22.8.12

Entrevista ao Jornal Folha Dirigida - Caderno Educação Edição Especial


FD - Como funciona a participação do capital estrangeiro na educação? Essa participação é positiva?
ZG – Nos últimos anos tem sido grande a entrada de capital estrangeiro para gerir escolas de ensino básico e ensino superior. Já está ficando longe o tempo no qual as escolas privadas eram fundadas por indivíduos ou grupos familiares que pensavam a educação com um bem social. Hoje tende a haver determinados grupos econômicos, pessoas jurídicas, com denominações brasileiras, com uma composição de capital que engloba pessoas e fundos estrangeiros de ações comprando e fundando novas escolas onde há mercado educacional com alto potencial de lucro. Como sociedades abertas captam recursos nas bolsas de valores de São Paulo, Nova Iorque e de outras praças . Um destes grupos que atua no Brasil, praticamente sem controle, tem receitas geradas por 325.599 estudantes de graduação (305.378) e pós-graduação (20.221). Sua meta para 2012.2 é de aumentar em 20% este total. Na educação básica, o mesmo grupo tem receitas provenientes dos pagamentos de mensalidades de 289 mil alunos e de gastos com educação de três municípios. Nestes municípios ele controla todo o ensino fundamental, incluindo recursos pedagógicos e didáticos. Obviamente os secretários de educação são homens/mulheres de confiança do grupo.
Assim, sem dúvida é muito positivo para os acionistas do grupo. A rentabilidade que o grupo apresenta permite-lhe emitir debêntures num montante de $ 550 milhões de reais com vencimento em sete anos. Empresarialmente falando o que interessa primordialmente aos seus acionistas é a capacidade do grupo de gerar lucro, ganhos de capital. Os seus grandes, médios e pequenos acionistas estão pouco interessados no tipo de cidadão que se está formando, para qual sociedade.
A negatividade mais visível da entrada descontrolada de capital no setor educacional brasileiro está ai. Como podemos pensar um projeto de sociedade para o Brasil, com base em nossos valores e em nossa cultura se os futuros cidadãos estão sendo formados com base na lucratividade que são capazes de gerar para os fundos de ações? Qual o caráter do futuro cidadão brasileiro que os acionistas anônimos pretendem formar? Por acaso teriam alguma preocupação com a formação de nossa cidadania?
A sequência desta linha de raciocínio nos leva a pensar em nossa própria segurança nacional. Que homens/mulheres cuidarão da nossa própria segurança? Que possibilidade temos de garantir a nossa soberania não apenas em termos territoriais, mas também em termos de produção independente de conhecimentos indispensáveis à nossa indústria alimentar, farmacêutica, aeroespacial, medicinal, habitacional etc.?

FD - Essa participação pode contribuir para melhorar o trabalho das instituições brasileiras de ensino? 

ZG - É difícil acreditar que esta participação possa estar interessada na melhoria das instituições brasileiras de ensino em todas as suas dimensões. Há razões históricas para esta descrença. Se tomarmos como exemplo o que já acorreu no setor automobilístico ou mesmo no da informática, podemos ver que a entrada de capital estrangeiro matou no berço a indústria nacional de automóveis e de computadores. Não desenvolvemos o automóvel brasileiro, nem foi adiante o Projeto COBRA que prometia o nosso computador. Sequer fomos capazes de garantir reservas de mercado para ambos os produtos nacionais. A finalidade dos capitais que se realizam aqui é a de se concentrarem nos seus locais de origem. 

FD. No setor público existe muita reclamação da falta de recursos, esse capital seria uma saída para esta situação? 

ZG. Este capital somente poderia ser compreendido como saída para a falta de recursos no setor público se viesse a contribuir para a formação de um fundo público de melhoria da qualidade das escolas e cobertura nacional do atendimento à educação de qualidade referenciada socialmente. O governo poderia taxar progressivamente estes grupos e fortunas ligadas à educação para constituir esse fundo. Em minha opinião, deve sempre prevalecer a consideração de que a educação é um direito social a ser garantido pelo Estado, em sua integralidade. 

FD. É hora de o Brasil abrir mais ou menos espaço para esse capital? Por quê? 

ZG. Volto a dizer: a sociedade precisa insistir que a educação é um direito social a ser garantido pelo Estado. Enquanto não se constitui um grande fundo público com este capital para a melhoria da Educação e atendimento de toda a população, sua entrada e os seus movimentos no âmbito da educação, de todos os níveis e modalidades, precisam ser intensamente regulados com muita seriedade. No âmbito da educação a distância e das pós-graduações latu senso, por exemplo, é preciso que se criem formas de regulação com muita rapidez porque estão praticamente abertas às mais variadas formas de oferecimento, facilitando largamente a rentabilidade dos investimentos e configurando um autêntico derrame de diplomas com pouco ou nenhum valor agregado. 

FD. Os investimentos de grupos estrangeiros na educação podem afetar os interesses do país?

ZG. Claro que sim. Se o que está sendo chamado de Sociedade do Conhecimento se materializar, haverá em consequência uma Economia do Conhecimento e, desde já, devemos nos perguntar como e qual será a inserção do Brasil em ambas. Será produtor e vendedor de conhecimentos ou um grande comprador? Se for como comprador deverá ser a galinha dos ovos de ouro do capital, isto é, um eficiente transferidor da riqueza que se realiza aqui para outros lugares, para fruição de quem não a produz. 
 
FD. A área de Educação, por ser estratégica, deveria ser blindada ao capital de grupos internacionais?

ZG. O atendimento aos direitos sociais – saúde, educação, transporte, habitação, saneamento, segurança etc., deveria ser de exclusividade do Estado. Hoje estamos na contramão desta possível realidade. Mas embora seja contrário a esta privatização não advogo uma blindagem radical à entrada do capital estrangeiro no campo educacional, o que advogo é sua regulamentação, bem como  de todo o seu processo de reprodução e acumulação. Penso ser preciso comprometer o capital com o social, com a sua promoção, e não o contrário. Quando a sociedade está a serviço da realização do capital ele a submete selvagemente aos seus objetivos de reprodução e acumulação. Por que então não criar regras rigorosas que levem o setor educacional privado a transferir parte dos seus lucros para o desenvolvimento qualitativo do setor educacional público sem, no entanto, lhe impor formas de subordinação? Por que não regulá-lo de forma a favorecer o desenvolvimento de projetos estratégicos para a sociedade brasileira e o que está inscrito em nossa Constituição: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político e religioso?

18.8.12

O IDEB de 2012 não confirma a qualidade das escolas particulares


A campanha contrária às escolas públicas brasileiras tem sido grande e acirrada. Nas televisões e jornais de grande circulação só assistimos e lemos notícias sobre as suas mazelas. Seu efeito sobre o imaginário da classe média é a sua hispostasiação: a escola pública é para pobres, os professores são mal preparados, as greves são constantes etc.
As publicações regulares do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica pelo MEC/INEP estão, no entanto, colocando outro foco sobre as mesmas e evidenciando esforços públicos para a sua melhoria. O IDEB deste ano mostra importante recuperação da qualidade do sistema nacional de escolas públicas de Ensino Fundamental. Já dá para constatar que muitas escolas públicas têm atingido metas que hão de elevar consideravelmente o nível de proficiência dos seus alunos, equiparando-os aos de muitos países da União Europeia em médio prazo. O que o IDEB também demonstra é que a qualidade das escolas particulares não corresponde ao que se propala midiaticamente.
 Em um conjunto de provas que compõem este indicador verifica-se que os alunos das escolas particulares têm desempenhos equivalentes nas mesmas provas. Em todas as regiões do País eles e suas escolas deixaram de alcançar a meta/média de 5,8 para o ano de 2011.  O jornal O Globo considerou como pífio o resultado que apresentaram.
Destacadamente as escolas públicas de Minas Gerais, Santa Catarina, Distrito Federal, Paraná, São Paulo, Goiás, Espirito Santo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro cumpriram e até ultrapassaram a meta brasileira para 2011.  Nestes estados a média foi crescentemente de 5,1 (Rio de Janeiro) a  5,9 (Minas Gerais). Mesmo as escolas das Regiões Norte e Nordeste e do Estado de Tocantis cumpriram as suas metas, mas ainda ficaram abaixo da média nacional: 5,0.
As escolas particulares do Brasil, leigas e religiosas, apesar de toda propaganda, fetichização e de algumas magnificas instalações ficaram no mesmo patamar de médias cinco em todas as Regiões Brasileiras, perfazendo a reles média 5,6. 
O grande efeito imediato e positivo da transparência nacional do IDEB é o desnudamento objetivo de uma realidade que vinha sendo nublada pela mídia. As diferenças entre escolas públicas e particulares brasileiras são praticamente inexistentes; de verdade o que se constata é um autêntico empate técnico entre elas, o qual, aliás, vem de há muito tempo. Diversos estudos que não são publicados nacionalmente já o demonstraram. Só a mídia patrocinada por educandários particulares sonega a verdade ao grande público.
Gráficos produzidos pela UNESCO, com os níveis de desempenho em Matemática dos alunos das escolas públicas e privadas de ensino fundamental da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Honduras, México, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela, publicado pela primeira vez em 2000, demonstram que não são acentuadas as diferenças de desempenho dos alunos de escolas públicas e particulares. Os gráficos apresentados abaixo foram gerados pela Oficina Regional de Educación para América Latina y el Caribe (Laboratorio Latinoamericano de Evaluación de la Calidad de la Educación) e estão disponíveis na Internet[1], integrando importante informe. 
 

No primeiro nível – reconhecimento e utilização de fatos e relações matemáticas básicas – a diferença de desempenho de alunos de escolas públicas e particulares é de apenas 2.63 pontos percentuais. No segundo – reconhecimento e utilização de estruturas matemáticas simples – há uma diferença maior, de 7.94 pp, mas volta a ser menor, praticamente insignificante, no nível três – reconhecimento e utilização de estruturas matemáticas complexas: 0.07 pontos percentuais.
O fato é que não é expressiva a diferença de desempenho dos alunos de escolas públicas e particulares em todos os países da amostra. Até mesmo os diferentes níveis socioculturais dos estudantes deixam de ter peso apreciável para justificar as constatações apresentadas graficamente. O empate técnico é tão acentuado que as explicações talvez devam demandar pesquisas quanto as metodologias de ensino, materiais pedagógicos concretos e outros campos das práticas didático-pedagógicas.
No gráfico demonstrativo do nível de desempenho em Linguagem na mesma região a situação não é muito diferente. Vejamos. Ele também foi gerado no mesmo ano, pela mesma Oficina da UNESCO em Santigado do Chile.



Neste gráfico há diferenças mais visíveis. O desempenho dos alunos de escolas particulares é superior nos três níveis de aferição de domínios em Linguagem. Mas não se pode dizer que a diferença seja acachapante, que comprova haver grande inferioridade de desempenho dos alunos de escolas públicas. É, porém, indiscutível que estes apresentam fragilidades quando solicitados a expressarem o conteúdo de um texto com as suas próprias palavras e a exporem conclusões próprias. A análise do gráfico nos permite apenas inferir que mais alunos das escolas particulares são capazes de ler e compreender o que estão lendo. Mas, se o requisito é tão puramente ler um texto, de modo audível e claro, os alunos de ambas as redes de escolas atendem-no em situação bastante idêntica. Neste nível a diferença em pontos percentuais é de apenas 3.49.
A literatura especializada já trouxe à luz diversas explicações com bases empíricas para esta ligeira superioridade dos alunos de escolas particulares; muitas têm mais a ver com a suas condições socioeconômicas do que com a qualidade do ensino ofertado pelas escolas particulares. Os estudos de Pierre Bourdieu, apenas para citar este grande sociólogo, colocam ênfase no capital cultural das famílias de maior poder aquisitivo pela produção desta diferença. As idas aos teatros, cinemas e museus, assim como as viagens e convívio com pessoas mais cultas aumentam significativamente o nível de proficiência destes alunos em leitura, interpretação de textos etc.
O fato é que a partir da divulgação periódica do IDEB a sociedade civil brasileira precisa estar mais atenta ao que vem sendo realizado nas escolas públicas brasileiras, sobretudo por seu professorado. Precisa também reivindicar melhorias mais eficientes junto aos órgãos estaduais para o Ensino Médio, o antigo Segundo grau. Este não está avançando na mesma velocidade do Ensino Fundamental.


[1] UNESCO-SANTIAGO. Primer estúdio internacional comparativo sobre lenguaje, matemática y factores asociados, para alumnos del tercer y cuarto grado de la educación básica – segundo informe. Santiago de Chile, octubre de 2000. Disponível no site: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001231/123143s.pdf. Acessado em Agosto de 2012.

Quando a escolha é péssima

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