22.6.12

A posição das universidades do Estado do Rio de Janeiro no ranking latinoamericano: constatações e preocupações.


A classificação de universidades em quaisquer rankings é sempre discutível. Com quais critérios foram avaliadas? As posições obtidas decorreram de avaliação criterial, tomando cada uma como referência de si mesma, ou foi normativa, isto é, foram avaliadas a partir de um modelo ideal de universidade? Qual a idoneidade dos avaliadores e organizadores dos rankings? Quais interesses estão subjacentes à publicização de determinada universidade no topo do ranking ou entre as 10 primeiras?
Não há consenso a respeito dessas práticas de classificação. Elas não têm a mesma objetividade dos rankings que servem aos competidores olímpicos de natação por exemplo. Nas classificatórias de natação masculina, estilo Medley 4 x 100, para as Olímpiadas de Londres, o cronômetro implacavelmente posicionou os atletas do Clube de Regatas Flamengo em 1º lugar (3m36s10), os do Clube Pinheiros em 2º (3m36s60), e os do Minas Tênis Clube em 3º (3m41s72). Todos os demais competidores não obtiveram o índice exigido e os presentes ao estádio puderam comprovar os tempos de cada um e as distâncias entre eles.
Não obstante o esforço da empresa que organizou o ranking das universidades latinoamericanas é difícil perceber a olhos nus ou mesmo com alguns indicadores as diferenças qualitativas entre a Universidade de São Paulo (USP), primeira colocada no ranking, e outras universidades. Este ranking foi divulgado pela QS World University Rankings, uma empresa de serviços, fundada em 1990, especializada em informações e soluções sobre carreiras de nível superior. No meio em que atua, ela própria se adjetiva como fornecedora do “ranking universitário mais confiável do mundo”.
As imprecisões dos rankings não elidem, entretanto, as possibilidades de seus usos para algumas constatações e reflexões, se consideramos os indicadores utilizados: reputação acadêmica, reputação como local de trabalho (empregabilidade), publicação de textos científicos, citações em outras publicações, relação entre o número de alunos e professores, docentes com titulação de doutor, acessibilidade e uso de sua página na Internet (Web Impact). O ranking em foco, por exemplo, pode nos ajudar a questionar o lugar que as universidades fluminenses estão a ocupar entre as melhores universidades latinoamericanas.
Entre as 10 universidades latinoamericanas situadas no QS Latin University Rankings, três são brasileiras: USP – Universidade de São Paulo (1º lugar), UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas (3º lugar) e UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro (8º lugar). Entre as 50 melhores, a UERJ aparece após a UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (17º lugar), mas garbosamente é a única representante do Estado do Rio de Janeiro que está posicionada entre as 50 melhores universidades do subcontinente: está em 38º lugar. A UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense “Darcy Ribeiro”, a segunda grande universidade mantida pelo governo do Estado, aparece em 117º lugar.
A PUC-Rio é a solitária representante das instituições privadas de educação superior e ocupa o 18º lugar. A ausência de outras universidades privadas existentes no Estado do Rio de Janeiro é um fato que chama a atenção. Aliás, à exceção das PUCs (Rio, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), todas as demais universidades particulares somente aparecem a partir do 111º lugar, e mesmo assim apenas nove garantem posições até o 200º lugar a despeito da propaganda midiática que vende as suas marcas, agregando-lhes uma qualidade superior incapaz de se afirmar face a alguns critérios tidos como objetivos.
Mas, por que razões as universidades estaduais fluminenses, considerando em particular a UERJ e a UENF não se emparelham com as universidades estaduais de São Paulo e não têm igual reputação?
Em termos de reputação acadêmica e de empregabilidade uma resposta emerge de imediato focalizando-se exclusivamente a UERJ, considerada pelo Governador Sérgio Cabral como a “jóia da Coroa”. A UERJ, ao contrário das congêneres paulistas, não têm docentes e servidores técnico-administrativos em regime de dedicação exclusiva e as suas remunerações apresentam grandes perdas acumuladas. Em um simples exercício comparativo das remunerações pagas aos docentes-doutores da UERJ com as dos seus colegas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, por exemplo, começamos a compreender o lugar que ocupa no ranking, atrás das universidades paulistas. Na UNIOESTE um professor doutor, Adjunto A, com dedicação exclusiva recebe mensalmente R$ 7.452,00 e um professor associado, R$ 9.364,47; na UERJ estes mesmos professores recebem salários, respectivamente, de R$ 4.685,32 e R$ 4.656,22. Todos docentes e servidores da UNIOESTE têm ainda uma data-base de correção dos seus salários fixada por lei e os seus triênios sequer sofrem qualquer ameaça de desaparecimento por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) movida pelo Governador do Estado. Assim, não é, pois, de estranhar que o impacto desta defasagem nas remunerações incide diretamente sobre a reputação da UERJ como local ideal de trabalho. Na UERJ é grande a evasão de docentes e servidores para outras instituições e carreiras. Em alguns Departamentos das diversas Unidades Orgânicas da UERJ há mais de 50% de professores substitutos ou auxiliares com contratos de trabalho incrivelmente precarizados: recebem por aulas dadas, não têm direito a férias, repouso remunerado e 13º salário e sequer recebem seus salários em datas fixas.
A reputação acadêmica da UERJ é garantida pelas publicações e pesquisas de denodados pesquisadores que, a despeito da precariedade das suas condições de trabalho, conseguem ainda assim realizar trabalhos importantes e de referências. Em 2011 o DATAUERJ registra a realização de 19.155 produtos científicos por 1.993 docentes-pesquisadores.
A questão orçamental da UERJ também merece atenção e ajuda a trazer à luz as condições objetivas de trabalho. Para tanto é significativo comparar seus recursos orçamentário-financeiros com os das universidades paulistas. Desta comparação fica fácil deduzir em que condição opera a comunidade uerjiana, particularmente se se deduzem os gastos de manutenção com o Hospital Universitário Pedro Ernesto.

Universidade
Ranking em 2012
Data de Fundação
Orçamento Anual (R$ milhões)
Número de Docentes
Número de Alunos matriculados
Relação docente/aluno
Proporção
Orçamento/Aluno per capita
(em reais)
USP (2011)
1º lugar
1934
3.383.000.000
5.865
88.962
1/15,16
38.027.472
Unicamp (2011)
3º lugar
1966
2.087.388.674
2.052
36.801
1/17,93
56.720.974
UNESP (2010)
17º lugar
1976
1.561.726.421
3.543
38.435
1/10,84
40.632.923
UERJ (2010)
38º lugar
1958
952.653.446
2.179
26.251
1/12,04
36.290.177
Fontes: anuários estatísticos divulgados pelas próprias universidades. Todos foram obtidos no Google buscando-se, por exemplo, UERJ em números.
 
A questão que relaciona o número de docentes e servidores com o total de estudantes também é grave. Dados da UERJ de 2011 indicam haver 26.251 estudantes para 2.179 docentes e 3.177 servidores técnico-administrativos. Em 2003 havia 23.655 estudantes, 1.970 docentes e 4.141 servidores. Hoje se trabalha na UERJ com mais 2.596 estudantes, 209 docentes e 964 servidores técnico-administrativos a menos.
Quanto à questão WEB Impact, considerando a acessibilidade e usos do Portal WEB da UERJ (www.uerj.br), também há que se preocupar. A acessibilidade existente não é inclusiva, isto é, há falta de dispositivos informatizados que permitem o acesso de cidadãos com necessidades especiais (facilitação auditiva e visual, impressão em braile, legibilidade dos conteúdos, acessibilidade por teclado, conteúdos que não provocam ataques epiléticos etc.). Em comparação, por exemplo, com o Portal da Universidade de Lisboa, com acessibilidade generalizada, o Portal da UERJ pouco disponibiliza e orienta os estudantes, docentes e servidores a tirarem o maior proveito das próprias potencialidades da universidade. O portal da UL indica, por exemplo, os caminhos de apoio à organização, gestão e dinamização das atividades de investigação e desenvolvimento das diversas Unidades, bem como a elaboração de projetos, suas candidaturas em editais de financiamento, e a execução financeira dos projetos que receberam financiamentos. Toda a comunidade utiliza o sinal de Internet da UL nos seus campi e dispõe de informações específicas conforme os cursos. Com bastante facilidade é possível ter acesso aos serviços financeiros, sistemas de informação, infraestrutura tecnológica, suportes de informática, formação, ambiente e energia, apoio à investigação, higiene e segurança no trabalho, e normalização e otimização dos processos de aquisição de bens e serviços.
Não obstante tudo isto, somente os críticos mais afoitos e inconsequentes haveriam de responsabilizar os docentes e servidores da UERJ por não estarem emparelhadas com as congêneres paulistas. Mas seriam críticas anacrônicas e superficiais; sequer tangenciariam a essência do problema e pouco contribuiriam para a melhoria desta universidade. Tampouco serviriam para suspender a greve geral de estudantes, docentes e servidores da UERJ que se iniciou no dia 11 de Junho. A mais atualizada literatura sobre a estrutura e o funcionamento das instituições de ensino superior desloca o epicentro das mazelas das nossas universidades, incluindo as do Estado de São Paulo, para a qualidade das políticas de governo e para o gerenciamento do sistema de ensino superior pelas autoridades competentes. Tanto as políticas como o gerenciamento estão defasadas quanto à importância estratégica das nossas universidades.
Se a mudança radical de concepções acerca da universidade continuar a ser postergada, será muito difícil dar sustentabilidade ao atual processo de desenvolvimento do Estado e do País. Recente estudo produzido pelas universidades de Harvard e Stanford relaciona crise educacional e segurança nacional, na medida em que se constatou nos EUA a grande dificuldade de formar pessoal com sólidas qualificações demandadas pelas Forças Armadas, diplomacia, empresas de pesquisa farmacêutica e aeroespacial, indústria e comércio em geral. Este estudo é sem dúvida importante e pode ser rebatido para a nossa realidade. A mesma pergunta que propõe à sociedade dos EUA é igualmente válida para nós todos, fluminenses e brasileiros: se não preparamos bem as futuras gerações, quem protegerá o nosso Estado, a segurança do País e a nossa prosperidade atual e futura?

Com a palavra as nossas autoridades.

Quando a escolha é péssima

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