28.3.13

Ataques à Educação Superior do Estado do Rio de Janeiro

(Publicado no Jornal Folha Dirigida, edição de 2 a 8 de abril de 2013, Caderno Educação, Coluna Sem Censura, p.4, com o título "Privataria ataca a educação superior do Estado do Rio de Janeiro)
O capital privado nacional e internacional e suas práticas de privataria continuam a avançar sobre o campo da educação brasileira tal qual um tsunami com pouco ou nenhum controle fixado pelo MEC. A voracidade da onda privatista prossegue atraindo ávidos investidores das bolsas de valores do Brasil, Estados Unidos e União Europeia certos de que a frouxidão de controles haverá de permitir lucros líquidos e fáceis cada vez maiores. Para nossa estupefação os negócios são realizados com gordos financiamentos do Governo Federal através do Programa Universidade para Todos (PROUNI), Fundo de Financiamento Estudantil (FIES, e com a ação de diversos governos municipais que pactuam convênios milionários com grupos educacionais gigantescos sem as devidas licitações públicas, transferindo recursos da sociedade que jamais deveriam sair da órbita pública.
O Brasil de hoje é o sexto maior mercado educacional mundial, compreendendo todos os níveis e modalidades. Estudos do Observatório Universitário do Instituto DataBrasil mostram que das 5 milhões de matrículas nas instituições de ensino superior (IES) mais de 77% delas são feitas em instituições privadas. De 2378 IES existentes no Brasil apenas 278 são públicas. Em 2002 havia no país um total de 1637 IES. Desta data até o presente foram fundadas, respectivamente, 83 e 658 novas IES públicas e particulares pertencentes à iniciativa privada, leiga e religiosa. Somente um desses grupos privatizantes do ensino superior brasileiro teve lucro líquido de R$ 140 milhões no segundo trimestre de 2012, uma alta de 186% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, e a expectativa negativa de inadimplência dos estudantes matriculados é irrisória, praticamente a mesma que se observa nas instituições financeiras.
A selvageria deste tsunami é incrível e parece somente respeitar, quando respeita, uma determinada ética do mercado. São nulos os seus compromissos com a educação de qualidade social, com a pesquisa científica e com a extensão universitária que queremos para consolidar o nosso atual modelo de sociabilidade. Salvo as raras exceções representadas por algumas universidades às vezes religiosas e familiares, objetivamente deixam de cumprir o que está estabelecido no Art. 43 da LDB (Lei Federal nº 9394 de 20 de Dezembro de 1996). Não há estímulo à criação cultural, ao desenvolvimento do espírito científico, ao pensamento reflexivo, ao trabalho de pesquisa e investigação científica, ao conhecimento dos problemas do mundo presente, nacionais e regionais, e poucas são as IES particulares que se dispõem a promover a difusão das conquistas e benefícios da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
A falta de compromissos destes grupos privatistas com a Lei brasileira é uma regra. Não apenas transgridem muitos artigos de leis educacionais. As leis trabalhistas são tratadas com igual escárnio parecendo existir para serem descumpridas cotidianamente. Frequentemente deixam de pagar em dia os salários de docentes e funcionários, porque tais salários antes se constituem como elemento de financiamento da expansão destas empresas que atuam uniformemente pelo Brasil afora apenas com interesses em altos lucros. Suas dívidas trabalhistas são estratosféricas; só o Grupo Galileo deve mais de R$ 50 milhões conforme o Relatório da CPI.
Os mesmos grupos também não têm compromissos com os estudantes, os quais em conjunto são denominados como estoques e não titubeiam empenhá-los como garantia de dívidas ou contrapartidas de debêntures. Os estudantes de Medicina da Universidade Gama Filho e os estudantes da UniverCidade são os mais novos estoques manipulados com sanha acumuladora de capital.
Os estudantes de ambas as instituições mantidas pelo Grupo Galileo Educacional estão aprendendo na carne o que significa ter a sua instituição de ensino superior privatizada por mantenedoras ávidas de lucratividade. Numa e noutra universidade este grupo vem descaracterizando pedagogicamente todos os cursos com práticas de flexibilização curricular, diminuição de carga horária das disciplinas e dos professores com maior tempo de serviço e titulação, quebra de pré-requisitos para otimização dos custos (modularização) e extinção de campi, cursos e turmas.
Os estudantes da Gama Filho e da UniverCidade, porém, com todo o vigor da juventude, estão em ebulição nos campi, ruas, avenidas e praças. Eles, porém, travam uma batalha de Pirro em diversas frentes, seja apoiando as greves de professores e funcionários, seja exigindo pagamentos de salários atrasados e, sobretudo, transparência das planilhas financeiras, critérios para o reajuste das mensalidades, maior qualificação do corpo docente e regulação do ensino superior privado. Seus desgastes físicos e mentais são incalculáveis e desnecessários. Contudo todos desgastes que incidem sobre os seus cursos e a própria formação poderiam ser evitados se o MEC estivesse atento, objetivamente preocupado e atuante para impor regras à privatização do ensino superior brasileiro.
Até o presente os estudantes estão podendo contar tão somente com pequenos e esparsos apoios, alguns muito demagógicos como os de alguns deputados que recentemente ocuparam a tribuna da Câmara em Brasília para proferir discursos que soaram mais como autênticas peças de retórica sem efeitos práticos, proferidos apenas para entusiasmar plateias e enganar eleitores.
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) até agora parece ser quem mais está apoiando a causa dos estudantes e objetivando regular e definir os limites desta privataria educacional. Em seu âmbito instaurou-se uma CPI para investigar as ações dos grupos atuantes no sistema de ensino superior do Estado do Rio de Janeiro, em todos os níveis e modalidades, e o relator desta CPI, o deputado Robson Leite (PT-RJ) já está em fase de conclusão de um relatório cuidadoso e aprofundado que procura apreender o fenômeno em sua totalidade.
A CPI analisou todos os grupos educacionais e de investimentos que atuam no Estado do Rio de Janeiro e no Brasil, num total de dezesseis, alguns dos quais com participações em lojas de varejo, bancos, fábricas de bebidas alcoólicas, jornais de grande porte, lanchonetes de fast-food, lojas de modas, indústrias de fármacos, automóveis, metais etc. Muitos são grandes sociedades de capital aberto e há mais de um com sede nos Estados Unidos atuando inclusive na educação básica de nossas crianças e jovens. Um bom exemplo de gigantismo multinacional é o grupo Laureate International Universities, presidido pelo ex-presidente Bill Clinton dos Estados Unidos. Este grupo é uma corporação que recentemente desnacionalizou o IBMR e é considerado o maior grupo mundial de ensino superior; está presente nos cinco continentes, em 29 países, e administra mais de 60 instituições, 740.000 estudantes matriculados e 60 mil “colaboradores”.
Pelo tamanho deste tsunami privatista mede-se o tamanho do desafio da CPI alerjiana em um combate desigual que nos faz lembrar o pequeno David contra o gigante Golias. Obviamente só uma atiradeira não é suficiente, a menos que se tenha proteção divina. Sem esta proteção a sociedade e diversas instituições comprometidas com o nosso atual projeto de sociabilidade precisam estar envolvidas em ações efetivas para fortalecer a CPI e exigir que os seus encaminhamentos sejam realizados prontamente. A CPI não pode ser esvaziada e engavetada pelos lobbies e grupos de interesses.
Talvez a constituição imediata de um grupo de trabalho com representantes das Comissões de Educação da Câmara Federal e da ALERJ, MEC (SERES, INEP, CAPES etc.), do PROCON, SN-Andes, Sinpro-RJ, UNE etc. seja ideal e imprescindível. Mas mesmo que não se efetive este esforço conjunto, está claro que o MEC precisa assumir o protagonismo de destaque que lhe compete.



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