasileiras e, de outro, na economia que o estado poderá fazer com professores, merendas, transporte etc. Eles partem de um principio bastante discutível segundo o qual as famílias contemporâneas são capazes de estar disponíveis da mesma forma que os professores; minimamente fixam pais ou mães, ou os dois, como preceptoras dos seus filhos sem considerar os seus afazeres nas fábricas, escritórios etc. Também supõem que as famílias podem garantir boas condições de recepção de conteúdos pela internet, máquinas possantes, atualizadas e com boa velocidade de downloads e uploads.
Minha experiência em educação a distância, com estudantes de graduação, me situa na contramão dessas recomendações, a começar pela diferenciação social que a recepção do sinal de internet estabelece a partir da capacidade financeira de garantir as condições de recepção dos conteúdos, para tanto precisam comprar os planos mais caros para ter os maiores e melhores streamamings (You Tube, filmes de longa metragem, transmissões online...). Os estudantes que moram em pequenos municípios e nas áreas rurais eram os mais excluídos, sofrendo com interrupções constantes de luz elétrica, dificuldades de assistência técnica e ausência de sinais fortes garantidos pelas operadoras. As desistências são grandes, havendo turmas com mais de 60% de abandono, dada a falta de disciplina para acompanhar os planos de estudo, assim como as interferências de caráter social características da vida em família que impõem interrupções não desejadas. Ou seja, para que a educação a distância seja realmente possível torna-se imperativo a garantia de qualidade para todos, a inclusão de todos como valor universal. A questão da disciplina de cada um para acompanhar os planos de estudo, sinceramente, não sei como poderá resolvida.

O que sei é que não se pode agir pragmaticamente e de forma a economizar na educação das futuras gerações. Os fins idealizados por arrivistas políticos constituem um perigo danoso para a sociedade, porque quase sempre são hipotéticos, destituídos de meios adequados e éticos. Ao invés de garantirem a educação de qualidade referenciada socialmente nas escolas que temos e que precisam de ser bem cuidadas, retiram das suas cartolas soluções mágicas que rendem votos e iludem a sociedade.

Que educação é esta? Até quando?

Imagem Copilot Com o gado bolsonarista berrando loucamente pelas ruas, me pergunto sobre o que entregaram as aulas de História, Geografia, ...