A
classificação de universidades em quaisquer rankings é sempre discutível. Com
quais critérios foram avaliadas? As posições obtidas decorreram de avaliação
criterial, tomando cada uma como referência de si mesma, ou foi normativa, isto
é, foram avaliadas a partir de um modelo ideal de universidade? Qual a
idoneidade dos avaliadores e organizadores dos rankings? Quais interesses estão
subjacentes à publicização de determinada universidade no topo do ranking ou
entre as 10 primeiras?
Não há
consenso a respeito dessas práticas de classificação. Elas não têm a mesma
objetividade dos rankings que servem aos competidores olímpicos de natação por
exemplo. Nas classificatórias de natação masculina, estilo Medley 4 x 100, para
as Olímpiadas de Londres, o cronômetro implacavelmente posicionou os atletas do
Clube de Regatas Flamengo em 1º lugar (3m36s10), os do Clube Pinheiros em 2º (3m36s60), e os do Minas Tênis Clube em 3º (3m41s72). Todos os demais competidores não obtiveram
o índice exigido e os presentes ao estádio puderam comprovar os tempos de cada
um e as distâncias entre eles.
Não
obstante o esforço da empresa que organizou o ranking das universidades
latinoamericanas é difícil perceber a olhos nus ou mesmo com alguns indicadores
as diferenças qualitativas entre a Universidade de São Paulo (USP), primeira
colocada no ranking, e outras universidades. Este ranking foi divulgado pela QS World University Rankings, uma
empresa de serviços, fundada em 1990, especializada em informações e soluções
sobre carreiras de nível superior. No meio em que atua, ela própria se adjetiva
como fornecedora do “ranking universitário mais confiável do mundo”.
As imprecisões dos rankings não elidem, entretanto, as possibilidades de
seus usos para algumas constatações e reflexões, se consideramos os indicadores
utilizados: reputação acadêmica, reputação como local de trabalho
(empregabilidade), publicação de textos científicos, citações em outras
publicações, relação entre o número de alunos e professores, docentes com
titulação de doutor, acessibilidade e uso de sua página na Internet (Web
Impact). O ranking em foco, por exemplo, pode nos ajudar a questionar o lugar
que as universidades fluminenses estão a ocupar entre as melhores universidades
latinoamericanas.
Entre as 10
universidades latinoamericanas situadas no QS Latin University Rankings, três são
brasileiras: USP – Universidade de São Paulo (1º lugar), UNICAMP – Universidade
Estadual de Campinas (3º lugar) e UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
(8º lugar). Entre as 50 melhores, a UERJ aparece após a UNESP – Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (17º lugar), mas garbosamente é a
única representante do Estado do Rio de Janeiro que está posicionada entre as
50 melhores universidades do subcontinente: está em 38º lugar. A UENF –
Universidade Estadual do Norte Fluminense “Darcy Ribeiro”, a segunda grande
universidade mantida pelo governo do Estado, aparece em 117º lugar.
A PUC-Rio é a solitária representante
das instituições privadas de educação superior e ocupa o 18º lugar. A ausência
de outras universidades privadas existentes no Estado do Rio de Janeiro é um
fato que chama a atenção. Aliás, à exceção das PUCs (Rio, São Paulo, Paraná,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul), todas as demais universidades particulares
somente aparecem a partir do 111º lugar, e mesmo assim apenas nove garantem
posições até o 200º lugar a despeito da propaganda midiática que vende as suas
marcas, agregando-lhes uma qualidade superior incapaz de se afirmar face a
alguns critérios tidos como objetivos.
Mas, por que razões as universidades estaduais
fluminenses, considerando em particular a UERJ e a UENF não se emparelham com
as universidades estaduais de São Paulo e não têm igual reputação?
Em termos de reputação acadêmica e de empregabilidade
uma resposta emerge de imediato focalizando-se exclusivamente a UERJ, considerada
pelo Governador Sérgio Cabral como a “jóia da Coroa”. A UERJ, ao contrário das
congêneres paulistas, não têm docentes e servidores técnico-administrativos em
regime de dedicação exclusiva e as suas remunerações apresentam grandes perdas
acumuladas. Em um simples exercício
comparativo das remunerações pagas aos docentes-doutores da UERJ com as dos
seus colegas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, por
exemplo, começamos a compreender o lugar que ocupa no ranking, atrás das
universidades paulistas. Na UNIOESTE um professor doutor, Adjunto A, com
dedicação exclusiva recebe mensalmente R$ 7.452,00 e um professor associado, R$
9.364,47; na UERJ estes mesmos professores recebem salários, respectivamente,
de R$ 4.685,32 e R$ 4.656,22. Todos docentes e servidores da UNIOESTE têm ainda
uma data-base de correção dos seus salários fixada por lei e os seus triênios sequer
sofrem qualquer ameaça de desaparecimento por meio de Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN) movida pelo Governador do Estado. Assim,
não é, pois, de estranhar que o
impacto desta defasagem nas remunerações incide diretamente sobre a reputação da UERJ como local ideal de trabalho.
Na UERJ é grande a evasão de docentes e servidores para outras instituições e
carreiras. Em alguns Departamentos das diversas Unidades Orgânicas da UERJ há
mais de 50% de professores substitutos ou auxiliares com contratos de trabalho
incrivelmente precarizados: recebem por aulas dadas, não têm direito a férias,
repouso remunerado e 13º salário e sequer recebem seus salários em datas fixas.
A reputação acadêmica da UERJ é garantida pelas
publicações e pesquisas de denodados pesquisadores que, a despeito da
precariedade das suas condições de trabalho, conseguem ainda assim realizar
trabalhos importantes e de referências. Em 2011 o DATAUERJ registra a
realização de 19.155 produtos científicos por 1.993 docentes-pesquisadores.
A questão orçamental da UERJ também merece atenção
e ajuda a trazer à luz as condições objetivas de trabalho. Para tanto é
significativo comparar seus recursos orçamentário-financeiros com os das
universidades paulistas. Desta comparação fica fácil deduzir em que condição opera
a comunidade uerjiana, particularmente se se deduzem os gastos de manutenção
com o Hospital Universitário Pedro Ernesto.
Universidade
|
Ranking em 2012
|
Data de Fundação
|
Orçamento Anual (R$
milhões)
|
Número de Docentes
|
Número de Alunos
matriculados
|
Relação
docente/aluno
|
Proporção
Orçamento/Aluno per capita
(em reais)
|
USP (2011)
|
1º lugar
|
1934
|
3.383.000.000
|
5.865
|
88.962
|
1/15,16
|
38.027.472
|
Unicamp (2011)
|
3º lugar
|
1966
|
2.087.388.674
|
2.052
|
36.801
|
1/17,93
|
56.720.974
|
UNESP (2010)
|
17º
lugar
|
1976
|
1.561.726.421
|
3.543
|
38.435
|
1/10,84
|
40.632.923
|
UERJ (2010)
|
38º lugar
|
1958
|
952.653.446
|
2.179
|
26.251
|
1/12,04
|
36.290.177
|
Fontes: anuários estatísticos
divulgados pelas próprias universidades. Todos foram obtidos no Google
buscando-se, por exemplo, UERJ em números.
A questão que relaciona o número de docentes e servidores
com o total de estudantes também é grave. Dados da UERJ de 2011 indicam haver 26.251
estudantes para 2.179 docentes e 3.177 servidores técnico-administrativos. Em
2003 havia 23.655 estudantes, 1.970 docentes e 4.141 servidores. Hoje se
trabalha na UERJ com mais 2.596 estudantes, 209 docentes e 964 servidores
técnico-administrativos a menos.
Quanto à questão WEB Impact, considerando a
acessibilidade e usos do Portal WEB da UERJ (www.uerj.br), também há que se
preocupar. A acessibilidade existente não é inclusiva, isto é, há falta de
dispositivos informatizados que permitem o acesso de cidadãos com necessidades
especiais (facilitação auditiva e visual, impressão em braile, legibilidade dos
conteúdos, acessibilidade por teclado, conteúdos que não provocam ataques
epiléticos etc.). Em comparação, por exemplo, com o Portal da Universidade de
Lisboa, com acessibilidade generalizada, o Portal da UERJ pouco disponibiliza e
orienta os estudantes, docentes e servidores a tirarem o maior proveito das
próprias potencialidades da universidade. O portal da UL indica, por exemplo,
os caminhos de apoio à organização, gestão e dinamização das atividades de
investigação e desenvolvimento das diversas Unidades, bem como a elaboração de
projetos, suas candidaturas em editais de financiamento, e a execução
financeira dos projetos que receberam financiamentos. Toda a comunidade utiliza
o sinal de Internet da UL nos seus campi e dispõe de informações específicas
conforme os cursos. Com bastante facilidade é possível ter acesso aos serviços
financeiros, sistemas de informação, infraestrutura tecnológica, suportes de
informática, formação, ambiente e energia, apoio à investigação, higiene e
segurança no trabalho, e normalização e otimização dos processos de aquisição
de bens e serviços.
Não obstante tudo isto, somente os críticos mais
afoitos e inconsequentes haveriam de responsabilizar os docentes e servidores
da UERJ por não estarem emparelhadas com as congêneres paulistas. Mas seriam críticas anacrônicas e superficiais;
sequer tangenciariam a essência do problema e pouco contribuiriam para a
melhoria desta universidade. Tampouco serviriam para suspender a greve geral de
estudantes, docentes e servidores da UERJ que se iniciou no dia 11 de Junho. A mais
atualizada literatura sobre a estrutura e o funcionamento das instituições de
ensino superior desloca o epicentro das mazelas das nossas universidades,
incluindo as do Estado de São Paulo, para a qualidade das políticas de governo
e para o gerenciamento do sistema de ensino superior pelas autoridades
competentes. Tanto as políticas como o gerenciamento estão defasadas quanto à
importância estratégica das nossas universidades.
Se a mudança radical de concepções acerca da
universidade continuar a ser postergada, será muito difícil dar
sustentabilidade ao atual processo de desenvolvimento do Estado e do País. Recente
estudo produzido pelas universidades de Harvard e Stanford relaciona crise
educacional e segurança nacional, na medida em que se constatou nos EUA a grande
dificuldade de formar pessoal com sólidas qualificações demandadas pelas Forças
Armadas, diplomacia, empresas de pesquisa farmacêutica e aeroespacial,
indústria e comércio em geral. Este estudo é sem dúvida importante e pode ser
rebatido para a nossa realidade. A mesma pergunta que propõe à sociedade dos
EUA é igualmente válida para nós todos, fluminenses e brasileiros: se não
preparamos bem as futuras gerações, quem protegerá o nosso Estado, a segurança
do País e a nossa prosperidade atual e futura?
Com a palavra as nossas autoridades.