Zacarias Gama[1]
O atual presidente da
República, o ex-capitão Jair Messias Bolsonaro, disse em 15 de outubro de 2018,
Dia do Professor, que o seu objetivo era “fazer o Brasil semelhante ao que
tínhamos há 40, 50 anos” (O Globo, 2018).
Nunca um presidente foi tão cumpridor de promessas de campanha! Há um ano do
término de seu governo, é grande o atraso que impôs à sociedade brasileira.
Todos os setores recuaram de forma extraordinária, incluindo os direitos dos
trabalhadores. Em balanço feito pelo jornal Folha de São Paulo (21/08/2021)
está dito que “o país não conseguiu avançar significativamente em nenhuma área
e assistiu retrocesso na economia, no social, meio ambiente, saúde e educação,
entre outros" Dos indicadores analisados pela Folha, 63 tiveram piora, 28
melhoraram e 10 permaneceram estáveis.
No campo da educação,
além de não apresentar um plano de educação ou ao menos alinhar a educação
nacional às metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da
ONU, nada indica que se
esforce para cumprir o Objetivo 4 desta agenda:
“Garantir uma educação inclusiva, equitativa e de
qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para
todos”. Contrariamente, as suas ações concorrem para reduzir os gastos totais do governo com a educação
básica e superior; descuidam das vinte metas do PNE 2014-2024, em especial a
que se refere ao aumento das matrículas da educação básica em tempo integral; comprometem o funcionamento do ensino superior; e colocam em risco de sobrevivência as
instituições públicas de pesquisa, ciência e inovação para o desenvolvimento. Tampouco
fez ou faz qualquer esforço para desarmar a bomba de efeito retardado que é o
novo ensino médio, herdado do governo golpista de Michel Temer, a entrar em
vigor a partir de 2022 conforme as determinações da Lei nº 13.415/2017
. Esta lei que reestrutura o ensino médio, aumenta para 1.000 horas o tempo de
permanência na escola, flexibiliza o currículo escolar com a oferta de
itinerários formativos, coloca foco nas áreas de conhecimento e na formação
técnica e profissional e permite que os estudantes escolham os seus itinerários
de formação.
Quanto ao novo ensino médio a sociedade brasileira está dividida. Conservadores,
grandes empresários e ampla quantidade de instituições privadas de ensino
básico festejam a sua implementação a partir de 2022; intelectuais
progressistas, defensores da escola pública, movimentos sociais, sindicatos e
educadores comprometidos com a educação dos jovens exigem a sua postergação com
o objetivo de discutir a reforma com mais profundidade, tantos os seus
efeitos perversos. Gaudêncio Frigotto, um dos mais importantes cientistas de
educação na atualidade, considerou o novo ensino médio como um “pastel de vento”
que trai e condena as novas gerações a uma cidadania de segunda categoria por
não "terem as ferramentas básicas de conhecimento para a cidadania
política e econômica” (Brasil de Fato, 2021). Para Dermeval Saviani, professor
emérito da Unicamp, a reforma do Ensino Médio” é uma volta às leis de
educação dos anos 1940, “que previam um ensino secundário diferenciado para
“elites condutoras”, e outro para "o povo conduzido” (Brasil
de Fato, 2017). O Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da
Bahia-APLB alerta que tal reforma ampliará a desigualdade social entre os
estudantes das redes pública e privada, condenará a juventude pobre a se
contentar com o precarizado itinerário
profissionalizante sem poder acessar a universidade (CNTE,
2019).
Esta malfadada reforma do ensino médio brasileiro se inspirou nas reformas que vem ocorrendo na União Europeia, consonantes com as
determinações da OCDE, em especial a Ley Orgánica para la Mejora de la Calidade Educativa,
promovida pelo governo da Espanha (LOMCE, n.
8/2013). Esta lei espanhola
enfatiza os itinerários de formação com foco nas áreas de conhecimento e na formação técnico-profissional e ainda permite aos estudantes comporem os seus próprios itinerários.
Em nome da flexibilidade torna possíveis as escolhas mais
adequadas às capacidades e aspirações de cada estudante, o que, no jargão do
mercado, customiza a educação e, ao mesmo tempo, deixa transparecer os interesses
capitalistas subjacentes. Na semântica educacional, a diversidade de talentos
dos estudantes força o sistema a reconhecê-la e desenvolver uma estrutura que a
contemple. Sua lógica se assenta em um sistema capaz de encaminhar os
estudantes para os itinerários mais conforme as suas competências, projetos de
vida, condições futuras de empregabilidade e empreendedorismo.
Na Espanha a reforma da educação foi mal-recebida pela
sociedade organizada e a sua derrogação é o principal ponto de pauta dos
sindicatos de professores, confederação de pais de escolas públicas,
associações de estudantes; todos contando com o apoio explícito da Unida
Podemos – UP (El País, 2017). Em consequência da pressão
popular várias das medidas principais propostas pela LOMCE já estão
sendo deixadas de ser aplicadas.
Aqui entre nós é célere o movimento de formulação e implementação
da reforma do ensino médio, bastante intensificado pelos movimentos de educação
patrocinados pelo empresariado e com apoio da mídia tradicional. O Movimento
Todos pela Educação e o Itaú BBA, por exemplo, vêm apoiando desde o primeiro
momento a “formulação de um novo modelo, mais flexível, que articule a Base
Nacional Comum Curricular do ensino médio com o ensino técnico
profissionalizante e a qualificação profissional” (Fernão
Bracher, 2018). Os interesses imediatistas da elite do atraso, porém, em
comparação com o que ocorre em outros países que também fazem reformas
educacionais (Finlândia, Suécia, Alemanha, Áustria, França, Itália,
Dinamarca, Polônia, Hungria, Reino Unido, Cingapura, Japão, China (Xangai),
Canadá (Ontário), República da Coreia e EUA) pouco oferecem em termos de
melhoria da qualidade da educação, financiamento, diminuição da desigualdade
social, novos perfis de cidadãos e trabalhadores mais sofisticados e
diversificados... Sequer se aproximam dos ideais espanhóis de elevar os níveis
atuais de educação com o objetivo de promover a convivência pacífica e o
desenvolvimento cultural da sociedade, considerando-se que uma democracia cada
vez mais complexa e participativa exige cidadãos mais conscientes. Também fica
muito aquém dos Padrões Estaduais do Núcleo Comum (Common Core State
Standards) dos Estados Unidos, criados entre 2009 e 2010 e já aceitos em 43
estados, com a finalidade de padronizar minimamente a educação nacional dadas
as especificidades existentes no território americano. Com eles os EUA
projetam o perfil de saída dos estudantes ao fim da escolaridade básica em
matemática e artes da linguagem, esperando que devem estar preparados para a
carreira pessoal e para a universidade, assim como para tornar os EUA mais competitivos
academicamente.
Aqui no Brasil estamos nos domínios de uma elite mesquinha
que subsume a nação à realização dos seus interesses e à sua reprodução. Ela
tudo controla, nosso sistema educacional e a educação das nossas crianças e
jovens não seriam exceção; nossas crianças e jovens, afinal de contas, serão a
futura ralé a lhe assegurar mão de obra farta e barata, conforme Jessé Souza (2017) já nos
assegurou. O que mais lhe importa é o controle dos fundos de educação, a expansão
das instituições privadas, concentração das matrículas, produção e venda de
material didático-pedagógico... e a maior realização de seu capital. Aos
estudantes, nem as batatas.
[1]
Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Coordenador Geral do PPG Desenvolvimento e Educação Theotonio dos
Santos (ProDEd-TS).